A crise econômica mundial desencadeada pela pandemia do novo coronavirus e a baixa dos preços do petróleo levantam dúvidas sobre até que ponto as grandes petroleiras conseguirão sustentar a aposta nas energias limpas. De saída dos ativos de biocombustíveis e eólicas em terra e sem grandes investimentos em renováveis à vista, a Petrobras manterá a estratégia de entrar gradualmente no segmento e de focar, numa primeira fase, em pesquisa e desenvolvimento na área. Com seu plano de investimentos sob revisão, a estatal informou, contudo, que preservará US$ 100 milhões/ano previstos para descarbonização e os US$ 70 milhões/ano dedicados à P&D em renováveis e corte de emissões.
O orçamento total da Petrobras nessas duas áreas - renováveis e descarbonização - até 2024 soma US$ 850 milhões, o equivalente a 1% de seu plano de negócios. O gerente-executivo de estratégia da companhia, Rafael Santos, conta que o objetivo, num primeiro momento, é “ganhar competências” para, só então, aumentar sua presença em energias limpas. O timing da volta da empresa às renováveis dependerá do quão rápido será a conquista dessa expertise e também da recuperação da capacidade financeira da estatal.
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Estatal brasileira quer ganhar expertise por meio de pesquisas antes de investir pesado em energias renováveis
“Uma vez que estivermos confortáveis de que a Petrobras é a melhor empresa para prestar um determinado serviço [de energias limpas] e sobre para onde está indo a transição energética, vamos eventualmente aumentar nossa exposição, investimentos e ambições em renováveis”, afirma.
Ele explica que a decisão de pisar no acelerador rumo às renováveis está associada à evolução da saúde financeira da estatal. A diretora financeira, Andrea de Almeida, chegou a afirmar em fevereiro, antes da crise, que a Petrobras estava a pelo menos dois anos de distância de dar um impulso significativo em direção às renováveis. De lá para cá, porém, muita coisa mudou: o preço do petróleo caiu e a alavancagem da empresa subiu.
“Daqui a dois anos, enxergamos a companhia com uma dívida menor, mais resiliente, então é um horizonte que faz sentido [aumentar investimentos em energias limpas]. Mas isso vai depender de muita coisa, se teremos geração de caixa boa, se teremos conforto para expandir nossa atuação”, explica Santos. Ele afirma que ainda é difícil avaliar a perenidade do choque do petróleo e seus efeitos sobre a transição energética.
A carteira de P&D da petroleira em renováveis inclui uma planta de energia solar em Campos dos Goytacazes (RJ). Outro grande trunfo está no desenvolvimento do diesel renovável - tecnologia patenteada pela empresa que permite produzir o derivado a partir do coprocessamento de petróleo com óleos vegetais nas refinarias. A estatal quer que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) enquadre o produto como renovável.
Mesmo apostando nas renováveis, Santos destaca que a companhia continuará concentrada em óleo e gás. Segundo ele, o momento de transição energética abre oportunidades em energias limpas, mas por outro lado pressiona as petroleiras a serem cada vez mais eficientes, já que a demanda por óleo tende a entrar em declínio a partir das próximas décadas.
“Queremos ser o barril mais barato”, disse. “Num mundo em transição energética, se formos uma empresa com o custo de produção mais barato e emissão de carbono mais eficiente, vamos ter um espaço no mercado. O primeiro produtor a ser deslocado é o irresponsável [ambientalmente] e ineficiente”, completou.
Do ponto dos compromissos ambientais, ele cita que a companhia tem dez metas de descarbonização e sustentabilidade, dentre as quais o “crescimento zero” das emissões operacionais até 2025 e o aproveitamento de 100% do gás extraído pela companhia, evitando-se as queimas nas plataformas. De acordo com Santos, o cenário atual lança incertezas sobre a velocidade da transição energética, mas não há dúvidas de que ela ocorrerá. “Se tiver uma tecnologia limpa economicamente viável em larga escala [para substituir o petróleo], não há dúvida de que ela vai tomar conta. Mas ela ainda não existe”, pondera.
Questionado se a estatal não teme ficar para trás na conquista do mercado de renováveis, diante de investimentos mais representativos de seus pares globais, Santos respondeu que “não existe uma receita de bolo” sobre o caminho a ser tomado pelas petroleiras. A estratégia de cada uma depende das “oportunidades de portfólio” que elas têm em mãos. E que hoje a estatal tem ativos mais rentáveis no pré-sal onde investir.
Nos últimos anos, grandes petroleiras europeias, como BP, Equinor, Shell e Total, passaram a dar mais atenção às renováveis, pressionadas por acionistas e a sociedade de uma forma geral pela redução das emissões. Com o choque do petróleo, no entanto, existe hoje uma visão dúbia sobre as perspectivas de investimentos dessas empresas em energias limpas: se por um lado o caixa mais apertado deve levar a cortes de orçamentos, por outro lado o petróleo mais barato deve derrubar as taxas de retorno de projetos de óleo e gás, equiparando-os, em alguns casos, a projetos de renováveis - que têm riscos baixos e receitas estáveis.
“Em um ambiente de petróleo a US$ 60 o barril, a maioria das empresas estava gerando forte fluxo de caixa e podia se dar ao luxo de pensar em estratégias de mitigação de carbono. Mas, agora, o setor lutará para gerar caixa suficiente para manter as operações e honrar compromissos com acionistas. Todos os gastos discricionários estão sob revisão - incluindo o orçamento para descarbonização”, cita a Wood Mackenzie, em relatório.
Por outro lado, com o barril mais barato, as renováveis podem se tornar mais atrativas dentro do portfólio das petroleiras. Se num ambiente de petróleo a US$ 60 as taxas de retorno de projetos de solar e eólicas (de 5% a 10%) dificilmente competiam com as taxas de “dois dígitos” dos projetos petrolíferos, com o petróleo a US$ 35 o jogo está mais pareado. A Wood Mackenzie acredita que a transição energética “chegou para ficar” e que as grandes petroleiras europeias honrarão seus compromissos de descarbonização. A consultoria, porém, relativiza o papel das petroleiras na sustentação da transição energética. Isso porque elas respondem por 2% da capacidade eólica e solar no mundo. Historicamente, a cotação da commodity não tem muita correlação com os investimentos em renováveis.
O ritmo da expansão das energias limpas, por outro lado, pode desacelerar. A Rystad Energy prevê que a contração econômica deve demandar menos energia e que as renováveis não passarão incólumes. Com a desvalorização cambial dos países emergentes, a consultoria cita que projetos em países como o Brasil serão especialmente impactados, já que alta do dólar elevará os preços de aquisição de equipamentos. A Rystad também destaca que a crise pode fortalecer o carvão, cujos custos de produção estão em baixa. “Em um mundo pós-pandemia, o carvão, apesar de ter muitos problemas, é considerado uma fonte de energia barata e confiável para reconstruir a economia”, alega a consultoria.
A presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina Grossi, diz que é preciso que as empresas não percam o horizonte de longo prazo em suas estratégias de descarbonização. “Discutir o pós-coronavírus é importante, nossa agenda não é de curto prazo. Os compromissos de redução de emissões estão assumidos, não acredito que as empresas voltarão atrás. O timing pode mudar, mas não a rota”, comenta.
Fonte: Valor