Na próxima quinta, dia 1º, a Organização Mundial do Comércio (OMC) celebrará sua segunda década. Embora tenha 20 anos, sua alma é septuagenária: a organização levou mais de 50 anos em gestação e foi a última peça da arquitetura de governança mundial concebida pelos aliados na Segunda Guerra.
A ideia de uma organização de governos para coordenar a gestão das regras do comércio internacional foi dos ingleses, mas sua transformação em texto de negociação foi feita pelos americanos.
À época, o Brasil foi o único país em desenvolvimento a apresentar um texto alternativo completo, que refletisse os anseios de nações que buscavam na industrialização, inclusive pela substituição de importações, a saída do atraso.
A proposta final não prosperou, porque o Senado dos Estados Unidos nunca votou a carta constituinte da nova entidade. A alternativa foi negociar um acordo paralelo, menos ambicioso e apenas entre as principais economias (incluído o Brasil).
Foi somente o advento do novo liberalismo, nos anos 1980, somado ao fim da Guerra Fria e à onda de redemocratização na África, América Latina e Europa, que criou a conjuntura favorável a uma convergência ideológica entre países ricos e pobres.
Dessa convergência nasceu a OMC -com mais de 50 anos de atraso, mas destinada a administrar o mais amplo e complexo conjunto de acordos comerciais da história, que serviram de catalisador para a globalização.
Apesar das muitas declarações de óbito da organização, frequentes desde a crise de 2008 e 2009, a OMC continua viva e forte.
Seu braço legislativo, é verdade, anda devagar, mas a Rodada Doha para liberalização do comércio já produziu um histórico Acordo sobre Facilitação de Comércio. Só para o Brasil, ele deverá resultar, até 2030, em mais de 2,5% de crescimento do PIB.
Seu braço judiciário, representado pelo mecanismo de solução de controvérsias, está próximo de atingir 500 disputas e serviu, ao longo do tempo, para estabilizar e solucionar conflitos comerciais entre as principais potências -e assegurar ao país vitórias históricas contra os subsídios agrícolas de EUA e Europa.
Por fim, seu braço executivo, responsável pela administração das regras existentes, incorporou a China ao sistema multilateral de comércio e mostrou-se eficaz ao estimular a contenção do protecionismo desencadeado pela crise de 2008 e 2009.
Para o Brasil, a OMC tem importância dupla. Primeiro porque é o pilar do regime internacional no qual o país pode, com mais facilidade e eficácia, projetar poder e influência.
Segundo porque suas regras foram -e são- fundamentais para promover reformas internas voltadas à modernização da economia.
Dos 20 anos de existência da OMC, em 16 o Brasil teve papel de destaque; e, ela, influência nas decisões econômicas nacionais. Nesse período, Celso Lafer e Celso Amorim, ambos representantes do país na OMC convidados a assumir o Itamaraty, comandaram a liderança brasileira.
Nos últimos anos, o país afastou-se da organização.
Em 2015, haverá uma conjunção de astros que poderá destravar a Rodada Doha e dar nova vida à OMC: o presidente americano busca mais uma vitória externa; há uma nova Comissão Europeia; os governos indiano, japonês e chinês estão fortes; e o mais habilidoso diplomata comercial brasileiro é Diretor-Geral da entidade.
Com tanto capital político, é possível sonhar.
O Brasil terá, então, que fazer sua escolha e optar se quer se limitar a ser réu na atual disputa movida pelos europeus -a maior contra a política industrial brasileira- ou se quer reassumir o protagonismo que lhe é de direito por competência.
Fonte: Folha de São Paulo/DIEGO BONOMO ESPECIAL PARA A FOLHA é gerente executivo de comércio exterior da CNI (Confederação Nacional da Indústria)
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