Na aflição para entregar o prometido superávit nas contas públicas, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ameaça transformar o anunciado pacote de estímulo às exportações em um réquiem de desestímulo às exportações, segundo avaliam especialistas do setor. Além do já decidido corte público em dois terços do Reintegra, que compensa exportadores por impostos cobrados na produção, a Fazenda quer anunciar, em breve, uma poda draconiana no Proex, principal programa de financiamento às vendas externas.
Na semana passada, em discreta reunião dos ministérios envolvidos no financiamento às exportações, os representantes de Levy informaram que planejam cortar em até 40% o benefício do programa Proex Equalização, um programa pelo qual o Tesouro Nacional cobre até o equivalente a 2,5% do valor financiado a compradores de mercadorias do Brasil no exterior. Esse corte pode inviabilizar exportações de alto valor agregado submetidas a forte competição, afirmam especialistas.
Na reunião do Comitê de Financiamento de Garantia das Exportações (Cofig), na quarta-feira, os representantes dos ministérios concordaram em liberar os recursos do Proex - que estavam retidos por problemas de caixa do Tesouro desde novembro - para operações já realizadas até fevereiro. Mas auxiliares de Levy informaram que cortariam o chamado spread, a parcela de juros coberta pelo governo, em pelo menos um terço, de 2,5% para 1,5%, ou menos.
Fazenda pretende anunciar uma poda draconiana no Proex
É mais um na série de problemas do programa: de R$ 1 bilhão previsto em 2014, foram liberados R$ 260 milhões; em novembro, com a imprevista interrupção na liberação de recursos para o programa, centenas de exportadores -principalmente de bens manufaturados de alta tecnologia como máquinas e equipamentos para a indústria - viram-se subitamente privados de um programa que pode representar até 10% do valor presente líquido dos produtos vendidos, segundo o setor.
A maneira como o governo alterou o Reintegra faz executivos acusarem a equipe econômica de atropelo: segundo o decreto divulgado sexta-feira, o valor devolvido aos exportadores, até então em 3% do faturamento com as exportações, passará a 1% em março. O problema é que o sistema calcula os desembolsos do Reintegra baseado no faturamento trimestral das empresas.
"As exportações de janeiro e fevereiro têm direito a Reintegra de 3% e as de março, 1%; isso vai travar o sistema", prevê o vice-presidente da Associação dos Exportadores Brasileiros, Roberto Giannetti da Fonseca. "As milhares de empresas que deram desconto de 3% confiando na boa fé do governo, agora terão 1% de ressarcimento, e quem vai pagar a diferença?"
No ano passado, durante a campanha eleitoral, o Ministério da Fazenda anunciou a legislação que previa Reintegra entre 0,1% e 3%, mas informou que aplicaria o maior valor previsto. Os exportadores lembram que o Reintegra não é desoneração, mas uma compensação por impostos indiretos cobrados na exportação - que, pela Constituição, é isenta de tributo.
As oscilações do Reintegra desde sua criação já contrariam a promessa das autoridades de mais apoio aos exportadores, para reduzir o crescente déficit nas contas externas. Podia ser pior: há alguns dias, a Fazenda falava em simplesmente reduzir a 0,1% a compensação pelo Reintegra. Já os planos de Levy para o Proex, antecipados a empresários e consultores, são de abater o espírito animal de qualquer empreendedor.
No começo de fevereiro, empresários reunidos no Planalto chegaram a ouvir do ministro Armando Monteiro uma defesa pública do Proex, quando o ministro lembrou que cada R$ 1 concedido no programa de equalização permite aumentar em até R$ 20 as exportações. Por mais que haja exagero nessa conta, há unanimidade entre os analistas de que o Proex é um programa de baixo custo e alto rendimento para o Tesouro, capaz de reduzir, de fato, as vantagens de competidores estrangeiros também apoiados por programas oficiais de financiamento, a taxas bem menores que as brasileiras.
Usadas principalmente para financiar exportações de serviços vinculados a obras no exterior e aviões (Odebrecht e Embraer são as maiores beneficiárias), o Proex Equalização também sustenta centenas de exportadores de manufaturas, de informática a bens de capital, que computam o valor do spread para concorrer em preço no exterior.
Um problema é que as verbas para os grandes projetos de exportação são reservadas no orçamento, mesmo que seu desembolso não ocorra no mesmo ano, o que reduz os recursos disponíveis para as empresas com financiamentos em valores menores. Há quem defenda mudanças na contabilização do orçamento desse programa, para aumentar o apoio a exportadores de bens de capital.
"Algumas linhas de produção perdem a viabilidade sem o Proex", alerta Lucia Helena Souza, diretora da Barral M Jorge Consultores Associados. "É contraditório querer aumentar exportações e retirar a previsibilidade aumentando o custo das operações enquadradas no Proex Equalização."
O economista Mansueto Almeida, um dos maiores críticos dos programas de desoneração bancados pelo governo, também considera "muito ruim" a constante mudanças de regras no setor de exportação e estranha que o Proex, um programa de "baixo custo" seja afetado. Ele contesta o argumento de Levy, de que a recente desvalorização do real compensaria os aumentos de custo de financiamento na exportação.
"As moedas em outros mercados também se desvalorizaram em relação ao dólar; a energia subiu 50% e a inflação alta aumentou os custos do empresário", lembra. "É um momento difícil para um corte abrupto no programa."
O Proex poderia ser avaliado e sofrer ajustes graduais, mas o gradualismo parece competir com a pressa, essa má conselheira que se instalou em Brasília.
Fonte: Valor Econômico/Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB)
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