Em uma operação que surpreendeu o mercado, tanto pelo momento como pelas características, a Petrobras fechou uma captação de US$ 2,5 bilhões com uma emissão de bônus com prazo de cem anos, também conhecidos como "century bonds". Ou seja, o vencimento da dívida lançada ontem pela estatal será apenas em 2115.
A emissão marca a volta da Petrobras ao mercado de capitais após a crise provocada pelas investigações da Operação Lava-Jato, que levou a empresa a atrasar a publicação do balanço auditado por quase seis meses. A última captação externa da estatal havia ocorrido em março do ano passado, antes do agravamento das denúncias de corrupção, quando a empresa levantou de US$ 8,5 bilhões.
A Petrobras saiu a mercado disposta a não falhar. A estatal ofereceu os papéis com desconto, a 81% do valor de face, e cupom de 6,85% ao ano. No mercado de bônus, quanto menor o preço dos títulos, maior o retorno para o investidor.
Ao oferecer condições atrativas, a demanda chegou a US$ 13 bilhões. Com a forte procura, o retorno dos papéis, inicialmente estimado em 8,85% ao ano, caiu para 8,45% ao ano. A empresa também ampliou o volume da captação, que originalmente era de US$ 1 bilhão. A operação foi coordenada pelos bancos Deutsche Bank e J.P. Morgan.
O preço cobrado pelo mercado na volta da Petrobras às captações foi alvo de controvérsia entre investidores e banqueiros. Para uma fonte de um banco que não estava na operação, a companhia pagou caro, mas não podia correr o risco de a emissão não dar certo.
O formato pouco usual da operação também foi escolhido a dedo. Segundo uma fonte próxima à operação, o maior objetivo da emissão dos bônus de cem anos não foi suprir as necessidades de financiamento da empresa, mas dar um sinal de força no mercado. Mesmo com todas as notícias ruins que envolveram a companhia nos últimos meses, a estatal foi a primeira empresa brasileira a emitir um "century bond".
Como foi a primeira captação da Petrobras por um prazo tão longo e o histórico de emissores de "century bonds" é pequeno, qualquer comparação fica prejudicada. A relação mais próxima feita por fontes de mercado foi a dos preços negociados com os títulos com vencimento em 30 anos da estatal no mercado secundário. No início do dia, a diferença oferecida entre esses papéis e os novos bônus era de 150 pontos-base. Com a queda nos juros, esse spread caiu para 110 pontos.
Emissões de bônus de cem anos são raras entre emissores da América Latina. A operação mais recente foi do governo do México, que levantou € 1,5 bilhão em abril deste ano, com um rendimento de 4,2% para o investidor. O país também realizou uma captação com "century bonds" em dólares em 2010. Esses papéis eram negociados ontem a 5,70% ao ano.
Para Marcelo Barbosa Lima, gerente de renda fixa da INTL FCStone, a indicação inicial de preço dada pela companhia para a captação - de 8,85% ao ano - chamou a atenção. Porém, a boa demanda levou a taxa a um patamar que ele considera dentro do "preço justo" dos papéis. A avaliação de Lima é que a boa receptividade aos bônus da Petrobras pode estimular outras empresas brasileiras a acessar o mercado internacional.
A estatal foi a sexta empresa brasileira a captar no mercado externo desde o início de maio. As emissões foram reabertas com a oferta da Votorantim Cimentos no mercado europeu. Depois vieram Itaú Unibanco e JBS (por meio da subsidiária JBS USA). Na semana passada, a produtora de alimentos BRF emitiu € 500 milhões em bônus verdes ("green bonds"), títulos de dívida destinados a financiar projetos ligados a sustentabilidade. Ontem, além da Petrobras, o grupo Globo também emitiu bônus.
A fila de operações foi aberta justamente depois que a Petrobras, maior emissor brasileiro, publicou suas demonstrações financeiras de 2014, em abril.
Em paralelo à emissão de bônus, a Petrobras fechou ontem uma nota de crédito à exportação de R$ 3 bilhões com o Bradesco. O financiamento terá prazo de cinco anos. Segundo comunicado da estatal, os recursos substituem um limite de financiamento pré-aprovado que a empresa tinha com o banco.
A receptividade à captação da Petrobras mostra que a resposta da empresa está sendo "exitosa", segundo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Em seminário sobre a América Latina promovido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington, Levy disse que a solução para a companhia já está em curso, destacando as mudanças na administração e na governança, assim como o fato de que a parte técnica vai bem, com crescimento da produção. (Colaboraram Fernando Torres e Carolina Mandl, de São Paulo, e Sergio Lamucci, de Washington)
Fonte: Valor Econômico/Talita Moreira e Vinícius Pinheiro | De São Paulo
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