A Petrobras e outras refinarias privadas poderiam ampliar a produção nacional de combustíveis para atender à demanda dos consumidores brasileiros no momento em que a necessidade de importação impulsiona os preços na bomba, aponta um estudo elaborado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e obtido pela Folha.
O aumento no volume processado nas refinarias reduziria a dependência externa do diesel, cuja cobrança nos postos acumula uma alta de 40,54% nos 12 meses até fevereiro de 2022, na esteira da recente alta na cotação do barril de petróleo e do dólar.
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Já no caso da gasolina, a intensificação do refino poderia devolver ao Brasil o status de exportador líquido do combustível –o que tenderia a aliviar a pressão sobre os preços.
A necessidade de importar combustíveis para suprir a demanda no mercado interno é um dos fatores usados pela Petrobras para justificar o uso do PPI (paridade de preços de importação) como referência para seus preços de comercialização nas refinarias.
A Petrobras afirma desconhecer o estudo. Segundo a companhia, a utilização das refinarias no mês de março ficou em 91%, com carga máxima nas unidades disponíveis para produção de diesel e gasolina.
Em 11 de março, a companhia anunciou um mega-aumento nos combustíveis, com reajustes de 24,9% no diesel, 18,8% na gasolina e 16,1% no gás de cozinha. A companhia alegou risco de desabastecimento, caso os preços ficassem represados.
O diagnóstico da EPE foi elaborado no momento em que a alta nos preços dos combustíveis traz dor de cabeça ao governo. Pesquisa do Datafolha mostra que 68% dos brasileiros atribuem ao presidente Jair Bolsonaro (PL) responsabilidade pelos aumentos. O chefe do Executivo pretende buscar a reeleição em 2022.
O mega-aumento ampliou o desgaste do presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, que acabou sendo demitido por Bolsonaro.
Como mostrou a Folha, a metodologia do PPI tem enfrentado críticas crescentes, inclusive dentro da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia).
A metodologia do PPI leva em conta a cotação de referência do combustível no mercado global, o preço do frete para trazê-lo ao Brasil, o seguro da carga e até o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), tributo cobrado sobre a navegação.
Nesse contexto, a ociosidade das refinarias da Petrobras também entrou na mira diante da suspeita de que a companhia manipula sua produção para manter a dependência externa nos combustíveis, permitindo a cobrança de preços mais elevados, com maior margem de lucro. A empresa nega a prática dessa conduta.
Para integrantes da equipe econômica, a empresa, que refina boa parte de seu combustível em território nacional, não deveria incorporar custos com frete internacional e seguro da carga.
O estudo inclui 12 unidades de produção da Petrobras, que concentram 83,8% da capacidade analisada, e outras seis refinarias privadas, com fatia menor na produção.
As simulações não chegam a medir o efeito do aumento na produção sobre o preço cobrado dos consumidores, nem os custos financeiros para as empresas.
Autora do estudo, a EPE é uma empresa pública, vinculada ao governo federal. Ela subsidia o MME (Ministério de Minas e Energia) com pesquisas voltadas ao planejamento energético do país.
O MME confirmou à Folha que o estudo da EPE sobre a possibilidade de incrementar o refino no Brasil foi distribuído, "de forma restrita", ao Comitê de Monitoramento do Suprimento Nacional de Combustíveis e Biocombustíveis.
O colegiado foi criado em 10 de março –mesmo dia em que a Petrobras anunciou o mega-aumento. A reunião reservada para discutir o diagnóstico da EPE ocorreu em 18 de março.
Segundo a pasta, o documento representa "um exercício teórico e preliminar sobre todo o parque nacional de refino e não apenas sobre as refinarias da Petrobras", e as premissas utilizadas podem ser revisadas, sobretudo diante de uma conjuntura de elevada incerteza.
"O estudo não tem o condão de orientar a política de nenhum dos agentes econômicos que atuam no segmento de refino de petróleo", diz o MME, ressaltando que tanto a atividade quanto os preços adotados são de livre iniciativa dos agentes econômicos. Na prática, o governo não pode ordenar que as empresas ampliem sua produção.
Petrobras afirma que análises são equivocadas A Petrobras afirma que "há análises equivocadas" apontando ociosidade em suas refinarias porque a base de comparação deveria ser a carga máxima de operação, e não a capacidade autorizada pela ANP (Agência Nacional de Petróleo), órgão regulador do setor.
A Petrobras diz ainda que suas refinarias estão operando "em sua capacidade máxima, considerando as condições adequadas de produção, segurança, rentabilidade e logística". Segundo a companhia, essas condições consideram o rendimento de cada unidade, os níveis de segurança e também a capacidade de armazenamento e transporte de insumos e combustíveis já refinados.
"No caso das refinarias operarem acima da capacidade adequada, há risco de problemas como, por exemplo, a produção excessiva de produtos de baixo valor e menor demanda; dificuldades para armazenamento de produtos; ou indisponibilidade logística para escoamento dos derivados produzidos", diz a Petrobras.
A companhia afirma ainda que "o nível de utilização das refinarias da Petrobras não define o preço dos combustíveis no Brasil".
O estudo da EPE simula um cenário em que as refinarias operam com o chamado fator de utilização em 100%. Entre 2016 e 2021, esse indicador ficou bem abaixo disso, entre 75% e 80%, embora haja precedentes de operação próxima à capacidade total em 2013 e 2014.
Segundo o documento, a ampliação do refino aos níveis máximos elevaria a produção de óleo diesel em até 15%, com incremento de 113 mil barris de diesel por dia e redução de 43% nas importações líquidas.
As comparações são feitas com os volumes previstos para 2022 no PDE (Plano Decenal de Energia), outro documento em que a EPE traça perspectivas de expansão futura do setor de energia. Não são levadas em consideração eventuais ocorrências ou paradas programadas das unidades.
A produção nacional da gasolina poderia subir até 10% em relação ao previsto no PDE, injetando no mercado mais 48 mil barris por dia do combustível. Com isso, em vez de uma importação líquida diária de 35 mil barris de gasolina, o Brasil teria uma exportação líquida de 13 mil barris ao dia.
A importação líquida de gás de cozinha também cairia 18 mil barris diários, diante de um aumento de até 9% na produção.
Apesar desses resultados, a maior parte dos ganhos seria em óleo combustível, um derivado de menor valor agregado do qual o Brasil já é exportador, ou seja, produz mais que o suficiente para suprir a demanda. O volume adicional de 269 mil barris representaria 46% do refino adicional. O país precisaria encontrar meios de escoar essa produção, praticamente triplicando suas exportações.
Procurada, a EPE não se manifestou até a publicação deste texto.
Técnicos ouvidos pela Folha afirmam que a concentração dos ganhos em óleo combustível é um dificultador, pois não é desse derivado que os consumidores brasileiros mais precisam neste momento.
Por outro lado, a simulação da EPE mostra que a participação do óleo diesel na produção incremental é de 25%. Esse ponto é citado no documento como uma "questão relevante", uma vez que o Brasil hoje depende das importações.
O maior desafio nessa equação seria justamente encontrar meios de maximizar a produção de diesel, já que a ampliação de refino não se traduz em aumento da oferta do combustível na mesma proporção.
O ideal, segundo esses técnicos, seria chegar a um modelo de operação em que as unidades concentrem qualquer esforço adicional no refino de diesel, gasolina e GLP, nos quais o Brasil é deficitário.
Críticos da Petrobras ressaltam que o nível de produção e refino está no mesmo patamar do início dos anos 2010, apesar da inauguração da refinaria Abreu e Lima, que ampliou a capacidade da empresa.
Em ano eleitoral, o aumento nos preços dos combustíveis afeta a população em geral, com destaque para os caminhoneiros, categoria que compõe a base eleitoral do presidente. Além disso, contamina os preços de outros itens (sobretudo alimentos) devido ao aumento de custos de transporte. Boa parte das cargas são movimentadas por caminhões a diesel.
O governo articulou com o Congresso Nacional a aprovação de uma lei que desonera diesel, gás de cozinha e querosene de aviação da cobrança de PIS/Cofins até o fim deste ano. Mas a pressão continua por medidas adicionais, sobretudo para conter os preços da gasolina.
O presidente chegou a defender publicamente um corte de tributos sobre a gasolina, medida que poderia beneficiar taxistas, entregadores e motoristas de aplicativo. Mas a iniciativa é considerada cara e ineficaz pelo time de Guedes.
Fonte: Valor