A decisão do governo de planejar medidas de estímulo às exportações de manufaturados concentradas na redução do custo do crédito deve ter alcance restrito às grandes empresas. Enquanto para essas a piora nas economias centrais começa a provocar maior dificuldade de acesso ao crédito, pequenas e médias empresas pedem medidas mais profundas para trazer competitividade à produção nacional e classificam como "paliativas" as intenções de Brasília.
A Man Latin America já sente os efeitos do aperto na oferta de crédito internacional. A fabricante de ônibus e caminhões notou aumento nas restrições de financiamento, como alta do custos das concessões, fechamento de linhas de crédito e exigência de maiores garantias, diz Roberto Cortes, presidente da montadora, segundo o qual, em especial, "os bancos europeus estão mais rigorosos".
Cortes defende uma linha de financiamento ao importador de produtos brasileiros, semelhante ao Finame, linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que financia a compra de máquinas e equipamentos no mercado brasileiro. "Se um importador chileno quiser comprar um caminhão nosso, ele não encontra financiamento. Seria importante que nós, exportadores, contássemos com esses artifícios", diz.
A Man espera aumentar suas vendas externas em ao menos 10%. Em 2011 a empresa exportou 9.400 produtos, sendo um terço dirigido à Argentina. O resultado representou crescimento de 12% em relação a 2010.
O diretor-corporativo de relações com investidores do grupo Randon, Astor Schmitt, diz que se o governo de fato reduzir os custos dos financiamentos às exportações vai oferecer uma "alavanca" para as vendas das indústrias nacionais. De acordo com ele, a "falta de competitividade" das linhas brasileiras faz muitos clientes no exterior buscarem crédito em seus respectivos países para comprar da empresa à vista.
Mesmo assim, diz o executivo, a Randon não enfrenta "dificuldades relevantes" em obter linhas de médio e longo prazo para suas exportações. Segundo Schmitt, essa modalidade representa a menor parcela dos embarques da empresa. A maior parte das operações é com financiamento direto do grupo para coligadas no exterior, montadores terceirizados e via concessionários, ou ainda para montadoras de veículos comerciais, sempre no "curtíssimo prazo", entre 90 e 120 dias.
Schmitt explicou ainda que as vendas de reboques e semirreboques rodoviários tiveram forte recuperação no segundo semestre, especialmente para países na América Latina e África. "Não tenho ainda os números fechados, mas as exportações de 2011 deverão ser sensivelmente superiores à projeção inicial de US$ 250 milhões para o ano", adianta Schmitt. Até novembro, as vendas externas da Randon somaram US$ 205,8 milhões, alta de 15% sobre 2010.
Para empresas com menor faturamento em exportação, contudo, a diminuição do custo do crédito não muda o cenário. A Döhler, por exemplo, que fabrica produtos têxteis para casa, estima que mesmo uma queda de 2% a 3% no custo total dos seus produtos não será suficiente para ganhar mercado no exterior. "O chinês consegue um preço 10%, 15% menor. Crédito especial ajuda, mas não vai transformar o país em um exportador de manufaturados. É uma ação paliativa, ajuda mais quem é grande", diz o diretor-comercial Carlos Alexandre Döhler. O empresário diz que não aumentou as exportações no ano passado, ao passo que o faturamento total subiu 21%.
Prevendo um crescimento de até 15% para este ano, ele afirma que a empresa deseja retomar as vendas para o exterior, que representam 8% do faturamento total. "Neste mês estamos abrindo uma distribuidora em Miami para vender diretamente ao consumidor e fazer novos clientes. Com a Europa em crise, os Estados Unidos passaram a ser nosso alvo."
Para a exportação ganhar mais espaço na receita da empresa seriam necessárias mais medidas do governo, na opinião do empresário, como a reversão da cobrança dos tributos, que atualmente é feito na base da cadeia produtiva, e a melhora da infraestrutura, que impacta os custos de logística.
O tipo de medida de redução do custo de crédito também é importante para avaliar se ela terá algum efeito nos setores de manufatura, segundo Sonia Hess, presidente da Dudalina. "A MP 540 [transformada em lei no mês passado], que desonera 20% do INSS em troca do pagamento de 1,5% sobre o faturamento não adiantou para a maioria das confecções que eu conheço. Precisa ver se essa medida vai realmente impactar", afirmou.
Sonia diz que cada setor deve ter uma política específica por parte do governo, principalmente na parte de financiamento. "Precisaria de apoio do BNDES, pois hoje não há esse tipo de crédito. Precisamos de um plano de médio e longo prazo e não ações pontuais."
A exemplo da Döhler, a Dudalina, que confecciona camisas, vai olhar com mais atenção o mercado internacional em 2012. No ano passado, a empresa apostou na produção de camisas femininas e na inauguração de lojas, que passaram de cinco para 30 no país. "A nossa receita de exportação foi muito pequena em 2011. Vamos participar de uma feira nos Estados Unidos e outra em Paris, em julho. Vamos abrir também, em março, um show room em Milão", diz.
Em Minas Gerais, o risco de um aperto no crédito para o financiamento das vendas externas tem sido tema frequente das reuniões dos diretores da cooperativa Cooxupé, uma das maiores entregadoras de café do Brasil. "Há mais de 60 dias estamos com essa preocupação em relação a uma possível redução do crédito", diz Lúcio Dias, superintendente industrial da cooperativa.
No ano passado, a Cooxupé exportou diretamente 2,43 milhões de sacas de café, vendeu para outros exportadores outros 1,9 milhão, e 730 mil para o mercado doméstico. Como todos os contratos são de longo prazo, a Cooxupé precisa antecipar recursos para pagar os produtores de café de quem compra as sacas e só recebe dos seus clientes meses depois.
Para antecipar os recursos, a empresa recorre ao Funcafé (fundo com um total de R$ 5 bilhões e juros de 6,75% ao ano), adiantamento de contrato de câmbio (ACC) e pré-pagamento de contratos de exportação (venda de títulos vinculados à exportação feita por bancos brasileiros e estrangeiros).
É uma eventual contaminação dessa última fonte de crédito que mais preocupa os executivos da cooperativa. "Por enquanto, o crédito está fluindo normalmente", diz. "Mas se a crise se agrava e complica a vida de um banco forte lá fora, isso poderá nos afetar."
Fonte:Valor Econômico/Por Rodrigo Pedroso, Sérgio Ruck Bueno, Marcos de Moura e Souza, Diogo Martins e Guilherme Serodio | De São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e do Rio
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