O impacto da pandemia de covid-19 sobre a indústria brasileira foi muito mais intenso do que o esperado em março. A produção caiu 9,1% na comparação com fevereiro, a terceira maior baixa da série histórica da pesquisa, iniciada em 2002. O setor voltou quase 17 anos no tempo e agora vê a produção no mesmo nível de agosto de 2003. Para abril, as projeções preliminares indicam um tombo que pode chegar a 20% em relação ao mês anterior. Os números reforçam a percepção de que os efeitos da pandemia sobre a economia do país podem ser piores do que os imaginados até então, sugerindo que o primeiro trimestre teve um desempenho ainda mais fraco do que já se projetava.
A magnitude da queda surpreendeu - a mediana das previsões era de recuo de 3,7% - porque as medidas de isolamento social foram adotadas apenas a partir da segunda metade do mês. Assim, analistas acreditam que o pior está por vir no indicador de abril. Para a MCM Consultores, o tombo pode ser de impressionantes 20,7% na comparação com março. A LCA Consultores estima recuo de 19,1%. O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) prevê retração de 9,8%. Na comparação com o mesmo período do ano passado, o recuo pode chegar a 30%.
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“Com o aprofundamento das férias coletivas e das paralisações por causa do coronavírus, a indústria brasileira deve ter aprofundado sua perda de produção em abril”, diz André Macedo, gerente da pesquisa industrial no IBGE.
Todas são estimativas preliminares, já que quase não há indicadores antecedentes disponíveis para abril neste momento. As projeções se baseiam na queda histórica de 18 pontos percentuais no nível de utilização da capacidade instalada (Nuci), para 57,3% no mês passado, mínima recorde. E o índice de gerentes de compras (PMI, na sigla em inglês) da indústria brasileira, indicador elaborado pela consultoria IHS Markit, recuou de 48,4 em março para 36,0 em abril, também mínima histórica.
“O desempenho da indústria em abril vai redefinir o que se considera um resultado ruim no setor”, afirma o economista Rodrigo Nishida, da LCA Consultores. Um fato que chamou a atenção dele e de outros analistas é que em março as perdas foram generalizadas, alcançando 23 das 26 atividades, com destaque para veículos (-28%), bebidas (-19,4%) e vestuário (-37,8%).
Algo inesperado, uma vez que em parte do mês a produção teria sido normal. Além disso, março teve três dias úteis a mais que em 2019, porque o carnaval caiu em fevereiro. Segmentos como a indústria automobilística - que liderou a queda em março - passaram abril sem produzir praticamente nada. “Tudo leva a crer que a queda será histórica”, afirma Nishida.
Luana Miranda, economista do Ibre-FGV, diz que se esperava um desempenho melhor dos segmentos relacionados a itens de primeira necessidade, como alimentos e bebidas, que compensariam em parte a forte queda que já era esperada em bens de consumo duráveis e semiduráveis, como veículos e vestuário.
Uma explicação possível para a queda generalizada é que o abastecimento de insumos deve ter piorado mais em março, paralisando algumas linhas de produção. A redução também teria a ver com perspectiva de forte queda na demanda à frente. Em relatório, a MCM diz que as perdas ocorreram não como efeito colateral do isolamento social, mas também por decisões de preservar caixa, pela disparada das incertezas e aperto das condições financeiras.
O isolamento social incentivou pontualmente a fabricação de itens de higiene, limpeza e hospitalares - que cresceu 0,7% em março sobre fevereiro - e até caixões. Também subiu a produção de papel higiênico e fraldas descartáveis. Na categoria classificada como “produtos diversos”, o IBGE notou aumento da produção de itens como seringas, luvas, tecidos para proteção, óculos para proteção, e também urnas funerárias.
O colapso da indústria em março aponta para um PIB ainda menor no primeiro trimestre. Os analistas consultados, contudo, preferem esperar para ver o resultado do setor de serviços, que também deve vir muito ruim, e do varejo. O IBGE divulga ambos na próxima semana.
A Parallaxis estima queda de 1,1% no PIB do primeiro trimestre, na comparação com o mesmo período do ano passado, mas vai rever esse número para baixo. Para o ano, a projeção é de baixa de 4,6%. “Os dados já divulgados apontam que esse recuo anual pode estar mais próximo de 5,5%”, diz. A queda do PIB industrial em 2020, estimada em 3%, também será revista.
Leão destaca que a forte retração da indústria em março deve ter repercussão importante no setor de serviços, já bastante abalado pelas medidas de isolamento social que fecharam de cabeleireiros a restaurantes. “Segmentos como o turismo entraram em colapso, a retração mais forte da indústria se junta a esse panorama”.
O Ibre-FGV e a MCM também devem colocar em revisão suas estimativas para o PIB do primeiro trimestre do ano, de queda de 0,7% e recuo de 0,6%, sobre o último trimestre do ano passado, respectivamente. A LCA também prevê queda de 0,7%, por enquanto.
Olhando à frente, a expectativa é de uma recuperação difícil para o setor, que já não caminhava bem antes da pandemia. Na comparação com iguais períodos em 2019, a produção caiu em março pelo quinto mês consecutivo. Diferentemente do momento pós-greve dos caminhoneiros, quando recuou 11% em maio e subiu 12,9% em junho, agora não se espera uma recuperação já no mês seguinte, nem nos próximos. “Vai ser uma recuperação muito difícil, da economia e da indústria. E vai ser lenta, com um desemprego bastante alto, afetando a demanda”, afirma Luana Miranda, do Ibre-FGV.
Fonte: Valor