Pouquíssimos são os casos de companhias brasileiras já processadas nos Estados Unidos. A experiência das que passaram pelo problema dá a dimensão da tragédia jurídica atual da Petrobrás na terra do Tio Sam. Na crise financeira internacional de 2008, Aracruz Celulose e Sadia perderam bilhões de dólares em derivativos cambiais quando o dólar subiu brusca e repentinamente em relação ao real. Em consequência, foram processadas por investidores que tinham adquirido American Depositary Receipts (ADRs) dessas companhias no mercado americano.
Nestas ações coletivas ("class actions"), os investidores prejudicados alegaram fraude na revelação de informações, já que as companhias não divulgaram anteriormente em demonstrações financeiras a assunção de riscos provenientes de operações especulativas com derivativos altamente voláteis.
As "class actions" de Aracruz e Sadia resultaram em acordos judiciais com pagamento de US$ 37,5 milhões e US$ 27 milhões pelas companhias, respectivamente. Tais valores, deduzidos honorários advocatícios e despesas processuais, foram distribuídos à classe dos investidores prejudicados. Os investidores brasileiros dessas companhias, entretanto, não obtiveram reparação das perdas financeiras sofridas.
Brasil não possui mecanismo eficiente de reparação de danos patrimoniais sofridos no mercado de capitais
Diversas empresas do grupo Petrobrás são alvo agora de ações coletivas que visam indenizar os investidores adquirentes de seus títulos nos EUA. Tal como Sadia e Aracruz, elas também estão sendo processadas por falhas na divulgação de informações relevantes para o público investidor sobre corrupção e fraude. Mas, apesar das semelhanças com os casos Aracruz e Sadia, o da Petrobrás é mais grave devido a vários fatores, devendo resultar em custos mais elevados, que extrapolarão a casa de meros milhões de dólares.
Diferentemente do ocorrido com Aracruz e Sadia, o caso Petrobrás não se circunscreve à esfera cível de reparação de danos patrimoniais dos investidores. Engloba também o Departamento de Justiça (DOJ) americano, conduzindo investigações na esfera criminal, e a Securities and Exchange Commission (SEC), investigando ilícitos relacionados ao Foreign Corrupt Practices Act e à regulação federal de mercado de capitais, na esfera administrativa.
Isso significa que a Petrobrás terá que realizar acordos financeiros tanto com o DOJ quanto com a SEC para evitar julgamentos criminal e administrativo, que poderiam gerar consequências à sua própria sobrevivência. O envolvimento desses órgãos governamentais americanos, como já demonstrado em estudos empíricos publicados em revistas especializadas, também produz impactos financeiros nas ações coletivas mencionadas, que resultarão em acordos judiciais de valores superiores devido à maior gravidade dos ilícitos e à publicidade resultantes da participação do DOJ e da SEC.
Por exemplo, caso recente envolvendo investigações de empresas do grupo Siemens devido à corrupção em contratos de transporte na Venezuela, de telefonia celular em Bangladesh, de eletricidade em Israel e de sistema de controles na Rússia, acabou gerando multas pelo DOJ e pela SEC, de US$ 450 milhões e US$ 350 milhões, respectivamente.
Os valores desviados da Petrobrás em corrupção e outros ilícitos superam em muito as perdas financeiras sofridas por Sadia, Aracruz e a própria Siemens. Como as multas e acordos da Petrobrás com órgãos públicos americanos e nas ações da esfera cível serão lastreados no valor real que foi dela expropriado, seus valores tenderão a ser proporcionalmente mais altos do que nos casos das outras companhias. Ainda que o novo balanço a ser divulgado pela Petrobrás minimize o valor das perdas com corrupção, os reguladores americanos poderão se basear em outras estimativas se julgarem necessário.
Além disso, o montante dos acordos de indenização na esfera cível é influenciado pelo número de investidores prejudicados nos EUA. Diferentemente dos casos Aracruz e Sadia, que envolveram classes de investidores que negociaram títulos das empresas durante cinco a seis meses, as classes pleiteadas no caso do grupo da Petrobrás abrangem investidores que negociaram papéis por cerca de quatro anos e meio. Portanto, o número de investidores que sofreram danos com a Petrobrás é muito superior, o que também puxará para cima o valor dos acordos nas "class actions".
Considerando-se todos esses fatores, fatalmente os custos totais do imbróglio jurídico da Petrobrás nas esferas cível, criminal e administrativa nos EUA, custarão à estatal brasileira bilhões de dólares. Quem vai pagar essa conta do Tio Sam e a da reparação patrimonial dos investidores americanos? Por óbvio, os investidores brasileiros da Petrobrás, pois uma vez que o custo sai do caixa da empresa, o valor do investimento do acionista brasileiro diminuirá proporcionalmente. Assim, o acionista brasileiro, além de sofrer diretamente as perdas do valor do seu investimento devido à corrupção, ainda arcará indiretamente com os custos das indenizações a serem pagas aos investidores americanos. Em suma, pagará a conta da Petrobrás duas vezes.
E obterá o acionista brasileiro reparação financeira tal como o investidor americano? Evidentemente não, pois no Brasil não existe mecanismo eficiente de reparação de danos patrimoniais sofridos por investidores no mercado de capitais tal como as "class actions" americanas. Enquanto lá advogados iniciam tais ações e financiam os custos do processo, aqui a ação equivalente - ação civil pública - é de competência principal do Ministério Público, que por falta de incentivos ou especialização na área de mercado, optou por concentrar seus esforços apenas na esfera criminal.
Também não poderá o investidor brasileiro buscar reparação lá, pois em 2010 a Suprema Corte americana negou a possibilidade de investidores que adquiriram títulos em mercado estrangeiro de "tomar carona" nas leis mais protetoras de investimentos do Tio Sam. O caso Petrobrás demonstra, portanto, as falhas do regime jurídico de proteção ao investimento no Brasil que assolam economia nacional.
Érica Gorga é professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e Associate Research Scholar na Yale Law School e diretora executiva do Yale Law School Center for the Study of Corporate Law.
Fonte: Valor Econômico/Por Érica Gorga
PUBLICIDADE