A promessa do governo federal de dividir parte dos recursos da União no pré-sal entre Estados e municípios é um alento para centenas de prefeitos e governadores que veem no pacto federativo uma oportunidade de equilibrar melhor suas contas públicas, muitas vezes debilitadas. Um seleto grupo de gestores, porém, não tem do que reclamar quando o assunto é a arrecadação de royalties e participações especiais sobre o óleo e gás.
Levantamento do Valor, com base no banco de dados do site InfoRoyalties, mantido pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), mostra que em 2018, pela primeira vez na história, as receitas petrolíferas dos municípios brasileiros superaram os R$ 10 bilhões, enquanto nos Estados as contribuições bateram o recorde de R$ 15 bilhões.
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O ciclo de bonança, porém, não é uma realidade entre muitos entes federativos. Rio e São Paulo concentraram 85% da arrecadação de royalties e participações especiais entre os Estados e foram os únicos a baterem recorde de receitas do petróleo em 2018, ao passo que Espírito Santo e Nordeste convivem com o declínio de seus campos. Já entre os municípios, dois terços das receitas vão para os cofres de 20 cidades. Para ilustrar o tamanho da concentração do dinheiro do petróleo, 17 arrecadaram mais de R$ 100 milhões, enquanto 501 cidades receberam menos de R$ 1 milhão em 2018.
Os critérios de repasse dos royalties são alvo de um impasse desde 2012, quando o Congresso aprovou a Lei 12.734/12, que alterou as regras de redistribuição e reduziu os transferências para o Estados produtores, em favor de outras unidades federativas. O assunto foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que, em 2013, por meio de uma liminar, suspendeu os efeitos da lei. O assunto nunca foi a plenário, e a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), favorável aos novos critérios, cobra um posicionamento da Corte.
Os principais beneficiários dos royalties estão localizados, hoje, no Rio de Janeiro, cujo litoral se confronta com os principais campos do pré-sal da Bacia de Santos e do pós-sal da Bacia de Campos (as duas maiores fronteiras de produção da costa brasileira). O entendimento entre as autoridades fluminenses é que o royalty, por definição, se trata de uma compensação financeira aos Estados e municípios que abrigam as atividades de extração e que sofrem os seus impactos diretos.
Em meio aos recordes de produção do pré-sal, os municípios do Rio caminham para ultrapassar, em 2020, pela primeira vez, o patamar de arrecadação de R$ 10 bilhões em royalties e participações especiais, segundo projeções da Firjan. Dentre os 92 municípios do Estado, um seleto grupo desponta como destino principal dessas cifras nos próximos anos.
Entre o imponente Costão de Itacoatiara, em Niterói, ao paradisíaco Pontal do Atalaia, em Arraial do Cabo, uma faixa litorânea se estende por cerca de cem quilômetros de praias, entrecortando cinco municípios: Niterói, Maricá, Saquarema, Araruama e Arraial do Cabo, que recebem R$ 1 em cada R$ 4 de tudo o que os municípios brasileiros arrecadam com royalties e participações especiais.
Essas cinco cidades, que abrigam, juntas, 915 mil habitantes, arrecadaram cerca de R$ 3 bilhões em royalties e participações especiais em 2018 e têm um futuro promissor pela frente, já que todas as nove plataformas que a Petrobras prevê começar a operar nos próximos cinco anos, no pré-sal, serão instaladas na costa desses municípios. A petroleira estima que o pré-sal gere receitas da ordem de R$ 150 bilhões até 2023, para a União, Estados e municípios em participações governamentais.
Em 2018, a região viu nascer, em seu território, a figura das cidades bilionárias do petróleo - municípios cuja arrecadação com as receitas petrolíferas superaram a casa do bilhão de reais. Estes foram os caso de Maricá e Niterói, na região metropolitana do Rio. Até então, só Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, havia conseguido o feito, no início da década.
A bonança que gera tanto otimismo entre os gestores também preocupa. Pesquisas do Laboratório de Análise de Orçamentos e de Políticas Públicas, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (LOPP/MPRJ), alertam para o grau de dependência dos municípios com as receitas do petróleo, no Rio. Em Maricá, por exemplo, as receitas petrolíferas já respondem por 70% do orçamento, enquanto em Niterói esse percentual saltou de 6% em 2015 para 31% em 2019.
"Toda a história do Norte Fluminense mostra que esses municípios [como Campos dos Goytacazes e Quissamã] receberam muito dinheiro, ficaram muito dependentes das receitas do petróleo, e não mostram melhoras expressivas no seu desenvolvimento", comenta a coordenadora do centro de pesquisas do LOPP/MPRJ, Joana Monteiro.
Ela questiona as atuais regras de distribuição, que concentram os recursos em poucos municípios. "A regra dos royalties faz com que haja municípios muito ricos ao lado de outros muito pobres", disse, ao citar o exemplo de São Gonçalo, vizinha das bilionárias Maricá e Niterói, mas cuja arrecadação com o petróleo é da ordem dos R$ 20 milhões.
Joana destaca, ainda, a importância de se aumentar os níveis de controle sobre os gastos dos municípios. "Os municípios recebem muito dinheiro. Estamos falando de municípios pequenos com volumes muito grandes. Isso para um país já seria complicado [de administrar]... É muito difícil que a economia local fazer isso [absorver tantas receitas variáveis]", afirma.
O economista do LOPP, Rodrigo Serra, defende a criação de um sistema de teto de arrecadação para os municípios, como forma de equilibrar a distribuição. "Chegando-se a determinado limite, a distribuição começaria a ser feita espacialmente para outros municípios. Poderia haver um sistema meritório de compensação", disse.
Em 2018, o LOPP publicou um estudo que alerta para a elevação das despesas com pessoal de Maricá, em 55%, entre 2013-2017, "indicando um procedimento temerário de elevar substancialmente despesas correntes para fazer frente a gastos com pessoal, baseado no influxo de uma receita errática, variável e finita, como as provenientes das compensações financeiras petrolíferas".
Fonte: Valor