A escalada no preço do petróleo no mercado internacional já é vista como uma mudança de patamar. O barril do Brent chegou a se aproximar dos US$ 140 este mês e tem permanecido acima dos US$ 100 após a invasão da Ucrânia pela Rússia. A avaliação de que preços maiores vieram para ficar desencadeou uma corrida por petróleo entre as empresas, que buscam acelerar investimentos.
A retomada, após dois anos de forte impacto no setor pela pandemia, se reflete na intenção de perfurar mais poços e na contratação de plataformas. Mas essa arrancada súbita também tem impacto nos custos.
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A diária de equipamentos como sondas para exploração de petróleo, por exemplo, já supera o valor cobrado antes da pandemia, relatam as empresas.
Segundo projeções do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) o investimento no setor de petróleo no Brasil vai somar US$ 13,5 bilhões este ano, cerca de US$ 1 bilhão a mais que o ano anterior. Para 2023, a expectativa é que o volume chegue a US$ 20 bilhões.
A corrida por petróleo, porém, está mais para maratona do que tiro curto: em razão do tempo de maturação dos projetos, um aumento relevante da produção pode levar de dois a quatro anos.
A Petrobras explica que o preço do petróleo pode influenciar a decisão sobre a viabilidade de projetos complementares de campos em produção, como a perfuração de poços adicionais. “Há maior flexibilidade, ainda que o impacto seja pequeno na curva de produção total da companhia”, informou a estatal.
Décio Oddone, diretor-presidente da petroleira Enauta, diz que o preço mais alto do barril impulsiona investimentos em óleo e gás e ressalta que a pandemia havia reduzido os aportes no setor.
Isso acabou contribuindo para a redução da oferta. Com a retomada de atividades econômicas e a guerra, os preços tiveram um salto.
Busca por equipamentos
A Enauta investe US$ 1,2 bilhão em uma plataforma para o campo de Atlanta, em águas profundas da Bacia de Santos. Com ela, vai elevar a produção em 50 mil barris a partir de 2024.
O projeto foi aprovado em fevereiro, antes da guerra começar, já com os sinais de aumento no valor do barril, diz Oddone:
— Vamos ver mais projetos com o aumento do preço do petróleo, que foi acentuado com a guerra. Talvez essa possa ser a última oportunidade de investimento em petróleo com os preços elevados, que se revertem em mais caixa para as empresas. Podemos ver projetos em Sergipe-Alagoas e Margem Equatorial no país.
Roberto Bischoff, presidente da Ocyan, que atua no setor de serviços de óleo e gás, diz que o reaquecimento começou na segunda metade de 2021 e que a diária de uma sonda já chega a até US$ 250 mil. Antes da pandemia, ficava em cerca de US$ 200 mil:
— Há uma recuperação na contratação de sondas. Estamos participando de diversas concorrências. Neste ano já fechamos contratos de serviços para equipamentos submarinos que somam R$ 1,5 bilhão. O mercado já percebe a retomada das decisões.
Segundo ele, os novos contratos são sinais “relevantes” do ciclo de retomada dos investimentos e que essa corrida é global:
—Avaliamos alternativas em outros locais, como África e Ásia. Mas há desafios do lado do setor de construção de unidades e da disponibilidade de equipamentos.
Entre as empresas de produção de petróleo em terra, reunidas na Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo (Abpip), o novo patamar do barril deve ficar mais próximo de US$ 100 nos próximos anos.
Segundo Anabal Santos, secretário-executivo da associação, novos investimentos virão a reboque, mas existe uma limitação de fornecedores:
— A indústria já demanda novos equipamentos, é preciso que haja esse avanço para atender a maior demanda. Em geral, o aumento do petróleo vai estimular investimentos em campos que já produzem. Os mais produtivos serão priorizados.
Santos estima o aporte das empresas que exploram petróleo em terra em R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões neste ano e em 2023, mais que o R$ 1 bilhão entre 2020 e 2021.
Localizada no município de Araucária, no Paraná, a Repar é responsável por aproximadamente 12% da produção nacional de derivados de petróleo, ente eles diesel, gasolina, GLP, coque,
Novas fontes de produção
Segundo Eberaldo de Almeida Neto, presidente do IBP, o Brasil tende a atrair mais investimentos com a instabilidade política entre os maiores exportadores, como a Rússia, além dos constantes conflitos no Oriente Médio:
— Os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) vão procurar novas fontes de produção de petróleo. Esses movimentos de alta nos preços geram euforia e estimulam investimentos. Mas a decisão é analisada com calma, já que em 2020 passamos pela maior volatilidade de preços do petróleo em 60 anos.
Atenta a essa oscilação, a Petrobras diz que “toma decisões de forma estrutural e evita incorporar volatilidades do mercado”. Em nota, acrescenta que os novos projetos de exploração “precisam ser resilientes ao Brent de US$ 35, considerando o longo tempo de desenvolvimento do projeto e a consequente incerteza do preço da época de início da produção”.
Os investimentos em exploração e produção devem subir de US$ 7,129 bilhões, em 2021, para US$ 8,8 bilhões este ano. Em 2023, chegarão a US$ 13 bilhões.
Marcelo de Assis, chefe de pesquisa de Upstream da América Latina da Wood Mackenzie, diz as empresas vão tentar elevar investimentos para aumentar a produção.
Porém, ressalta que o potencial é limitado, já que uma plataforma de produção pode levar de dois a quatro anos para ficar pronta.
— O ano de 2022 vai ser muito volátil. Tivemos a guerra e agora a quarentena na China. A intensidade dos investimentos vai depender da tendência de estabilização dos preços, mas no Brasil não vamos ver mudanças no patamar de produção nos próximos anos — afirmou.
A corrida por investimentos ainda levará alguns anos para aparecer nas estatísticas. A Petrobras prevê queda na produção este ano, passando de 2,77 milhões de barris de óleo equivalente por dia (bpd) para 2,6 milhões. Em 2026, porém, ela chegaria a 3,2 milhões de barris de petróleo por dia.
Este ano, só deve entrar em operação uma nova unidade da estatal, a FPSO Guanabara, com capacidade de produção de até 180 mil barris de petróleo por dia. Em 2023, cinco unidades começam a operar.
Fonte: O Globo