A inclusão dos tablets na MP do Bem (Lei 11.196/05), criada em 2005 para promover a indústria nacional de bens de informática, poderá provocar um efeito tão ou ainda mais positivo para essa indústria que a vivenciada há cerca de cinco anos pelo segmento de computadores e notebooks. A aposta é de especialistas que acompanham esse mercado e destacam a decisão do governo de isentar de PIS/Confins as empresas que nacionalizarem a produção.
A alta carga tributária é a principal responsável pela disparidade dos preços dos equipamentos eletrônicos no Brasil em relação aos outros países. A estimativa é de que o impacto no preço destes produtos pode chegar a mais de 40% do total cobrado do consumidor. O iPad, tablet da Apple, por exemplo, custa cerca de R$ 1650,00 no País, mas nos EUA pode ser encontrado a partir de US$ 499,00.
Para o professor do curso de Ciências Contábeis da Trevisan Escola de Negócios, Fabio Garcia da Silva, muitas vezes uma mudança simples na legislação tributária pode acabar representando um grande impacto em determinados setores da economia. "Além de o tablet ser um produto muito desejado, hoje em dia as pessoas têm ainda mais acesso às novas tecnologias do que há cinco anos", comenta, apostando em um efeito positivo com a MP do Bem.
Elaborada pelos técnicos dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), da Ciência e Tecnologia (MCT) e da Fazenda, em conjunto com a Receita Federal, a medida provisória 534/11 prevê também a possibilidade de redução da alíquota do IPI - que ainda está em negociação - e do ICMS. Nesse último imposto, o percentual dependerá de cada estado, mas em alguns casos poderá cair de 18% para 7%. O advogado do escritório Campos Mello Advogados Guilherme Cezaroti Mello afirma que o governo federal deu o primeiro passo, que agora deverá ser seguido pelos estados. "O resultado da redução da tributação será um aumento do mercado consumidor e, possivelmente, uma volta ao nível da arrecadação antiga ou até em um nível maior", aposta. Mas, para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, os consumidores e a indústria também sentirão positivamente os efeitos dessa redução. "O Brasil é um dos principais mercados mundiais de computadores e esse potencial, aliado a essas isenções, vai atrair um número expressivo de empresas desse segmento", projeta.
Os consumidores, porém, deverão começar a sentir os efeitos dessa redução nos preços já no segundo semestre, quando os tablets começarem a ser fabricados localmente. A chinesa Foxconn, que terá uma unidade do produto no País, pode ser a primeira beneficiada. Outros players como Samsung, LG e Motorola são apontados como potenciais interessados nesse mercado. A aplicação da Lei do Bem, agora, tem distinções em relação à de 2005.
Na época, o mercado cinza de computadores no Brasil - formado por produtos ou peças contrabandeadas - representava cerca de 70% do total. Ao reduzir a carga tributária, o governo ajudou a trazer para a atividade oficial uma parcela gigantesca desse setor, a ponto de a produção ter praticamente dobrado. Hoje, estimativa das entidades ligadas à área de tecnologia é que o mercado cinza seja de 25%.
Desconhecimento leva poucas empresas a acessar a Lei do Bem
Mayara Bacelar
A Lei n.º 11.196, conhecida como Lei do Bem, foi criada em 2005 para incentivar empresas brasileiras a investir em pesquisa e inovação através da concessão de benefícios fiscais que podem chegar a 100% do investimento em novos itens ou processos. Apesar de atrativo, o apelo não é suficiente. Em 2009, somente 635 empresas se inscreveram junto ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), das quais 12% não conseguiram aprovar seus projetos. Em um Brasil que conta com mais de 5 milhões de CNPJs, o subaproveitamento dessa oportunidade é causado, principalmente, por desconhecimento da lei.
O economista e especialista em direito tributário Irineu Cassel afirma que, além de ignorarem a lei em si, muitas companhias sequer sabem que estão inovando. Isso porque o conceito de inovação considerado pelo MCT não diz respeito somente à criação de produtos ou processos nunca antes aplicados. Do contrário, a implantação de pesquisa e inovação que tragam maior competitividade para as empresas, ainda que por meio de processos já existentes no mercado, pode garantir a aprovação dos projetos e conquista dos benefícios. "Ela diz que é inovação a criação de um produto novo, uma melhoria incremental, ou seja, algo que modifique a característica do produto ou do processo de produção, mas que não pode ser só design", explica Cassel.
A lei beneficia, hoje, apenas companhias com a classificação tributária no Lucro Real. Com isso, somente grandes empresas conseguem, de fato, acessar a renúncia de tributos como Imposto de Renda, Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), os principais que constam na norma. Mesmo com a restrição, o volume de empresas aptas a buscar os benefícios, segundo Cassel, é de aproximadamente 50 mil.
"Descontando as que estão com prejuízo, e as que não investem em inovação, pelo menos 25 mil poderiam participar", alega. O economista acrescenta que, no Estado, 1.600 empresas estão em condições de inscreverem projetos no MCT. "O Rio Grande do Sul teve em 2009 só 119 empresas beneficiadas." Apesar da parcela de desconhecimento, Cassel revela que muitas empresas correm atrás, mas deixam de acessar as renúncias porque seus projetos são rejeitados pelo MCT, geralmente por não deixarem claro como está sendo implantada a inovação ou pesquisa.
No MCT, os ainda lentos passos da Lei do Bem são relacionados a diversos fatores. O secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do ministério, Ronaldo Mota, lembra que a cultura da inovação tecnológica ainda não está totalmente estabelecida no Brasil. Segundo o dirigente, apesar dos avanços da ciência e da academia, o País ainda é carente de mão de obra especializada para atuar no setor, fazendo com que a demanda empresarial seja maior do que a capacidade das universidades em atender as novas necessidades.
Mota também concorda que grande parte do empresariado brasileiro desconhece os incentivos fiscais possíveis com a lei. "Por outro lado, uma significativa parte do setor privado não dispõe na sua estrutura de um centro que cuide exclusivamente da gestão da inovação", destaca.
O secretário frisa que muitas companhias "acreditam haver insegurança jurídica para usufruir os benefícios", e assume a responsabilidade do MCT em trabalhar para assegurar o pleno conhecimento da iniciativa. "Há também necessidade de intensificar, por parte do MCT, o processo de divulgação sobre os incentivos da referida lei", observa. Mota ressalta que em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), por meio da Mobilização dos Empresários pela Inovação (MEI), o ministério tem trabalhado pela promoção dos incentivos, participando e organizando eventos sobre o tema.
Benefício está ao alcance de projetos de diversos setores
Inovar não é um verbo que possa ser conjugado apenas por empresas de tecnologia. Apesar de boa parte dos beneficiados pertencer a esse ramo da economia, companhias enquadradas no Lucro Real de todos os setores que adotem novos processos ou invistam na elaboração de produtos que agreguem diferencial competitivo podem recorrer à Lei do Bem. É o caso das gaúchas Telasul e Docile, que em 2009 tiveram seus projetos aprovados no Ministério de Ciência e Tecnologia e conseguiram reaver parte ou a totalidade dos investimentos em iniciativas inovadoras.
Situada em Garibaldi, a Telasul está no mercado desde 1972, atualmente com foco na fabricação de móveis em aço. O artigo, que permitiu retorno de 100% dos investimentos através da Lei do Bem, é novo para a empresa, mas também para o mercado. O diretor-geral da companhia, Tiago De Biase, explica que o produto é um item recreativo para adultos. Com patente mundial, ainda está em processo de desenvolvimento, na fase do protótipo. Os R$ 30 mil investidos há cerca de dois anos foram integralmente deduzidos de tributos. "O objetivo do produto é andar sobre a água", explica o executivo. "Você imagina aquele rolinho feito para hamsters, é um brinquedo, um rolo em que a pessoa caminha e tem sensação de caminhar sobre a água", completa.
De Biase revela que não foi nada fácil comprovar a inovação ao MCT, mas o fato de ser um produto ainda sem precedentes no mercado ajudou a emplacar o projeto. "Foi provado que ainda não existe, ou seja, o processo inovador ficou muito claro nisso." O dirigente avalia a lei como uma possibilidade democrática para quem pretende desenvolver novos conceitos. "É uma forma de viabilizar e fomentar novas ideias, e eu posso usar isso como argumento de desafio junto a minha engenharia."
Na Docile, de Lajeado, foram dois os produtos que conseguiram aval do ministério e, com ele, reduzir o impacto do investimento em novos itens no portfólio. Afirmando que a inovação é uma busca constante dentro da empresa, o diretor de compras e marketing da Docile, Ricardo Heineck, revela que a criação de uma bala de gelatina e de uma goma de mascar recheada permitiu uma redução de R$ 126 mil na carga tributária, diante de um dispêndio de R$ 463 mil.
Foi necessária a contratação de funcionários e adequação do parque fabril para desenvolver os produtos, questões apreciadas e avaliadas para conseguir os incentivos. "Projetos que incentivam empresas a se desenvolver e diferenciar são o que vão garantir a nossa sobrevivência e nos tornar mais competitivos no Brasil e no exterior", aponta o dirigente.
Iniciativa passa por expansão
O panorama de baixo volume de projetos concorrentes aos incentivos da Lei do Bem pode mudar em pouco tempo. Se atualmente apenas empresas do Lucro Real efetivamente podem se inscrever, o governo já sinalizou a intenção de estender os incentivos a outras categorias tributárias. O objetivo é possibilitar que pequenas e médias empresas invistam em processos e produtos inovadores e tenham uma contrapartida para efetuar esses gastos.
Para isso, uma mudança na lei deve ser realizada, através de medidas vinculadas à Política de Desenvolvimento da Competitividade (PDC), que substitui a Política de Desenvolvimento da Produção (PDP) do governo federal. A medida deve, ainda, antecipar os benefícios para as companhias que conseguirem patente fora do Brasil. O governo é ciente de que a lei beneficia somente as grandes empresas e da necessidade de ampliar os incentivos para um espectro maior.
Enquanto esse momento não chega, a promoção da lei continua sendo o principal trabalho do MCT para atrair mais agentes do setor privado para o rol de inovadores beneficiados. "Para estimular a inscrição de mais empresas, trabalhamos com recurso da divulgação no sentido de conscientizar o setor privado das vantagens da Lei do Bem e, claro, da necessidade de procurar investir cada vez mais em pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica", pontua o secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do ministério, Ronaldo Mota.
Fonte: Jornal do Commercio (RS)/Patricia Knebel
PUBLICIDADE