O vazamento de gás registrado na semana passada em um dos principais gasodutos que escoavam o insumo da Rússia para países europeus não apenas indica que a crise de oferta de gás deverá se estender além deste inverno na Europa mas também que os preços internacionais deverão ficar elevados no médio prazo.
Em paralelo, a oferta de gás no Brasil deve dobrar nesta década com a exploração gradual da camada pré-sal, já que juntamente com o óleo extraído vem gás. Os preços do insumo nacional serão vantajosos nesse complexo cenário internacional. As dúvidas agora são como o país vai gerir essa oferta, se irá exportar parte da produção, ampliar o uso em térmicas ou usar o insumo para reindustrializar setores em momento de reordenamento das cadeias globais.
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Hoje o livre acesso à infraestrutura de gás e os preços são duas barreiras, diz Lucien Belmonte presidente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro (Abividro). O setor, que consome um milhão de metros cúbicos por dia, não tem nenhuma empresa no mercado livre. Para o presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Paulo Pedrosa, a abertura ainda é incipiente e “medíocre”. “A lei do gás não colou, não se tornou efetiva”, diz. Um dos obstáculos são as legislações estaduais, pois há Estados cujas regulações para o mercado livre de gás conflitam com a legislação federal. Hoje, sete Estados (Acre, Alagoas, Amapá, Goiás, Rondônia, Roraima e Tocantins) e o Distrito Federal não possuem leis sobre gás natural.
Entre avanços que poderiam ser adotados está a implementação de um mercado secundário que permita às empresas negociar excedentes não utilizados. “Se uma fabricante de cerâmica tiver problemas com seu fornecedor de gás, ela poderá adquirir o produto de outra forma? Se ela tiver problemas em um alto-forno, ela poderá vender esse excedente? Se ela migrar para o mercado livre e tiver problemas, ela poderá retornar à distribuidora? Em quanto tempo?”, questiona o presidente da Abrace.
Hoje uma das principais polêmicas em relação às leis estaduais é sobre os critérios de classificação de gasodutos. O assunto mexe com o principal Estado e com a maior indústria do Brasil: São Paulo. Há uma discussão regulatória envolvendo o governo de São Paulo, a Agência Nacional do Petróleo (ANP), grandes consumidores e distribuidoras em relação ao gasoduto da subida da Serra do Mar, com pouco mais de 30 km de extensão, que pretende ligar um terminal de regaseificação de GNL na Baixada Santista à rede da Comgas na Região Metropolitana de São Paulo. Há um debate se o gasoduto deve ser classificado como de transporte ou de distribuição. O gasoduto Subida da Serra foi uma obra aprovada em 2009 e orçada em R$ 473 milhões, com capacidade para manejar 16 milhões de metros cúbicos de gás por dia.
Na visão da indústria, caso o projeto seja classificado como um gasoduto de distribuição, pode ocorrer redução da concorrência, reserva de mercado, ineficiência nas decisões de investimento e diminuição da competitividade do gás frente a outros combustíveis. Já a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) afirma em um comunicado que a construção do gasoduto vai dar segurança energética aos consumidores.
Sergipe, que tem sua lei de mercado livre desde 2019, já teve o primeiro contrato de consumidor livre de gás, feito entre uma fabricante de fertilizantes e a distribuidora local. “Temos buscado usar isso como alavanca do desenvolvimento”, diz a diretora técnica da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Sergipe (Agrese), Regina França.
Fonte: Valor