Apelidado de "mãe de todas as boiadas" pela bancada ambientalista do Congresso, o projeto de lei geral do licenciamento ambiental baseia uma das propostas da CNI (Confederação Nacional da Indústria) para os candidatos à Presidência da República.
O texto em tramitação no Senado dispensa a maior parte dos empreendimentos de licença, avaliação e vistoria.
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A agenda se tornou uma das prioridades da indústria, que levará 21 propostas aos presidenciáveis em um evento nesta quarta-feira (29) em Brasília.
"A ênfase que estamos dando ao licenciamento corre junto com a maturidade da temática, na qual a gente trabalha há 17 anos dentro do Congresso Nacional. Então, foi amplamente discutido e já começa a casar também com a urgência, a importância, o custo Brasil, com questões ambientais e outras variáveis para que você possa botar na agenda do dia", afirmou à Folha Davi Bomtempo, gerente-executivo de sustentabilidade da CNI.
A agenda ambiental —que em 2010 aparecia apenas nas páginas finais do documento entregue pelo setor aos presidenciáveis— atualmente é tema de 2 das 21 propostas da CNI, trazendo as recomendações de regulamentação do mercado de carbono e de revisão do licenciamento ambiental.
O nível de alteração proposto para as normas ambientais também aumentou. Nas eleições de 2010, o setor apontava a necessidade de haver mais agilidade e eficiência para encurtar o tempo de emissão de licenças, pedia clareza entre funções de órgãos federais e estaduais e ainda o reconhecimento de empresas com diferenciais em políticas ambientais.
Nas eleições de 2014, a proposta da CNI dizia que "é importante que a União compatibilize minimamente algumas regras e procedimentos para evitar a competição ambiental nefasta entre estados e municípios".
Já em 2018, a CNI passou a pedir que a obtenção da licença não seja condicionada à obtenção de pareceres de outros órgãos que não o licenciador. O setor também já pedia a aprovação da lei geral do licenciamento com urgência.
Neste ano, a indústria traz uma proposta de 50 páginas sobre o licenciamento ambiental, incluindo um quadro que compara as recomendações da CNI às soluções do projeto de lei, revelando como as propostas implicam a simplificação dos processos.
A proposta "fortalecer as equipes das agências licenciadoras e das autoridades envolvidas" é alinhada, segundo o documento da CNI, ao trecho do projeto de lei que "garante o caráter não vinculante das manifestações das autoridades envolvidas, de modo a não obstar o andamento do processo administrativo".
Já a menção do setor à "avaliação dos impactos ambientais do empreendimento ou atividade de forma concentrada" se alinha ao trecho do projeto de lei que "simplifica procedimentos de licenciamento ambiental para determinados setores, a exemplo de empreendimentos lineares, agricultura e saneamento".
"No mundo real e não das narrativas, o que a CNI tem defendido nos últimos anos no Congresso Nacional, em conjunto com a Frente Parlamentar da Agropecuária, é o esvaziamento da avaliação de impactos ambientais, bem como a automatização inconsequente da maior parte dos processos via fast track [via rápida]", afirma a ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo.
"Ignoram completamente o fato de que o Supremo Tribunal Federal já rechaçou tal possibilidade para empreendimentos com risco ambiental em julgamento recente", continua.
Questionado sobre o risco da redução das normas de licenciamento resultar em mais acidentes como os de barragens das mineradoras Vale e Samarco, em Minas Gerais, Bomtempo respondeu que outros instrumentos devem compor a solução ambiental. Ele cita como exemplo a regularização fundiária, o zoneamento ecológico-econômico, a avaliação ambiental estratégica e o pagamento por serviços ambientais.
"Mudar de modelo conceitual da política ambiental, com ênfase em processos indutivos, via estímulos e incentivos" é um dos itens da proposta da CNI para revisão do licenciamento ambiental.
"O que não dá para trabalhar hoje é com 7.000 atos normativos e federais. Muita gente fala em 25 mil nas três esferas. Já ouvi falar até de 50 mil atos normativos. Isso afugenta qualquer empresa, qualquer investidor que tenha o anseio de instalar uma planta aqui no Brasil", afirma Bomtempo.
Questionada sobre o número de normas ambientais, Araújo respondeu que os números citados pela CNI são "irreais".
"Normas contabilizadas como? Nunca demonstrarão como trabalham essa contabilidade criativa. Política ambiental tem componentes regulatórios fortes em qualquer país do mundo", diz Araújo.
A proposta da indústria também traz um capítulo sobre a economia de baixo carbono, apontando oportunidades para o setor em bioeconomia (que aproveita recursos da biodiversidade contribuindo para a conservação ambiental) e da economia circular (que reduz a demanda por matéria-prima e a geração de resíduos, a partir de reciclagem e redesenho de produtos).
A principal recomendação do capítulo é a regulamentação de um mercado de carbono. Com a definição de regras pelo governo federal, as empresas devem ter mais segurança jurídica para negociar os créditos de carbono —espécie de "licença para poluir", em que atores com altas emissões de gases-estufa podem adquirir créditos gerados por quem, em compensação, reduz a quantidade desses gases lançados na atmosfera.
"A indústria se posiciona do lado das soluções especialmente ao defender a consolidação de um mercado de carbono regulado, em contraposição à iniciativa do governo federal de avançar na regulação de mercados voluntários, de menor integridade climática", diz Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de economia de baixo carbono do ICS (Instituto Clima e Sociedade).
"É sintoma de que a Indústria brasileira reconhece a agenda de sustentabilidade como fator de competitividade e se posiciona como parte da solução aos desafios impostos pela crise climática", avalia Pinheiro.
Fonte: Valor