A produção da indústria de transformação anda de lado desde abril de 2010, mas o faturamento não parou de crescer. Nos 12 meses acumulados até julho, a produção aumentou apenas 1,4%, muito abaixo do crescimento de 3,7% registrado pelo faturamento das fábricas no mesmo período.
Os dados, levantados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) a pedido do Valor, evidenciam a estratégia recente adotada pelos empresários brasileiros: substituir insumos nacionais por importados, num processo que desarticula as cadeias e derruba a produção, mas amplia o faturamento por meio da redução de custos.
Nos oito anos entre 2003 e 2010, os dados de produção, levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e de faturamento, produzidos pela CNI, tiveram praticamente a mesma variação. Enquanto a produção aumentou 27,7%, o faturamento cresceu 25,6%, no período.
A trajetória dos dois indicadores industriais sempre foi próxima - do crescimento ao mergulho pós-crise de 2008, e da recuperação, no começo de 2009, à aceleração no início de 2010. O fim dos incentivos fiscais, em março de 2010, no entanto, marca o momento em que o faturamento (medido em reais) se descola da produção (medida em volume).
Os segmentos mais tradicionais da indústria, como os fabricantes de vestuário, calçados e alimentos, são os líderes desse processo. Intensivos em mão de obra e diretamente afetados pela competição com os produtos importados, tanto no mercado internacional quanto no mercado doméstico, esses setores tradicionais têm gradativamente substituído insumos, peças e componentes.
A indústria de vestuário reduziu sua produção em 2% entre 2003 e o ano passado, mas essa queda foi irrelevante para a trajetória do faturamento do setor, que aumentou 31,2% no período. É o mesmo caso dos fabricantes de calçados e couro, que registraram, em 2010, produção 14,3% menor do que aquela de oito anos antes, mas que viram o faturamento do setor aumentar 3,6% na mesma comparação.
Mesmo entre os fabricantes de alimentos e bebidas, que ampliaram sua produção em 13% nos últimos oito anos, o faturamento cresceu muito mais - 34%, em igual período.
"Estamos vivendo o período em que a indústria não só está substituindo insumos, partes e peças nacionais por importados, mas efetivamente importando o produto final", afirma Renato da Fonseca, gerente-executivo da unidade de pesquisa da CNI, e autor do levantamento. "O fabricante importa alguns produtos, e produz outros, mas aos poucos vai deixando de produzir, importando tudo", afirma Fonseca, para quem o caso da indústria de eletroeletrônicos é "assombroso".
Enquanto a produção de material eletrônico e de comunicações, como aparelhos celulares e televisores, ficou praticamente estável nos oito anos (-0,8%), o faturamento saltou 131,2% entre 2003 e 2010. "O Brasil já não produz nesse setor, apenas monta os insumos que importa e vende para o mercado doméstico", diz Fonseca. É por isso, afirma o economista da CNI, que o faturamento cresce, na onda de um mercado interno aquecido, mas a produção não.
Já em setores onde o país conta com vantagens comparativas, como em papel e celulose e em minerais não metálicos, não só produção e faturamento crescem, como a distância entre os dois é pequena. Os fabricantes de papel e celulose aumentaram a produção em 24,1% entre 2003 e 2010, apenas 6,6 pontos percentuais menos que o salto verificado no faturamento. Da mesma forma, o setor de minerais não metálicos produziu 31,4% mais no período, e viu o faturamento aumentar 48,1%.
Já segmentos que estão no meio da cadeia produtiva, como os fabricantes de produtos químicos e o setor de borracha e plástico, registraram um avanço do faturamento inferior ao da produção. De modo geral, diz Fonseca, esses setores, de média-alta e média-baixa tecnologia, perderam mercado externo, mas têm praticado promoções de preços internamente, de forma a não perder fatias no mercado brasileiro.
Os fabricantes de produtos químicos, por exemplo, aumentaram sua produção total em 15,1% nos últimos anos, variação superior ao incremento de 10,4% do faturamento. A situação é semelhante à vivida pela indústria automobilística, que mesmo com crescente substituição de insumos nacionais por importados, segundo Fonseca, ainda registrou alta da produção mais elevada que a do faturamento. Enquanto a produção aumentou 90,2% entre 2003 e 2010, o faturamento aumentou um pouco menos (73,6%).
"Não precisamos produzir tudo, mas o Brasil precisa de um parque diversificado para ter alternativa num cenário novo da economia mundial", diz Fonseca. "As commodities nos trazem divisas importantes para consolidar o balanço de pagamentos, mas se gastamos tantas décadas construindo um amplo parque industrial, não faz muito sentido destruí-lo", afirma o economista da Confederação Nacional da Indústria.
Fonte: Valor Econômico/Por João Villaverde | De Brasília
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