Recentemente, o governo do Estado de São Paulo publicou o Decreto nº 57.289, de 30 de agosto, para detalhar o procedimento de apresentação, análise e aproveitamento de propostas, estudos e projetos ou levantamentos encaminhados pela iniciativa privada, com vistas à inclusão de projetos no seu programa de parcerias público-privadas (PPP). Trata-se do procedimento de manifestação de interesse da iniciativa privada.
É de conhecimento geral a existência de enormes gargalos nos mais diversos setores de infraestrutura no Brasil. Essa situação tem-se verificado de forma mais patente diante da proximidade de dois eventos de extrema importância e magnitude: a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
Na tentativa de superar, ao menos em parte, esses gargalos, a União, os Estados e os municípios têm buscado parcerias com a iniciativa privada, por meio dos institutos previstos na legislação: concessões de obras e serviços públicos e parcerias público-privadas.
Ocorre que a contratação de concessões de obras e serviços públicos e de PPP demanda a prévia definição de projetos prioritários e a consequente elaboração de estudos e levantamentos relativos a esses projetos. E como a União, os Estados e os municípios podem levar a cabo tudo isso?
Há, basicamente, três alternativas. A primeira é a utilização de corpo técnico próprio, o que, no Brasil, dificilmente se verifica, justamente pelo número reduzido de servidores aptos à realização de estudos de alta complexidade. A segunda é a contratação de profissionais para a elaboração desses estudos, por meio do pagamento de quantia a ser definida em procedimento licitatório, sendo, contudo, tal pagamento independente da utilização ou não de tais estudos e projetos. Finalmente, a terceira é a adoção do instituto da manifestação de interesse, previsto na atual legislação brasileira que regula as concessões de serviços públicos: a Lei Federal nº 8.987, de 1995.
A administração pública e a iniciativa privada ganham com esse procedimento
Pelo procedimento de manifestação de interesse, o particular (pessoa física ou jurídica), às suas custas, elabora e apresenta à administração pública federal, estadual ou municipal, estudos, propostas ou levantamentos relativos a determinado projeto. Tais estudos podem ou não ser aproveitados em futura licitação para a contratação de concessões ou PPP. Se não o forem, o particular não terá qualquer direito ao ressarcimento pelos custos com a sua elaboração. A administração pública, nesse caso, não desembolsa qualquer valor pelo trabalho elaborado pela iniciativa privada.
Se, diversamente, os estudos, propostas ou levantamentos elaborados pela iniciativa privada na manifestação de interesse forem utilizados para a realização de licitação, o licitante vencedor, e não a administração pública, deverá ressarcir ao seu autor os custos com os quais tiver incorrido.
Portanto, por meio da manifestação de interesse, por um lado, a administração pública pode ter acesso a estudos, propostas e levantamentos referentes a projetos dos mais diversos setores de infraestrutura, sem que isso represente qualquer custo direto aos cofres públicos. Por outro lado, a iniciativa privada tem a possibilidade de catalisar o desenvolvimento de determinado projeto que, sem a sua participação, provavelmente, nunca sairia do papel. Consequentemente, o desenvolvimento de um número maior de projetos de PPP e concessões de obras e serviços públicos aumenta, para a iniciativa privada, as chances de negócios a serem contratados e/ou financiados. Em resumo, ganha a administração pública e ganha a iniciativa privada.
A manifestação de interesse para a elaboração dos estudos de viabilidade, desde que utilizada criteriosamente e para projetos de efetivo interesse público, pode ser um importante meio de toda a sociedade colaborar com a administração pública na estruturação de projetos e na destinação de seus esforços e recursos, sem que isso, porém, represente custo ao erário público.
Vale mencionar que a publicação do decreto estadual paulista confirma uma tendência cada vez mais presente no âmbito da União, dos Estados e dos municípios. No âmbito da União, por exemplo, o Decreto Federal nº 5.977, de 1º de dezembro de 2006, regulamenta a apresentação de projetos, estudos, levantamentos ou investigações a serem utilizados em modelagens de PPP promovidas pela administração pública federal.
Alguns Estados, como Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco, bem como o Distrito Federal, também já editaram normas regulamentando o procedimento de manifestação de interesse nas suas esferas. Municípios como Belo Horizonte e Natal, dentre muitos outros em todo o Brasil, possuem regras próprias no mesmo sentido.
Com base em regulamentações próprias ou nas Leis nº 8.987 e nº 9.074, ambas de 1995, nos casos em que não há essa regulamentação (lembrando que a existência de regras próprias não é condição para a realização do procedimento de manifestação de interesse), os entes federados têm, na prática, promovido a manifestação de interesse, verificando-se já as primeiras licitações realizadas a partir de estudos e levantamentos elaborados pela iniciativa privada.
Quiçá a manifestação de interesse venha, de fato, a estimular o desenvolvimento de projetos em infraestrutura, os quais, justamente, contribuirão para a diminuição da infinidade de problemas estruturais atualmente enfrentados no País.
Mariana Campos de Souza é sócia da área de direito administrativo do Escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri Advogados
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Fonte: Valor Econômico/Mariana C. de Souza
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