Entre os que perderam o cargo após as denúncias de corrupção está o ex-ministro Alfredo Nascimento. O PR anuncia rompimento com a base governista, causando instabilidade para a presidente Dilma Rousseff (PT) no Senado. As dúvidas envolvendo os Transportes envolvem contratos de obras e licitações públicas. A Lei de Licitações também estabelece punições.
Denúncias de superfaturamento em obras rodoviárias levaram à queda de um ministro. Outros 27 cargos de confiança do governo, em efeito dominó, foram exonerados. No Espírito Santo, a duplicação de uma rodovia - a BR-262 - foi revelada como a mais cara obra pública sem concorrência do Brasil. A crise no Ministérios dos Transportes e suas consequências no Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) trouxeram à tona dúvidas e interpretações de todo tipo acerca das intervenções contratadas pelo poder público país afora. No centro de tudo isso, obras que foram iniciadas com processos licitatórios e que colocam em xeque a eficácia e a aplicabilidade da Lei 8666/93, a chamada "Lei das Licitações".
Especialistas ouvidos por A GAZETA são unânimes em afirmar que a legislação em vigor há 18 anos não deixa a desejar - pelo menos não a ponto de ser apontada como causa de todo o escândalo que respingou na base de apoio da presidente Dilma Rousseff (PT) no Senado. Por causa da "faxina" na pasta dos Transportes, o Partido da República (PR) anunciou ontem que deixou o bloco governista na Casa e que, a partir de agora, se posicionará de forma "crítica" em relação ao governo. Na opinião do procurador-geral do Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, o "x" da questão mora dentro da própria administração.
"Todas as licitações são combinadas. É impossível tratar os políticos sem enxergá-los como corruptos incorrigíveis. Todos os contratos administrativos envolvem muito dinheiro, e onde tem dinheiro tem gente de olho. É assim que surgem as fraudes", criticou Furtado.
Opinião semelhante tem o doutor em Direito e professor universitário Adriano Sant?ana Pedra. Apesar de menos pessimista que Furtado, ele também aponta para a participação de servidores do governo como a peça-chave para a ocorrência de esquemas de corrupção. "A lei não é fraca e está bem fundamentada, mas estamos lidando com um terreno propício a transgressões. Em razão do grande volume de dinheiro envolvido nas licitações, pessoas interessadas em lucros indevidos são atraídas. Se fosse para lucrar pouco, ninguém se arriscaria", considerou.
Brechas na lei
De acordo com os especialistas, um dos pontos que servem de abertura aos esquemas fraudulentos - que vão desde superfaturamento à cobrança de propina - está nos casos em que há dispensa de concorrência. Pelo que está previsto na Lei das Licitações, esses itens abrangem, por exemplo, a aquisição de itens que só possam ser fornecidos por um fornecedor no mercado local ou, ainda, para a contratação de apresentação cultural ou artista, "desde que consagrado pela crítica especializada", conforme o texto.
"Não há tantas brechas na Lei das Licitações, e a grande questão é a esperteza das pessoas. Pode ocorrer por um conluio entre fornecedores e servidores públicos que atuam no processo licitatório, o que dificulta ainda mais a detecção da fraude. Quando se contrata um artista, por exemplo, não se faz uma licitação porque artista não tem concorrência similar, como no caso de materiais", pontuou o procurador-geral do Ministério Público Especial de Contas, Domingos Taufner.
Na visão do procurador da República Fabrício Caser, do Ministério Público Federal (MPF), a Lei das Licitações deve ser aperfeiçoada constantemente à medida que novas práticas criminosas surgem. "Há alguns pontos que deveriam estar mais claros e creio também que deveria haver punição maior. Dificilmente o réu é condenado à pena máxima", destacou Caser. No próprio texto da Lei das Licitações, estão previstas as punições: fraudes com prejuízo aos cofres públicos, por exemplo, podem dar ao infrator de três a seis anos de detenção. A contratação de empresa inidônea pode levar o agente público a até dois anos de cadeia.
Atenção indevida
A ponderação do diretor-executivo da Transparência Brasil Cláudio Abramo é de que o perigo mora na falta de gerenciamento dos projetos em execução. "No Brasil não se presta a atenção devida ao processo. Não é um problema de falta de legislação, e sim de gerenciamento".
Na mesma direção aponta o procurador-geral do TCU, Lucas Furtado. "Quem contrata é que tem que fiscalizar. O problema não está na lei, está na falta de aplicação dela. Assim, por melhor que seja a lei, não vamos acabar nunca com as fraudes", pontuou Furtado. No MPF, a avaliação é semelhante. "A Lei das Licitações só vai efetivamente deixar de ser transgredida quando houver total comprometimento dos administradores públicos com o interesse público", finalizou.
São várias as razões que levam à possibilidade de fraude em uma licitação, e um dos maiores meios de se evitar isso é cobrar o funcionamento correto dos órgãos de controle - como a Controladoria-Geral, a Auditoria-Geral e os Tribunais de Contas. É preciso que eles estejam funcionando a pleno vapor, com atenção, monitorando o cumprimento dos contratos de acordo com o que está previsto no edital. Essa peça, aliás, dependendo da forma com que está redigida, pode causar o favorecimento de uma parte e facilitar um esquema duvidoso. Estabelecer regras claras é essencial.
Outro ponto deve ser observado: a legislação existente não favorece a melhor contratação; nem sempre pagar melhor é pagar menos. Às vezes compensa comprar algo um pouco melhor, que saia mais caro, mas que garanta qualidade.Vemos em diferentes âmbitos de governo licitações que pagam aparentemente menos e acabam recebendo muitos aditivos. Além disso, é preciso que se entenda a necessidade de uma padronização de minutas. O governo, seja ele municipal, estadual ou federal, deveria estabelecer premissas únicas que pudessem ser seguidas em compras e contratações.
Contorno é a obra mais cara no país sem licitação
O Ministério Público Federal abriu inquérito e pediu ao Dnit todos os detalhes do contrato para duplicar e complementar 6km da Rodovia do Contorno. A obra, orçada em mais de R$ 70 milhões, é a mais cara intervenção sem concorrência do país. A licitação não teve propostas e a empresa foi convidada pelo Dnit.
Obra: Toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação realizada.
Obra de grande vulto: Todas as intervenções acima listadas cujo valor estimado seja superior a R$ 37,5 milhões.
Serviço: Toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a administração, como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais.
Alienação: Transferência de domínio de bens a terceiros.
Projeto Executivo: conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de acordo com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Fonte: A Gazeta (Vitória) ES
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