O embate entre Estados e municípios produtores e não produtores sobre o direito aos royalties do petróleo e do gás natural deve voltar à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), em novembro, em meio a expectativas de crescimento das receitas petrolíferas nos próximos anos. Segundo projeções da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a previsão é que, depois de bater o recorde de R$ 10,95 bilhões em 2018, a arrecadação dos municípios com royalties e participações especiais cresça 12% em 2019, para R$ 12,3 bilhões, e 33% até 2023, para R$ 14,5 bilhões.
O cenário de abundância, contudo, não será realidade para todos. Levantamento feito pelo Valor com base em previsões oficiais da ANP mostra que 58% das cidades brasileiras que recebem royalties do petróleo terão pela frente alguns anos de queda na arrecadação. Enquanto os municípios fluminenses vão vivenciar um crescimento de 32% nas receitas petrolíferas, a projeção sugere um declínio na renda sobre a produção de óleo e gás em cidades paulistas e capixabas.
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Esse cenário não é irreversível. Existe uma expectativa de que o desenvolvimento de novos campos no pré-sal possa voltar a reforçar o caixa paulista no futuro. Estudo da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) destaca que a entrada em operação do campo de Carcará, operado pela norueguesa Equinor, na Bacia de Santos, "deverá reforçar a posição do Estado de São Paulo como importante polo produtor". O projeto é estimado para entre 2023/2024. Além disso, novas descobertas podem eventualmente contribuir para reverter o quadro.
A realidade dos cofres municipais é, de uma forma geral, muito desigual no que diz respeito às receitas do petróleo. Apenas 16,7% dos 5.570 municípios do país recebem royalties, como compensação financeira pela produção e movimentação de óleo e gás. Entre os beneficiários, há cidades que recebem mais de R$ 1 bilhão por ano, como Maricá e Niterói, no Rio de Janeiro. Quase metade dos 932 municípios que recebem royalties, porém, deve fechar o ano com receitas petrolíferas inferiores a R$ 50 mil.
"O sistema hoje hierarquiza demais a distribuição. A distância é muito grande entre os municípios que recebem mais e os que recebem menos. É um desastre do ponto de vista do planejamento do desenvolvimento nacional. Os municípios, em geral, não produzem medidas de longo alcance territorial", comenta o professor do programa de Planejamento Regional e Gestão da Cidade da Universidade Cândido Mendes (UCAM), José Luis Vianna da Cruz. As diferenças na ordem de grandeza das arrecadações estão entre os principais argumentos de quem defende a divisão mais igualitária dos recursos.
Royalties e participações especiais (que incidem apenas sobre os campos de maior produtividade) são compensações financeiras pagas pelas petroleiras à União, aos Estados e municípios. Os principais beneficiários desses recursos são municípios que confrontam com os poços produtores (estão dentro da área de influência desses poços e são enquadrados, portanto, dentro da zona de produção principal). Cidades limítrofes a essas regiões também são compensadas, em proporções menores, bem como municípios que abrigam instalações de movimentação de óleo e gás, como dutos e bases de embarque e desembarque.
Os principais beneficiários estão localizados, hoje, no Rio de Janeiro, cujo litoral se confronta com os principais campos do pré-sal da Bacia de Santos e do pós-sal da Bacia de Campos - as duas maiores fronteiras de produção do país.
Os critérios de repasse de royalties criaram impasse em 2012, quando o Congresso aprovou a Lei 12.734 - que alterou as regras de redistribuição e reduziu as transferências para os Estados produtores em favor dos demais. Temendo a perda de receitas bilionárias, o governo do Rio logo recorreu ao STF e, em 2013, por meio de uma liminar da ministra Carmen Lúcia, os efeitos da lei foram suspensos. O assunto, agora, está na agenda da corte para novembro.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) encabeça a defesa pela distribuição mais igualitária e faz pressão política para que o Supremo retome as discussões sobre o assunto. A entidade defende que todos os municípios sejam contemplados com recursos provenientes da produção de óleo brasileira. A CNM calcula que mais de R$ 50 bilhões deixaram de ser distribuídos para regiões não produtoras, entre 2013 e 2018.
Na ação direta de inconstitucionalidade, o governo fluminense sustenta que a mudança na lei fere o pacto federativo originário da Constituição de 1988, que prevê a cobrança do ICMS sobre o petróleo no destino - e não na origem, o que prejudica os Estados produtores, como o Rio. A ação também defende que o novo regime jurídico não pode afetar concessões futuras, sob o risco de comprometer as expectativas de geração das receitas. O governo do Rio diz que uma eventual perda dos royalties levaria o Estado a uma situação de insolvência financeira.
A Associação Brasileira dos Municípios com Terminais Marítimos e Fluviais para Embarque e Desembarque de Petróleo e Gás Natural (Abramt) também defende a manutenção das regras, sob a alegação de que o royalty, por definição, se trata de uma compensação financeira a Estados e municípios que abrigam as atividades de extração e que sofrem os seus impactos diretos.
"O assunto é tratado de forma equivocada. Os royalties são uma ferramenta compensatória pelos riscos ambientais inerentes à indústria petrolífera. Ninguém fala em redistribuir os royalties da hidrelétrica de Itaipu, das barragens ou do minério. Se o município que abriga um terminal não é compensado por isso, faz sentido eu querer então que uma base não seja instalada no meu município", diz o presidente da Abramt, Pierre Emerim. Prefeito de Imbé (RS), ele calcula que os royalties da cidade devem cair para a menos de um sexto do que são hoje, para cerca de R$ 300 mil/mês, se a liminar cair.
Para o professor Vianna da Cruz, a lei de 2012, que muda os critérios de distribuição, cai "no outro extremo". Ao dividir os royalties entre todos os municípios, diz, corre-se o risco de se "evaporarem os recursos", sem impactos substanciais para nenhuma cidade. "É um erro municipalizar recursos desse tamanho. A administração desses recursos deveria ficar no nível territorial macro-regional", afirma.
A ANP esclarece que as projeções são feitas com base nas informações enviadas pelas empresas, mas que os dados de curva de produção são sigilosos. As estimativas levam em consideração, além dos volumes de produção, os seguintes dados: preços de referência projetados para o petróleo e o gás natural, taxas de câmbio, alíquotas dos campos produtores, receita líquida apurada pelas empresas para os campos e decisões judiciais. As projeções da ANP tomam como base um preço do barril do petróleo a US$ 67 durante o período e o dólar a R$ 3,81 em 2019, R$ 3,78 em 2020, R$ 3,81 em 2021, R$ 3,86 em 2022 e R$ 3,91 em 2023.
Fonte: Valor