Está praticamente fechado um programa de incentivo à navegação de cabotagem que o Ministério da Infraestrutura pretende lançar, em agosto, com a expectativa de ampliar o transporte de mercadorias pela costa brasileira.
Uma medida provisória deve promover fortes mudanças no marco regulatório do setor, que teve crescimento médio anual de 12,8% na última década. Apesar do ritmo chinês, o governo avalia que ainda há muito espaço para expansão. As metas do novo programa incluem duplicar o volume de contêineres transportados por ano, dos atuais 1,35 milhão para 2,7 milhões de TEUs (unidade equivalente a 20 pés) em 2022, e ampliar em 40% a capacidade da frota marítima dedicada à cabotagem nos próximos três anos.
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O plano, que tem sido chamado de "BR do Mar" pelos técnicos do ministério, prevê iniciativas simultâneas e em várias frentes para estimular o setor: mais flexibilidade na incorporação de navios por empresas brasileiras de navegação, uso facilitado de terminais portuários voltados à movimentação de cargas domésticas, mudança no sistema de garantias para acesso ao Fundo de Marinha Mercante (FMM) e uma tentativa de acabar com distorções na cobrança de ICMS sobre o bunker (combustível marítimo).
"Temos condições de triplicar as taxas de crescimento da navegação doméstica", disse ao Valor o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni. Para formular o programa, segundo ele, foram conduzidas quase 100 reuniões com autoridades de governo, usuários, operadoras e praticagem. "O problema está diagnosticado faz tempo. O que fazia falta era a organização dos atores para que esse diagnóstico pudesse ser devidamente atacado. Agora, pelo potencial transformador no sistema logístico, tornou-se a nossa prioridade zero", afirmou Piloni.
Um dos grandes avanços da MP é o incentivo ao estabelecimento de "operações especiais" - novas rotas que as companhias poderão oferecer, em caráter experimental, ligando um porto a outro.
Para testar uma rota doméstica, fica-se temporariamente livre da exigência de ter frota própria (pelo menos um navio importado ou construído no Brasil) para a obtenção do registro como empresas brasileira de navegação (EBN).
Pelo prazo máximo de quatro anos, a EBN poderá afretar embarcações sem essa obrigação. A ideia é permitir um teste que abra caminho para o estabelecimento de rotas mais duradouras. Hoje um dos maiores entraves para o desenvolvimento da cabotagem é a falta de regularidade das operações. "A gente está invertendo a lógica", explica o diretor do Departamento de Navegação e Hidrovias do Ministério da Infraestrutura, Dino Antunes Batista. "Hoje as empresas precisam investir para entrar no mercado. Agora elas poderão entrar no mercado e depois decidir o quanto devem investir."
Quando não houver disponibilidade de infraestrutura no porto de origem ou de destino, com um terminal apto para movimentar cargas transportadas nessas linhas experimentais, as empresas poderão explorar terminais por meio de um procedimento simplificado - também por até quatro anos. Esse processo promete ser menos burocrático do que um contrato de arrendamento de terminal portuário.
As companhias de navegação vão ganhar um estímulo para ampliar a oferta - não apenas em operações especiais - com embarcações estrangeiras. Elas vão ganhar isenção de tributos federais, como Imposto de Importação e PIS/Cofins, ao incorporar navios fabricados no exterior. Esses tributos encarecem os equipamentos em 40% a 50%, segundo estimativas do governo, e vão se transformar em créditos.
Os créditos deverão ser usados necessariamente na indústria naval brasileira. Pode ser no reparo ou na manutenção das embarcações importadas, e não só na construção de navios. Mas os ganhos com a isenção precisarão ser "devolvidos" nos estaleiros nacionais.
Outro obstáculo que o governo pretende destravar com a MP são as garantias para acesso ao bilionário Fundo da Marinha Mercante (FMM). Com taxas diferenciadas de financiamento para construção de navios, o fundo tem sido subaproveitado. O risco dos empréstimos fica com as instituições repassadoras do crédito - BNDES, Banco do Brasil, Caixa, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia.
No novo programa, o governo vai colocar em prática a "impenhorabilidade da conta vinculada". Isso significa que uma taxa sobre o valor do frete que é recolhida pela empresa de navegação e vai para ela mesma, em uma conta específica para eventuais financiamentos pelo FMM, não poderá mais ser penhorada. Resultado: os bancos terão garantia e vão se sentir mais confortáveis para repassar recursos do fundo.
Um objetivo adicional da MP é igualar o preço do combustível usado em fretes internacionais (hoje isentos de ICMS) e domésticos (que pagam alíquota de 15% a 18%). A União não pode legislar sobre impostos estaduais, mas encontrou uma solução jurídica para permitir que o governo de cada Estado possa zerar a cobrança. Sem isso, qualquer isenção teria que receber o aval de todos no Confaz.
Fonte: Valor