A Petrobrás iniciou 2020 com uma chuva de anúncios de venda de ativos, com objetivo de repetir este ano o sucesso que garantiu à estatal lucro recorde no ano passado e redução de endividamento. O carro chefe foi a venda da Transportadora Associada de Gás (TAG), por US$ 8,6 bilhões. Porém, diante da inesperada queda do preço do petróleo trazida pela pandemia do novo coronavírus, que derrubou a demanda pelo ativo no mundo e não tem previsão de chegar ao fim, as vendas em série da estatal devem, segundo analistas, ficar na prateleira por um bom tempo, por mais que o presidente da companhia, Roberto Castello Branco, insista que o programa de desinvestimentos da empresa está intacto.
Em nota na segunda a Petrobrás reafirmou ao Estadão/Broadcast a manutenção do programa e disse que segue monitorando o mercado. Comprovando o otimismo, anunciou no mesmo dia mais uma venda, do campo de Manati, na Bahia. Quase ao mesmo tempo, porém, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) informou que prorrogou, a pedido da própria estatal, o prazo para a concluir e submeter à agência os termos de cessão de direitos dos contratos de campos em terra e em águas rasas de 25 polos incluídos no programa de desinvestimentos da companhia, indicando a dificuldade de se desfazer dos ativos.
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Desde o dia 31 de janeiro foram publicados 20 teasers de vendas em fase vinculante (para habilitação de interessados) e não vinculantes (sem compromisso) de ativos da empresa. As ofertas envolvem refinarias - postergadas por tempo indeterminado no dia 20 de março; usinas eólicas; campos em mar e em terra; ativos de downstream no Uruguai e Colômbia; unidades de fertilizantes; Gaspetro, também adiada (para 30 de abril); fatia remanescente na Nova Transportadora do Sudeste (NTS); e duas usinas de biodiesel da BSBios. A única venda feita este ano arrecadou US$ 3 milhões, com a venda em março de campos terrestres na bacia de Tucano, na Bahia, que ainda dependem de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Na avaliação do analista da Ativa Investimentos Ilan Arbetman, as vendas só vão avançar quando o petróleo iniciar a recuperação de preço e atingir um patamar próximo aos US$ 35/US$ 40 o barril, contra a cotação atual de US$ 20.
Podemos fazer um paralelo com o relatório de produção (divulgado na semana passada). As vendas internas foram substituídas por exportações, mas não se sabe a que desconto do preço. Se sair alguma venda vai ser a preços subavaliados, explicou, lembrando que os dados financeiros sobre as exportações do primeiro trimestre serão conhecidos na divulgação do relatório financeiro da estatal, no próximo dia 14, quando será possível fazer essa avaliação. Na última segunda-feira, 4, a Petrobrás informou que bateu recorde de exportações em abril, mas também não informou o valor recebido.
A indicação de que a companhia já não conta com as vendas neste ano, na avaliação do analista, foi a mudança anunciada recentemente na maneira de medir o endividamento prevista no planejamento estratégico para o período de 2020 a 2024, mantendo a dívida de 2020 no mesmo patamar de 2019, em US$ 87 bilhões. Na prática, a medida abandona a meta de atingir uma alavancagem de 1,5 vez do Ebitda (geração de caixa) sobre a dívida, prometida pela companhia ao mercado no ano passado.
Isso para mim é um indicativo claro que o management (gestão) já trabalha com uma parte operacional fraca, uma Ebitda mais fraca. Manter a dívida em US$ 87 bilhões significa que não contam em vender nada. Isso prepara o mercado para uma nova fase da empresa, explica Arbetman.
Ele alerta que a parte operacional vai ditar o rito das vendas, que podem sair a qualquer preço se houver uma necessidade muito grande de caixa. A questão do repasse de preços (venda de combustíveis nas refinarias) pode ser fundamental. Se houver perda de receita forte, pode haver alguma venda, mas perde totalmente o poder de barganha, explica, observando que no momento que o preço do petróleo voltar a subir a estatal devera retomar de forma acelerada o processo de venda.
Para Pedro Galdi, analista da Mirae Asset, assim como outras petroleiras a Petrobrás terá que fazer ajustes, e nisso se inclui adiar vendas. Ele prevê pelo menos mais três meses de forte recessão por conta do covid-19 antes do mundo voltar ao normal. Acredito que mais para o final do ano a economia mundial já esteja melhor, aí (vender) será uma questão de preço, avaliou Galdi.
Para o presidente da União Brasileira do Biodiesel e do Bioquerosene (Ubrario), Juan Diego Ferrés, as vendas das refinarias, inclusive as duas de biodiesel, anunciadas na semana passada, devem ser adiadas em pelo menos dois anos, para não serem negociadas por preços bem inferiores ao que valem. A companhia tem ainda mais duas usinas em operação segundo a Petrobrás, que informou que segue avaliando alternativas também para esses ativos.
Essa tentativa de venda das refinarias vai ser adiada pelo menos por dois anos. Se fosse feita agora iria subvalorizar os ativos e iria evidenciar uma ideologia de condução econômica, avaliou Ferrés durante um debate com outros agentes do setor em webinar na agência EPBR na semana passada.
De acordo com o especialista da consultoria Wood Mackenzie Marcelo de Assis, os desinvestimentos de campos em terra e águas rasas igualmente devem ser adiados. Detentores de reservatórios com petróleo muito pesado, ao contrário dos localizados no pré-sal, a venda se torna inviável.
Campos maduros são muito sensíveis a preços, disse também em webinar da EPBR. A partir dos US$ 60 (o barril) podem aparecer operadores. Com preço baixo é difícil justificar a compra, afirmou, prevendo, assim como os outros analistas, pelo menos dois anos para que as vendas sejam bem sucedidas.
Fonte: Estadão