Siderúrgica cearense, a ser encravada no Complexo do Pecém, poderá repetir problemas de poluição da usina carioca?
Os jornais relatam, aos montes, histórias das recentes vítimas da poluição no extenso e populoso bairro de Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro. São casos de alergias, tosse, irritação nos olhos e na pele de muita gente que anda apreensiva com a poeira que sai dos fornos do maior investimento privado realizado no Brasil nos últimos 15 anos.
A Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), inaugurada em meados no ano passado, anunciou seguir as mais rígidas leis ambientais da Alemanha, de onde vem parte de seus investidores. Hoje, paga milhões em multas e indenizações por poluição e vem sendo tida como preocupante exemplo para as novas siderúrgicas em construção no País. Entre elas, a Companhia Siderúrgica de Pecém (CSP), que é caracterizada como um espelho da planta carioca.
Carvão é motivo
A razão maior da preocupação dos especialistas e ambientalistas em relação à possível repetição do problema por aqui é o material energético escolhido para mover a siderúrgica, tanto a de lá, quanto a de cá: o carvão mineral.
A discussão em relação ao material, extremamente poluente - mas barato e abundante -, já pautou a sociedade cearense por bastante tempo, da época em que foi anunciada que a siderúrgica do Pecém não seria mais a gás natural, e sim a carvão. Depois de muitos debates, a questão tinha esfriado, e volta à tona com os últimos fatos ocorridos em Santa Cruz.
Por lá, fala-se em seis mil lares contaminados, o que já gerou à empresa gastos de R$ 18 milhões em multas e indenizações. O professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Luiz Drude de Lacerda, doutor na área ambiental, trabalhou para a Vale na fase de implantação da Companhia Siderúrgica do Atlântico, e afirma que, mesmo não conhecendo a fundo o projeto cearense, acredita que há riscos, sim, de contaminação.
"Sendo carvão, existe possibilidade. A utilização do carvão é um retrocesso ambiental, ele só é usado quando não se tem outra possibilidade. O Ceará produz gás natural, não vejo sentido em voltar para o carvão", critica.
Lacerda, que é vice-diretor do Laboratório de Estudos do Mar (Labomar), trabalhou no projeto portuário da CSA, mas conta que acompanhou os processos de instalação da usina. Segundo ele, a parte portuária, que envolveu dragagem do porto, é um exemplo de sustentabilidade ambiental.
A parte de infraestrutura e dos parques industriais foram feitos pela sócia alemã ThyssenKrupp, e também são de moderna tecnologia ambiental, afirma.
O problema, aponta, esteve nos auto fornos, que vieram de tecnologia chinesa. "Os padrões ambientais dos chineses deixam a desejar. E eles usaram engenheiros e operários chineses, por exigência da China. À época, sempre houve polêmicas em torno disso", conta.
Caso da CSA é alerta
Segundo o professor Luiz Drude de Lacerda, existem, sim, projetos com uso do carvão que utilizam tecnologia avançada e trazem baixo impacto ambiental, a exemplo de termelétricas no Sul do Brasil.
Mas ele defende que o caso da CSA é um alerta, que reforça a necessidade de elevados investimentos em tecnologia de uso do carvão.
Impacto menor
No caso do Pecém, ele avalia que os possíveis impactos seriam de menor monta em relação aos de Santa Cruz. "O Pecém é pouco povoado, diferente de Santa Cruz. Lá, além disso, existe uma bacia atmosférica fechada, não tem o vento que tem aqui para levar os poluentes. Mas isso não pode ser justificativa de um menor cuidado. Podem surgir problemas maiores a longo prazo", diz.
PRODUÇÃO EXPORTADA
Projetos das duas usinas mostram semelhanças
A CSA é um joint-venture formada pela alemã ThyssenKrupp, maior produtora de aço da Alemanha, juntamente com a brasileira Vale - a mesma que detém 50% das ações da siderúrgica cearense, formando parceria com as coreanas Dongkuk e Posco.
Ambas usinas produzirão as placas de aço em suas unidades e enviarão o produto às parceiras no exterior, que farão a fase seguinte, de laminação. Na CSA, a capacidade é de produção de cinco milhões de toneladas de placas de aço por ano. Na CSP, são três milhões, em uma primeira fase.
Essa semelhança fez com que o então diretor de desenvolvimento da Agência de Desenvolvimento Econômico do Ceará (Adece) e hoje secretário de Planejamento e Gestão, Eduardo Diogo, que esteve presente no evento de inauguração da CSA, afirmasse ao Diário do Nordeste, à época, que a planta carioca é "absolutamente o espelho da siderúrgica cearense".
"Fora o parceiro da Vale, o resto é igual. São dois auto fornos, com produção de placas de aço para exportação, é muito semelhante", disse. A preocupação cearense é a mesma no Espírito Santo, que também irá receber uma nova usina, a Companhia Siderúrgica de Ubu (CSU), em Anchieta, no sul do Estado, com investimentos da Vale.
A CSU prevê a produção de 15 milhões de toneladas/ano, a mesma prevista pela CSA na fase final. Mas, por lá, essa apreensão vem sendo acompanhada mais de perto pela população.
No caso da usina capixaba, o processo de licenciamento está marcado por atropelos e pressão sob as comunidades locais, assim como ocorreu em Santa Cruz. Em dezembro de 2010 um encontro reuniu as populações de Anchieta e de Santa Cruz, para discutir os impactos socioambientais dos empreendimentos. (SS)
Fonte: Diári do Nordeste (CE)/SÉRGIO DE SOUSA
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