Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo recebem o maior volume de royalties no país. E vão se beneficiar dessa nova onda de recursos do pré-sal, o que deve manter a economia do Rio ainda dependente da atividade de óleo e gás e os cofres públicos, dos royalties, por um bom tempo.
Nos próximos anos, os royalties vão ocupar mais espaço no total de receitas do Rio. Pelas previsões no Orçamento, a parcela vai subir de 20%, em 2019, da receita corrente líquida (disponível para gastar) para representar 25% entre 2021 e 2023.
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— O Rio de Janeiro será por muito tempo “petrodependente”, e o Brasil será dependente do Rio. Ainda somos o maior produtor de óleo do Brasil, e não vejo nada diferente disso no futuro. Há outros ambientes de produção de óleo, mas nada comparado à produtividade do pré-sal. É algo imbatível diante do que conhecemos hoje — afirma Karine Fragozo, gerente de Petróleo, Gás e Naval da Firjan.
Nos próximos quatro anos, as cidades do petróleo vão receber valor recorde de R$ 47,6 bilhões em royalties. Ferramenta digital no site do GLOBO, o Monitor dos Royalties, mostra como as cidades usam os recursos e o desempenho de seus indicadores sociais.
Há, porém, a ameaça de que os recursos sejam redistribuídos, a depender da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro, quando será julgada a liminar que suspendeu os efeitos da Lei dos Royalties. Pelo texto, há queda nas receitas para estados produtores e aumento da fatia destinada aos não produtores.
Rodrigo Neves, prefeito de Niterói, segunda cidade no país que mais recebe a transferência, afirma que se espera um acordo. A cidade foi uma das primeiras a criar um fundo para fazer frente às oscilações na cotação do petróleo e do dólar e usou os recursos para combater a pandemia:
— É fundamental o entendimento entre os vários poderes e entes federados, para que o Rio não sofra essa injustiça. Porém, há um volume de produção maior com o pré-sal que pode ser compartilhado com o conjunto do país.
O Rio aderiu à proposta de acordo do Espírito Santo para dar fim ao impasse que se arrasta há sete anos. O estado propôs mudanças nos termos desse entendimento com estados não produtores. Ainda assim, deixaria de receber R$ 7,7 bilhões até 2025. O objetivo é evitar o risco de perder R$ 67,9 bilhões caso o resultado seja desfavorável para o Rio.
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, já se manifestou a favor do entendimento e disse que a adesão do Rio ao acordo é passo importante para encerrar o impasse.
Segundo Karine, embora ter recursos em caixa sobrando seja um aspecto favorável para a administração pública, isso não significa, necessariamente, que o estado ou município terá avanços substanciais em educação, saúde, segurança e emprego. O que pode fazer a diferença é a capacidade de gestão dos recursos.
Para analistas, as cidades do Norte Fluminense tiveram “oportunidades perdidas” nos últimos anos. Para Manuel Thedim, diretor executivo do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (IETS), houve maquiagem e pouco investimento em infraestrutura:
— As calçadas de porcelanato ficaram conhecidas em detrimento da periferia. Mas as cidades que começaram a receber os royalties do pré-sal, como Niterói e Maricá, têm procurado investir, criaram fundos de infraestrutura.
Campos chegou a receber mais de R$ 2 bilhões por ano do petróleo, mas com a queda da produção na Bacia de Campos, recebe cerca de R$ 700 milhões, um terço de sua receita. A população é o dobro da que registrava antes dos royalties, mas com metade do orçamento do passado. O investimento público desde 2001 era bem menor que os milhões recebidos de royalties. E o quadro piorou nos últimos anos.
Até a pandemia, 10% dos royalties que Campos recebia iam direto para o pagamento de empréstimos, no programa intitulado “Venda do Futuro":
— Infelizmente não tiveram a responsabilidade de investir onde precisávamos. Os royalties são finitos e não trabalharam para tornar a cidade menos dependente. Campos deixou de avançar muito diante do que recebeu — diz o prefeito Rafael Diniz (Cidadania).
Macaé pode ter uma segunda oportunidade. Receberá mais R$ 4 bilhões até 2024, mais da metade do que recebeu entre 2000 e 2019. Pode ser nova chance de aproveitar melhor os recursos. A criação de fundos, como está fazendo Maricá, foi importante para combater a pandemia:
— Esses fundos mostram que os municípios aprenderam alguma coisa, mas quanto ao planejamento de médio e longo prazo, não sabemos. O pecado é olhar a cidade como lugar onde se constroem coisas: asfalto, iluminação pública, sambódromo, e não como algo integrado — diz José Luis Vianna, professor da Cândido Mendes, que estuda o impacto dos royalties nas cidades.
Procurada, a Prefeitura Macaé não quis comentar.
Maricá vive a segunda chance de se desenvolver com base no petróleo. A primeira foi no Comperj, hoje Polo Gaslub Itaboraí, obra interrompida com a crise na Petrobras. Condomínios de alto padrão surgiram, mas encalharam.
— Maricá por muito tempo foi algo como garimpo de ouro, todo mundo veio pra cá. Mas um novo ciclo está começando — diz Delfim Moreira, vice-presidente da Associação Comercial de Maricá (ACM).
Nos últimos dez anos, a população da cidade cresceu 30%, segundo o IBGE. E deve continuar aumentando.
Em Saquarema, os royalties podem trazer mais renda para 2 mil pescadores. A pesca só é feita em horários de maré alta. O canal da laguna da cidade está assoreado há cinco anos, impedindo a saída de barcos para pesca de sardinha e camarão.
— Hoje temos que esperar a maré para sair. É prejuízo — reclama Pedro da Colônia.
Abu Dhabi brasileira
O plano de criar uma Abu Dhabi no interior fluminense, em referência à capital dos Emirados Árabes, naufragou. Chegou-se a oferecer aulas de mandarim em escolas públicas em São João da Barra (RJ) na expectativa da chegada de investimentos com o Porto do Açu, idealizado pelo empresário Eike Batista.
— Não se investiu em qualidade de vida. Houve apropriação do recurso pela minoria de sempre — afirma Marcos Pedlowski, pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense.
Fonte: O Globo