Depois de quase cinco anos vivendo uma “tempestade perfeita”, com a crise na indústria petroleira brasileira e a queda nas cotações internacionais da commodity, as perspectivas para os seguros de óleo e gás estão melhorando e os próximos anos podem ser bastante positivos para este ramo, segundo especialistas e executivos do setor.
Entre 2013 e 2017 os prêmios emitidos em seguros de óleo e gás caíram mais de 60%, mas os problemas que afetaram o setor já estão se diluindo. A indústria virou a página dos escândalos de corrupção, o preço internacional do barril voltou a um patamar lucrativo para produtores, a economia brasileira saiu da recessão, os investimentos foram destravados com mudanças de regras e o governo retomou a agenda de leilões de blocos de exploração.
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A questão agora é qual o potencial de expansão desse ramo, ou seja, a velocidade e o tamanho da retomada. As estimativas variam de crescer 60% em cinco anos a dobrar de tamanho em três anos.
Um cenário, no entanto, parece certo: os prêmios emitidos devem pelo menos voltar ao patamar de 2013, melhor momento do mercado na década. Isso significa a retomada de um valor acima de R$ 720 milhões anuais em prêmios. “Acho que em três ou quatro anos a gente consegue voltar ao tamanho do mercado de cinco anos atrás”, afirma o CEO da resseguradora Austral, Carlos Frederico Ferreira.
Dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep) mostram que o ano passado terminou com R$ 274 milhões em prêmios emitidos, o menor volume desde 2010. A queda alcançou 62,5% na comparação com 2013.
No primeiro semestre de 2018, as estatísticas do órgão já apontam uma melhora. De janeiro a junho, os prêmios totais somam R$ 270,6 milhões, ou seja, praticamente todo o montante realizado em 2017 inteiro. O problema é que o segundo semestre tende a ter desempenho pior devido à cautela provocada pelas eleições.
Um dos principais combustíveis para as projeções otimistas das companhias de seguros e resseguros vem da retomada dos leilões tanto pelo sistema de partilha, no qual o Estado é dono das reservas e fica com parte da produção, quanto de concessões, pelo qual as companhias pagam royalties sobre a produção. De setembro de 2017 até junho deste ano foram realizados cinco leilões, que incluíram três rodadas de licitação de blocos do pré-sal. Uma nova oferta de áreas do pré-sal está marcada ainda para 28 de setembro.
Segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP), as 68 áreas arrematadas até o momento vão gerar um investimento mínimo de US$ 3,5 bilhões, ou seja, quase R$ 13 bilhões, apenas na fase inicial de exploração. O órgão estima ainda um total de RS$ 300 bilhões em desembolsos diretos pelas petroleiras ao longo da vigência dos contratos e potencial de arrecadação fiscal de R$ 1,2 trilhão.
Pela experiência de Ferreira, o valor de prêmio para seguros por poço perfurado alcança entre R$ 4 milhões a R$ 5 milhões. “O programa exploratório mínimo exige a perfuração de pelo menos um poço, mas a gente sabe que esse número tende a aumentar ao longo da campanha”, afirma. Nos cálculos do CEO da Austral, “apenas em quatro blocos estimamos um potencial de emissão de R$ 40 a R$ 50 milhões em prêmios”.
Se o valor médio for extrapolado para os 68 blocos arrematados nos últimos dez meses, o potencial para prêmios emitidos apenas na modalidade de riscos de petróleo, que cobre equipamentos e instalações diretamente relacionadas à produção, prospecção e perfuração, além de áreas de armazenamento em terra, marítimas e dutos, já alcançaria R$ 765 milhões. “E a gente nem está falando da cadeia de fornecedores da indústria, que inclui navios de apoio, mergulhadores, transporte aéreo ou serviços. Todos são consumidores de seguro”, diz Ferreira.
No longo prazo, o mercado de seguros do gênero tende a alcançar patamar ainda maior. “Vendo a quantidade de reservas do pré-sal e o potencial que ainda não foi explorado, realmente existe a possibilidade de o mercado de seguros ser muito maior do que foi, só se baseando nos dados da ANP”, afirma a diretora de subscrição internacional do IRB Brasil Re, Isabel Blazquez Solano. “Já estamos nos adiantando para esse cenário de crescimento e nos preparando tanto internamente quanto externamente.”
Na visão do diretor de óleo e gás e riscos marítimos da consultoria e corretora Aon, Paulo Niemeyer Neto, “temos o potencial para crescer bem mais do que o tamanho do mercado visto em 2013”. O quanto mais, porém, vai depender da estabilidade do cenário externo de preços do petróleo, da manutenção da agenda de leilões e da previsibilidade das regras do setor no Brasil, pondera o especialista.
Para o vice-presidente de riscos de petróleo e executivo-chefe de estratégia da seguradora e resseguradora JLT, Adriano Oka, a volta do interesse, principalmente por parte de petroleiras estrangeiras, pelo setor no Brasil tem ficado evidente desde a mudança das regras. “Temos realizado muitas conversas com empresas multinacionais e a gente observa um apetite muito grande para retomada de investimentos”, afirma.
Oka ressalta que “do meio para o fim de 2017 toda a indústria de petróleo aguardava com ansiedade as mudanças na legislação que favorecessem o investimento estrangeiro — e isso aconteceu”. O executivo acrescenta que “o discurso lá fora tem sido unânime de que a gente precisa de um governo que mantenha as atuais políticas de incentivo na indústria de óleo e gás.”
Apesar de as perspectivas permitirem ao segmento de seguros de riscos de petróleo sonhar com um futuro mais brilhante, ainda vai demorar entre um e dois anos para que os resultados comecem, de fato, a refletir a retomada da atividade de exploração. Além das incertezas políticas ligadas à eleição neste ano, a indústria ainda deve levar um tempo da assinatura dos contratos até efetivar suas projeções de investimento.
“O mercado segurador espera que 2020 seja o principal período de recuperação. Já 2019 será, na verdade, um ano de retomada para a indústria de óleo e gás”, avalia Oka. A diretora do IRB compartilha a mesma análise. “Mais para o final de 2019, é provável que sejamos capazes de efetivar esses contratos [de seguros], mas hoje ainda não estamos vendo isso acontecer”, diz Isabel.
Os sinais já têm surgido de que a retomada para o setor de produção começou, embora ainda permaneça tímida. Um levantamento da Neoway, empresa de “big data”, que usa inteligência artificial para analisar tendências para infraestrutura, mostra um crescimento do nível de atividade em um universo de 180 mil empresas da cadeia de óleo e gás no Brasil.
A pesquisa apurou os índices de atividade entre 2015 e 2017. O nível classificado como “alto” decresceu de 33% para 31% e, depois, a 30%, respectivamente, nos três anos. A maior parte das empresas permaneceu em patamar considerado como “médio”, com percentuais de 40% em 2015, 42% no ano seguinte e 43% ao longo de 2017.
Em 2018, o panorama mudou significativamente. A parcela das companhias com nível de atividade “alto” se tornou maioria absoluta, ao saltar para 55%. Já o patamar “médio” recuou para 33%. De acordo com a executiva-chefe de marketing da Neoway, Cristina Penna, um índice mais elevado, em geral, mostra inclinação das empresas em contratar e investir em expansão.
Outro dado do levantamento sugere também uma mudança positiva na saúde do setor a partir de 2016. Conforme a Neoway, em 2015 houve 12,2 mil fechamentos de empresas, contra 8,8 mil aberturas. No ano seguinte, a quantidade de estreantes se manteve igual, mas os encerramentos caíram para 3,8 mil. Em 2017, a situação se inverteu: houve crescimento do número de novas companhias para 9,4 mil, enquanto o término de atividade atingiu 4,1 mil.
Mudança de regras
A mudança de normas ocorrida entre o fim de 2016 e começo de 2018 aumentou a atratividade do setor de óleo e gás no Brasil e deve funcionar como catalisador para o segmento de seguros nos próximos anos. Entre as principais alterações, especialistas ressaltam o fim da obrigatoriedade de manter a Petrobras como única operadora do pré-sal e a flexibilização das exigências de conteúdo local, que antes estabeleciam índices impraticáveis de nacionalização para diversos projetos.
O término da compulsoriedade para a petroleira nacional assumir a operação nas áreas profundas permitiu a entrada de novas empresas nessa função, entre as quais a norueguesa Statoil e a holandesa Shell. A mudança ajudou a própria estatal a elaborar um plano de investimento mais racional, uma vez que ficou livre da necessidade de aumentar cada vez mais o endividamento para fazer frente aos custos das campanhas no pré-sal. Pelas regras instituídas, porém, a Petrobras ainda mantém a preferência na escolha das áreas.
A alteração nas exigências de conteúdo local também ajudou a destravar o interesse pelas ofertas de blocos. As novas condições passaram a valer já para os últimos cinco leilões realizados entre setembro de 2017 e junho deste ano.
Até a revisão, a legislação determinava a obrigatoriedade de conteúdo local, ou seja, a aquisição de produtos feitos no Brasil, para cerca de 70 itens e subitens, com percentuais mínimos entre 37% e até 90%. Muitas vezes a indústria local não conseguia atender a demanda e, como consequência, as companhias não conseguiam alcançar os limites. A ANP estima o valor acumulado das punições por descumprimento de contrato em cerca de R$ 570 milhões.
Agora, a exigência se tornou mais genérica e recai sobre cinco grupos, com limites mínimos entre 18% e 50%. Na prática, dizem especialistas, os percentuais caíram pela metade e as companhias ganharam flexibilidade para decidir o que preferem comprar de fornecedores domésticos ou importar.
Resolução publicada em abril pela ANP também prevê que empresas com contratos antigos possam pedir uma adequação de parâmetros. “Muitos projetos estavam travados por que não conseguiam cumprir a exigência e 54 contratos já solicitaram equipamentos dentro da nova regra”, afirma Calos Frederico Ferreira, CEO da Austral.
Os resultados traduzem o quão atrativo se tornou o mercado brasileiro. Relatório da resseguradora Austral sobre os últimos leilões mostra que a ExxonMobil, por exemplo, depois de quase duas décadas ausente do país, elevou sua participação de dois para 25 blocos. Chevron, BP e Qatar Petrol são outras gigantes que fizeram sua estreia no pré-sal. Sem contar o aumento da presença das principais petroleiras do mundo, como Equinor, Petrogal, Repsol, Shell e Total.
Outras medida implementadas, afirma Ferreira, têm ajudado a manter um horizonte de maior visibilidade para o setor. A ANP divulgou um calendário de rodadas que prevê leilões até 2021. A agência aprovou em junho um sistema de oferta permanente, que consiste na venda contínua de campos e blocos devolvidos (ou em processo de devolução) e de blocos não arrematados em licitações anteriores. O programa pretende reunir 2 mil blocos disponíveis até o fim de 2019.
Fonte: Valor