Após uma visita a Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cerca de dez dias atrás, o alto comando da siderurgia brasileira volta suas baterias para Brasília. Os dirigentes do Instituto Aço Brasil (IABr), entre os quais está o empresário Jorge Gerdau, busca um encontro com a presidente Dilma Rousseff. Na pauta, no mesmo tom do que foi apresentado a Coutinho, uma apresentação detalhada de questões consideradas ameaças à competitividade do setor no país.
Meio caminho já está garantido na blitz à Brasilia, cujo cardápio deverá constar desde temas da desindustrialização do país - acelerada pelo aumento da importação de produtos que contém aço, como autopeças, carros e máquinas - à guerra fiscal entre os Estados e ao câmbio. Um ponto sensível listado na pauta são os estímulos do Planalto à Vale para montar siderúrgicas no país. Esses projetos são vistos com viés político e sem bases mercadológicas e econômica (rentabilidade do capital investido).
Os encontros devem começar com uma reunião com ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Pimentel, aliás, recentemente fez coro a reclamações de alguns consumidores nacionais de produtos siderúrgicos, denunciando que o aço brasileiro é muito caro em relação ao fabricado em outros países e que as margens das usinas locais são altas.
O apoio do ministro não caiu bem entre os empresários, que consideram que o ministro não está bem informado, por assessores, sobre os percalços enfrentados pela indústria. "Não estão levando em conta o câmbio valorizado do país e a elevada carga tributária que pesa sobre a indústria, entre outros fatores que afetam nossa competitividade frente a outros países", rebatem dirigentes das siderúrgicas.
Além do presidente do conselho do grupo Gerdau - segundo maior fabricante de aço no país -, a comitiva será encabeçada por André Gerdau, presidente da empresa e do conselho diretor do IABr, Wilson Brumer, da Usiminas, Albano Chagas Vieira, da Votorantim e vice-presidente do conselho da entidade, Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do IABr e executivos da ArcelorMittal Brasil, ThyssenKrupp CSA, Valourec, entre outras.
A entrada mais agressiva da Vale no setor, depois da saída de Roger Agnelli, criticado pelo ex-presidente da República Luis Inácio Lula da Silva por não acelerar projetos de usinas de aço no Pará e Ceará, é desaprovada com o seguinte argumento: a empresa vai contribuir para ampliar o excesso de capacidade de produção de aço no mundo que já passa de 530 milhões de toneladas. Esse volume significa cerca de um terço do consumo mundial.
No Brasil, aponta Melo Lopes, do IABr, a sobra de capacidade de produção das usinas em operação representa 53% da demanda doméstica. "Como exportar mais aço para um mercado global já saturado e com preços deprimidos?", questiona o executivo. Para agravar esse cenário, ele diz que as importações de bens fabricados em aço, principalmente da China são crescentes a cada ano. Podem ficar próximo de 5 milhões de toneladas neste ano.
Para Lopes, o que se precisa, de fato, são estímulos à expansão do mercado interno, levando o consumo per capita de 140 quilos por habitante ano a 250 ou 300 quilos. Na China, já passa de 400. O Chile supera o Brasil. "É disso e outros fatores que precisamos para investir mais no Brasil, aumentando a oferta à medida que consumo doméstico subir".
A Vale tem planejados investimentos em três projetos siderúrgicos - a Alpa, em Marabá (PA), a CSP, em Pecém (CE), e a CSU, no sul do Espírito Santo. os dois primeiro, conforme informou o presidente da empresa em entrevista recente ao Valor, serão levados á apreciação do conselho da companhia neste semestre. A CSU ainda está na fase de estudos conceitual e de engenharia, ao mesmo tempo que requer a licença prévia e ambiental. Na CSP, a Vale já tem como sócios declarados as sul-coreanas Posco e Dongkuk.
Lopes observa que montar um projeto, atraindo investidores externos, não é o grande problema e depois sair do empreendimento. O problema, reforça o executivo, é a Vale ser usada para alavancar projetos com viés político. "A expansão da capacidade de produção do setor deve levar em conta bases sustentáveis e tem de estar em linha com as regras de mercado", afirma. Alpa e CSU, ainda não contam, até o momento, com sócios definidos.
Os três projetos da Vale, se concretizados, vão adicionar produção de 10,5 milhões de toneladas a 13,5 milhões de toneladas de aço bruto por ano, a partir de 2014/2015. Com a ThyssenKrupp, a Vale montou, no Rio, a CSA, usina de 5 milhões de toneladas que começou a operar no ao passado. Na crise de 2008/09, a empresa teve de aportar mais R$ 2,6 bilhões para "salvar" o projeto, o qual vai consumir 8,5 milhões de toneladas de seu minério de ferro. Esse é o argumento da Vale para os investimentos: recuperar perda de mercado de minério no país.
Na lista de pontos a ser levada à presidente Dilma, estão isonomia competitiva (redução de juros, desoneração tributária dos investimentos, redução de custos trabalhistas e do custo de energia), crescimento do mercado e prevalência de regras de mercado. Não para por aí: inclui redução de tributos, aceleração de projetos de infraestrutura, prioridade a conteúdo nacional nas aquisições com recursos públicos, defesa comercial e apoio às exportações.
Se não houver uma mudança na forma como o governo enxerga a questão do aço no país, dizem, muitos dos investimentos previstos em novos projetos poderão ser afetados por falta de competitividade, principalmente para exportação. O poder de competição interna também começa a exaurir, afirmam, diante dos custos elevados da matérias-primas - minério de ferro (em torno de US$ 180 a tonelada) e carvão (mais de US$ 300), além de tarifa elevada da energia para o setor industrial.
No ano passado, a Usiminas cancelou usina de US$ 5 bilhões e preferiu investir em minério de ferro, energia e logística. A Cia. Siderúrgica Nacional (CSN) também só tem investido na mineração de ferro, onde as margens de rentabilidade são acima de 60%. "Essa movimentação é toda defensiva", rebate Lopes. Para ele, hoje há só dois blocos de empresas: as rentáveis, que verticalizaram a produção (do minério ao aço final, como CSN) e as não rentáveis, que têm de recorrer ao mercado dessas matérias-primas.
"Na última década, houve uma transferência enorme de ganho dentro da cadeia produtiva", informa o dirigente do IABr. Ele exemplifica: o percentual da margem de lucro da siderurgia baixou de 78% em 2000 para 28% em 2009. No mesmo período, o minério saiu de 15% para 41% e o carvão de 7% para 31%.
Na visão do IABr, "o aço brasileiro não é caro; o país é que caro". A entidade encomendou estudo no ano passado à uma consultoria internacional para mensurar o peso da carga tributária em vários países. O Brasil liderou. O peso dos impostos na bobina a quente de aço foi de 42%, subindo para 47% nos vergalhões.
Os dirigentes siderúrgicos vão reforçar que há uma carteira de investimentos do parque existente de US$ 30,7 bilhões até 2016, a qual pode acrescentar 13 milhões de toneladas de aço bruto. Além disso, haveria intenções de novos projetos que somam outros US$ 23 bilhões. Mas que precisam de estímulos (medidas de apoio), para se concretizar. Com esse leque de investimentos, a capacidade do setor iria a 72 milhões de toneladas dentro de cinco anos. "Se há receio de que vai faltar aço para sustentar o crescimento do país, isso não se justifica".
Lopes observa que o setor é intensivo em capital e que, sem margens adequadas de ganho, não tem como investir. "Não vemos senso a Vale entrar em um setor que está destruindo valor, com baixas margens e sofrendo a concorrência da importação - direta e indireta -, apenas porque é um desejo do governo".
Fonte:Valor Econômico/Ivo Ribeiro | De São Paulo
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