A privatização do setor portuário, iniciada em março com o leilão da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), é vista por operadores logísticos como uma grande oportunidade para o país resolver um dos principais gargalos físicos do comércio exterior brasileiro: o acesso marítimo aos portos.
“Nossos portos não são capazes de receber navios de grande porte”, diz Leandro Carelli Barreto, da consultoria Solve Shipping Intelligence. A maioria dos portos públicos brasileiros não possui berço de atracação capaz de receber navios com calados de 16 metros. Essa é a profundidade abaixo da linha d’água que atingem os navios com capacidade para 12 mil TEUs (contêineres de 20 pés). Por volta de 70% da navegação internacional ocorre em navios que operam com 12 mil TEUs ou mais. Os navios de última geração chegam a 24 mil TEUs.
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O Porto de Santos, responsável por 28% das trocas comerciais brasileiras, só recebe navios com até 14,5 metros de calado. Para atracar em Santos, os navios precisam restringir sua capacidade a algo próximo de 10,5 mil TEUs. No processo de desestatização de Santos, encaminhado ao Tribunal de Contas da União (TCU) em agosto, consta a previsão de que o vencedor do leilão faça a dragagem para o aprofundamento e a manutenção constante do canal de acesso ao porto, permitindo a movimentação de navios com calados de até 16 metros em uma primeira fase e 17 metros numa segunda etapa.
Hoje a responsabilidade de dragagem é do governo federal. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), entre 2000 e 2019, menos de 30% dos recursos da União previstos para a modernização portuária foram efetivados e os serviços de dragagem estão entre os mais prejudicados pela falta de investimentos.
Os novos controladores da Codesa se comprometeram com investimentos de R$ 855 milhões em 35 anos na modernização das estruturas portuárias. O Porto de Santos, se for privatizado, demandará de seus controladores investimentos de R$ 18,5 bilhões. “A dragagem nos portos precisa ser permanente e deve ser viabilizada independente da concretização das privatizações”, diz Luís Teixeira Baldez, presidente executivo da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (ANUT). “Uma solução é a realização de contratos de parcerias público-privadas específicas para a dragagem”, propõe o executivo.
Outro problema dos portos brasileiros é a falta de infraestrutura de acesso terrestre. “Temos poucos portos atendidos por ferrovias e nos que são atendidos, a capacidade ferroviária é baixa”, diz Baldez. O Porto de Santos, que movimentou 147 milhões de toneladas de cargas em 2021, é atendido pela Malha Ferroviária Paulista, da Rumo Logística, que em sua ligação a Santos tem capacidade para movimentar 30 milhões de toneladas anuais com meta de chegar a 80 milhões de toneladas em 2030. A Estrada de Ferro Vitória a Minas, que atende os portos de Vitória e Tubarão (ES), é operada pela Vale e dedica 90% de sua capacidade ao transporte de minério de ferro.
“O transporte de mercadoria por ferrovia é 30% a 40% mais barato do que por rodovia, mas não temos infraestrutura que permita baratear nossas exportações”, diz Baldez. Enquanto o custo logístico no Brasil é de 12% do Produto Interno Bruto (PIB), a média dos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 9%. “Essa diferença significa perda de competitividade nas exportações”, afirma o executivo.
Por volta de 95% das cargas que formam o comércio exterior brasileiro passam pelos portos. No ano passado, a navegação de longo curso movimentou 853,4 milhões de toneladas, sendo 79% referente a exportações e 21% em importações, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). No total, incluindo a navegação de cabotagem, os portos brasileiros movimentaram 1,239 bilhão de toneladas.
O sistema portuário brasileiro é formado por 36 portos públicos e 166 terminais de uso privado (TUPs). Os TUPs respondem por volta de 66% da movimentação de cargas do país, sendo predominante nos embarques de minérios e combustíveis. O Terminal Marítimo de Ponta da Madeira (MA), pertencente a Vale, é o que mais movimentou cargas em 2021, com 182,4 milhões de toneladas.
Os portos públicos são os grandes movimentadores de carga no país e respondem pelo embarque e desembarque de 70% dos contêineres. Quase a totalidade dos terminais nos portos públicos foram concedidos a operadores privados nos últimos 30 anos. “As concessões geraram uma melhoria operacional significativa. Nossos melhores terminais são tão eficientes como os americanos e europeus”, diz Rafael Dantas, diretor da integradora logística Asia Shipping. Há dez anos, relata Dantas, a operação de um navio de contêiner em terminal brasileiro levava em média 21 horas; hoje, são 12 horas.
Fonte: Valor