Mudanças no preço do minério de ferro abriram possibilidades para os especuladores, alerta Ekkehard Schulz, diretor executivo da siderúrgica ThyssenKrupp, em entrevista concedida à revista Der Spiegel. O resultado pode ameaçar a economia global e provocar a formação de uma bolha ainda maior do que a responsável pelo início da crise do subprime nos Estados Unidos. A seguir, a entrevista.
Enquanto a economia mundial passa por dificuldades, os preços do aço estão atingindo novos patamares. Qual é a correlação entre estes fatos?
É fácil: enquanto siderúrgica, dependemos de quantidades maciças de recursos minerais. Precisamos de hulha para fazer coque, níquel e, principalmente, minério de ferro. Nos últimos meses, os preços deste último recurso, em especial, praticamente explodiram. Não há nada que possamos fazer para compensar esta mudança.
Já ouvimos isto antes. A culpa é sempre de outra pessoa.
Neste caso, é verdade. Há apenas um pequeno número de produtores mundiais de ferro em larga escala. Eles ficam no Brasil e na Austrália. E estamos completamente a mercê dos preços determinados por eles.
O sr. se refere a gigantes como Rio Tinto, Vale e BHP Billiton. Mas a ThyssenKrupp trabalha em parceria com elas há anos. O que mudou?
Os contratos. No passado, sempre estabelecíamos com os fornecedores de ferro contratos anuais calculáveis, nos quais o preço era definido para todo o seu período de vigência. Agora, os três produtores que dominam o mercado decidiram subitamente ditar contratos trimestrais, nos quais um novo preço associado ao volátil mercado de vendas à vista é determinado para cada trimestre. Isto produz consequências fatais.
Em qual sentido?
No ano passado, ainda pagávamos cerca de US$ 60 por tonelada de minério de ferro do exterior. Agora, o preço aumentou em mais de 100%. E o preço no mercado à vista aumentou ainda mais desde o último contrato. O novo sistema está fazendo com que o preço suba cada vez mais, o que põe em risco todo a economia.
Mas não é incomum que os preços subam no mercado e que continuem a subir conforme a alta da demanda.
É verdade. Mas o minério de ferro não é difícil de encontrar.
Infelizmente, o problema está no fato de sua exploração ser controlada por um pequeno número de grandes produtores. E eles estão se aproveitando de maneira irresponsável do poder do qual dispõem no mercado.
São acusações graves. O sr. tem provas para sustentá-las?
O caso está sendo analisado pelo Gabinete Federal Alemão Contra Cartéis, sediado em Bonn, e pela Comissão Europeia, e nós apoiamos as iniciativas. Além disso, pedimos ajuda também ao governo alemão.
O que o governo deveria fazer?
O governo nos prometeu que cuidará do tema na reunião de cúpula dos líderes do G-20, em junho, em Toronto. A intenção é defender um equilíbrio justo e sustentável entre os países que processam os recursos naturais e os que os produzem.
Não poderíamos considerar um excesso levar esta questão ao G-20? Estamos falando do sistema de precificação para o minério de ferro e o aço...
E, portanto, da economia global como um todo. Somente na Alemanha, mais de 35% do valor agregado industrial depende do aço. Seria impossível calcular o custo de uma ponte, um arranha-céu ou uma fábrica de automóveis se o preço do minério de ferro e, consequentemente, do aço, mudassem constantemente e se tornassem um joguete dos especuladores.
Qual é o papel desempenhado pelos especuladores?
O novo sistema de precificação escancara os portões para a especulação e a manipulação. Uma imensa bolha ameaça se formar no mercado de recursos naturais. Suas dimensões podem até superar as do problema imobiliário que explodiu nos EUA dois anos atrás.
Isso é um exagero.
De maneira alguma. Ano após ano, cerca de 2 bilhões de toneladas de minério de ferro são consumidas no mercado mundial. O comércio estrangeiro corresponde a cerca de metade deste volume. Somente uma porção extremamente pequena deste total é vendida no mercado à vista. Mas um pequeno número de grandes contratos neste mercado são o suficiente para produzir uma grande manipulação do preço. Isso não foi um problema significativo até agora, mas, com o novo sistema, no qual os preços tomam como única base o mercado à vista, esse tipo de influência afeta todo o comércio global.
Quem seriam os interessados?
Em primeiro lugar, os produtores de minério e os países nos quais eles se localizam, cujos governos, em certos casos, sugam parte do lucro por meio de impostos especiais. Mas, sabemos agora de alguns bancos de investimento, que estão efetuando trabalhosos preparativos para entrar no mercado de minério. Não quero citar nomes, mas são os mesmos bancos que estavam envolvidos em outras grandes bolhas especulativas. No momento, eles estão atuando em nossos mercados, contratando especialistas em recursos naturais, comprando empresas de comercialização e alugando instalações de armazenamento nos principais portos, onde podem estocar temporariamente o minério para fins especulativos. Eles enxergam a oportunidade de lucros bilionários.
No passado, ao contrário de concorrentes, a ThyssenKrupp não conseguiu adquirir o controle de minas. Não seria este o motivo de suas preocupações?
Não. A especulação com recursos naturais não é um problema só para a ThyssenKrupp. Se não adotarmos medidas contra os especuladores, eles se tornarão uma grave ameaça para toda a indústria siderúrgica e para a economia global./
Fonte: O Estado de S.Paulo/Der Spiegel/TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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