A diretoria da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) está desfalcada desde o ano passado e não há perspectiva de ser preenchida no curto prazo. Das cinco cadeiras do colegiado, apenas duas estão ocupadas por titulares, sendo uma delas do diretor-geral, Rodolfo Saboia, que não tem perfil técnico.
A indústria reclama de atrasos regulatórios, sobretudo na área de gás natural, o que adia investimentos e a criação de um ambiente concorrencial. Nesta quinta-feira, mais de 50 associações industriais vão entregar um manifesto à Casa Civil e ao Senado pedindo o preenchimento dessas vagas rapidamente e também a contratação de mais funcionários para a reguladora.
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O manifesto é assinado por entidades representativas de setores produtivos relevantes para a formação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro - como os de exploração e produção de óleo e gás; fabricação de máquinas e equipamentos; exportadores; metalúrgico; siderúrgico; alimentício e produtor de bebidas. Também assinam o manifesto as federações industriais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Espírito Santo.
Além do diretor-geral, a outra diretora titular presente na agência reguladora é Symone Araújo. Ela, porém, deve deixar o cargo em março, quando vence o seu mandato, e ainda não há um nome para substitui-la. Duas outras vagas estão sendo ocupadas por substitutos, escolhidos pela presidência da República dentro do quadro técnico do órgão para atuarem em situações emergenciais. Ainda há um assento vago.
Tabita Loureiro já foi aprovada na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado para ocupar um dos assentos, mas seu nome ainda não foi submetido ao plenário do Senado, como exige a lei. Há mais duas diretorias vagas, com o fim dos mandatos dos diretores Dirceu Amorelli e Cesário Cecchi.
Abertura do mercado de gás natural
A grande reclamação da indústria é que, desfalcada, a ANP não consegue dar conta do aparato regulatório necessário para colocar em prática a abertura do mercado de gás natural, prometido pelo governo aos grandes consumidores de energia e toda cadeia de gás. Para isso, foi aprovado um marco legal em 2021. Mas, até agora, pouco aconteceu para que as mudanças se efetivassem. A Petrobrás continua a ser o agente dominante e principal responsável pela formação do preço do energético.
“A regulação é importante para dar previsibilidade às negociações e favorecer o acesso isonômico e não discriminatório ao mercado dos novos agentes, além de assegurar as decisões de investimentos que são de capital intensivo e possuem grande prazo de maturação”, afirmam os industriais no manifesto.
Desde que foi aprovado o novo marco regulatório do gás, no ano passado, apenas um grande consumidor industrial assinou contrato de fornecimento com uma empresa privada. A Unigel, dona das fábricas de fertilizantes de Bahia e Sergipe, fechou acordo com a Shell, mas, ainda assim, mantém outro contrato com a Petrobras.
“Em um momento de indefinição e conflito no setor, em que a lei do gás precisa ser reafirmada, é fundamental uma agência fortalecida, com o colegiado completo”, reforçou Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres (Abrace).
Um especialista que conhece de perto o funcionamento da agência afirmou, em condição de anonimato, que a ANP é um colegiado que decide com três votos. Atuando com apenas três diretores, é necessário haver consenso entre eles, ou o processo regulatório é travado. Ou seja, só avançam os temas consensuais.
Outro ponto é que a capacidade de trabalho fica limitada, porque as pautas de votação são propostas pelos diretores. “Com poucos diretores, menos assuntos são apresentados para a diretoria deliberar, o que causa certo retardo no processo regulatório.”
Além disso, o diretor interino não tem liberdade de ação, porque a tendência é que tenha dificuldade de contrariar interesses, julgar temas polêmicos e que seja mais inseguro.
No setor, o que se diz é que o desfalque da ANP ocorre por motivos políticos. Há uma disputa de bastidor de quem vai indicar os diretores e essas disputas criam um impasse. “A Tabita foi sabatinada há mais de um ano e ainda não foi para o Senado. Não é por acaso. Alguém não quer o nome dela, quer aquela vaga, a sinalização é de que não vai tomar posse”, afirmou outra fonte com conhecimento no assunto.
Fonte: Estadão