Estranho paradoxo o do governo Dilma, que percorre as reuniões internacionais clamando por maior coordenação e união no combate à crise internacional e, ao mesmo tempo em que a presidente da República critica lá fora o protecionismo, sua equipe no Brasil levanta barreiras comerciais sem coordenação entre os ministérios. Há dez anos, foi criada a Câmara de Comércio Exterior, para ordenar as ações dos órgãos do governo em temas comerciais. E em seu aniversário, a Camex foi ignorada para que o país embarcasse no protecionismo.
O Brasil parece, mais e mais, espelhar-se no exemplo da vizinha Argentina, adepta das medidas informais de administração do comércio ou pouco atenta aos compromissos com o sistema multilateral. O problema do exemplo é sua ineficiência: as estatísticas da própria Argentina mostram perda crescente da competitividade dos produtos manufaturados locais, para prejuízo da população e do país.
São preocupantes as informações que saem, por exemplo, do Grupo de Acompanhamento Conjuntural (GAC), criado para troca de impressões entre o governo e o setor privado. Segundo relato dos próprios empresários, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, parece encantado com boa parte das sugestões protecionistas levantadas nesse grupo, mesmo as que claramente rompem regras internacionais e sujeitam o país a questionamentos na Organização Mundial do Comércio (OMC).
De olho no curto prazo, equipe econômica põe credibilidade em risco
Uma das últimas medidas postas em estudo por Mantega é a sugestão de proibir o desembarque de certas mercadorias a não ser em portos especialmente designados - uma maneira de dificultar a vida dos importadores. Se adotada a proposta, portos como Santos e Paranaguá seriam fechados a determinados manufaturados, criando uma barreira de custo e logística aos importados.
O Brasil não seria o único a contrariar as regras da OMC. Mas, como país em desenvolvimento, pacífico, de tamanho ainda reduzido no comércio e no mercado financeiro internacional, deveria ser um dos primeiros interessados em fortalecer, não minar, o sistema de normas multilaterais, que, até agora, só tem beneficiado os interesses brasileiros. Deflagrar conflitos comerciais com violações explícitas às regras internacionais não parece uma estratégia sensata, nem se ajusta ao discurso de Dilma Rousseff nos palcos internacionais.
Desde as ações contra barreiras à gasolina nos EUA e questionamento dos subsídios à Embraer, pelo Canadá, o Brasil coleciona vitórias na OMC, a última delas contra os subsídios ao algodão americano. A OMC serve para desencorajar o mero uso da força bruta na proteção a mercados, estabelecer regras aceitáveis para comercialização de mercadorias e arrancar de parceiros faltosos compensações como o inédito financiamento dos EUA a pesquisas e tecnologia para o algodão brasileiro.
O problema das decisões repentinas e voluntariosas, como a tomada em setembro no Brasil, de aumentar em 30 pontos percentuais o imposto sobre produtos industrializados dos automóveis, vai além de sua vulnerabilidade jurídica, com liminares espalhadas para garantir importação sem IPI, no país, e movimentação, no exterior, dos parceiros do Brasil para questionar a ação protecionista. O exemplo das barreiras levantadas atabalhoadamente obriga a diplomacia brasileira a defender chicanas protecionistas que podem, muito bem, ser usadas contra o Brasil no futuro.
Além disso, desmoralizar a Camex como local de acerto de ponteiros dos ministérios é abrir espaço para mais decisões capengas e indefensáveis que exigem sucessivos retoques, como vem acontecendo com o aumento do IPI para carros. Abriu-se uma exceção para importações do México e Argentina, porque interessava às grandes montadoras instaladas no país. Por ordem de Dilma, a pedido do amigo presidente uruguaio, José Mujica, abriu-se outra exceção para os 20 mil carros importados do Uruguai, majoritariamente chineses. Anuncia-se discutir mudanças, caso a caso, para montadoras com planos de instalação no país.
Discutindo na Camex, quem sabe os ministros teriam evitado essa sucessão de casuísmos e adotado medidas mais sofisticadas e mais proveitosas para o consumidor. Uma delas foi apontada à repórter Francine de Lorenzo, do Valor, pela professora Vera Thorstensen, uma das maiores especialistas em comércio internacional no país - que deplorou o amadorismo do imposto que discrimina, contra a lei, entre produto nacional e produto importado já internalizado no mercado nacional. O governo poderia ter criado um programa de desenvolvimento tecnológico, que permitiria incentivos à indústria instalada no país, aponta Thorstensen.
O programa cobraria investimento na melhoria do produto nacional, em troca de proteção. Essa ideia foi levantada e abandonada no calor das conversas com as montadoras. Agora, os países de origem dessas mesmas montadoras exigem que o Brasil justifique na OMC o injustificável aumento seletivo de imposto.
Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras
Fonte: Valor Econômico/Por Sergio Leo
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