A empresa de logística VLI cobra, irregularmente, multas da estatal Valec que somam mais de R$ 583 milhões, por atuações relacionadas a acusações de atrasos em obras e passivos ambientais identificados na concessão do trecho norte da Ferrovia Norte-Sul, que a empresa assumiu em 2007. A afirmação consta de uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que analisou o contrato firmado entre o governo a VLI, para operar nos 720 km de linha férrea, entre Açailândia (MA) e Porto Nacional (TO).
A VLI pertence à mineradora Vale e às empresas Mitsui e Brookfield, além de ter uma participação do fundo FI-FGTS. A reportagem obteve a íntegra da auditoria, que conclui sobre as irregularidades mesmo após pedir explicações à VLI e à estatal Valec. O processo seria submetido aos ministros do tribunal no fim do ano passado, mas acabou sendo retirado de pauta e não voltou ao plenário até agora. A reportagem não obteve informações sobre o que levou ao adiamento da votação.
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“Na execução da auditoria constatou-se que as multas que vêm sendo cobradas da Valec pela FNS S.A. (nome da concessionária da VLI) por atraso na resolução de passivos ambientais e construtivos são irregulares”, afirma a auditoria, acrescentando que as autuações possuem “vício de forma e de competência”.
Segundo os auditores do TCU, a concessionária da VLI se baseia em aditivos firmados no “termo de entrega e recebimento” da ferrovia, e não em uma decisão devidamente assinada pela diretoria colegiada da Valec, que é a responsável pela concessão pública. Questionada sobre as autuações, a Valec confirmou que recorreu sobre as cobranças. Ao TCU, a estatal declarou que há “absoluta ilegalidade das incidências das multas” impostas pela VLI.
A estatal informou ainda que a VLI deixou de investir R$ 179 milhões na área de infraestrutura e mais R$ 679 milhões (data base de junho de 2016) na área operacional de seu trecho da Norte-Sul, conforme exigências contidas em seu contrato. A VLI, inclusive, foi notificada pela Valec sobre esses descumprimentos.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que fiscaliza o setor, informou à reportagem que, desde 2010, a VLI tem retido 20% do valor referente à terceira e última parcela do lance vencedor do leilão do tramo norte, o que corresponde R$ 73,910 milhões a preços históricos. Segundo a VLI informou à ANTT, restavam algumas pendências de obras de responsabilidade da Valec em trechos da concessão. Por isso, foi feita a retenção a título de “garantia da solução das pendências”.
A palavra da VLI
A VLI foi questionada sobre cada uma das irregularidades apontadas pelos auditores do TCU. Por meio de nota, a empresa afirmou que todas as obrigações da VLI e da Valec constam formalmente no edital da licitação e nos termos de entrega e recebimento da ferrovia e que qualquer pleito da empresa “sempre como objeto e alicerce tais documentos”.
A empresa afirmou que, para cada trecho a ser entregue pela Valec, “o edital já estabelecia uma data de entrega e penalidades em caso de descumprimento, o que ocorreu em todos eles”.
A VLI afirma que foram constatados e periciados defeitos construtivos nos trechos da concessão “que dificultam, até hoje, a produtividade completa no tramo norte licitado, embora não impacte em segurança operacional”. Esses defeitos, segundo a empresa, “após inúmeras tentativas junto a Valec para o adequado encaminhamento, ensejaram outra demanda judicial para que tais falhas sejam sanadas definitivamente”.
Devido à “demora na solução definitiva”, a VLI afirma que que já substituiu mais de 80 mil dormentes de concreto constatados com defeito construtivo, e identificou outros 100 mil que, segundo perícias, apresentarão defeitos semelhantes nos próximos anos. “A VLI também vem substituindo soldas nos trilhos identificados com defeitos construtivos pelas análises técnicas, já representando um número aproximado de 30 mil soldas, o que faz para garantir o trafego com segurança e sem prejuízos aos clientes e usuários da subconcessão.”
Na área ambiental, a empresa alega ainda que são necessárias intervenções decorrentes da construção e que seriam de responsabilidade da Valec, já assumidas pela estatal com o Ibama. “Em razão da não execução pela Valec, a VLI vem executando essas intervenções. Para tais, conforme estabelecido pela própria Valec em Termo de Compromisso firmado com o Ibama, a VLI deduz o custo do valor retido quando do pagamento da terceira e última parcela da outorga da subconcessão (20%), em comum acordo com a Valec e o órgão ambiental”.
Sobre o recebimento da ferrovia, informa que, quando recebeu os trechos, isso ocorreu fora das datas previstas no edital. “Eles ainda continham pendências de conclusão de obras devidamente listadas nos respectivos Termos de Entrega e Recebimento de cada trecho e fixando entre as partes novos prazos para a conclusão, sob possibilidade de novas penalidades em caso de descumprimento (o que também ocorre até o presente momento)”, declarou. “Isso garante à VLI pleitear tais cobranças com base no estabelecido no próprio edital pelos atrasos de entrega de cada trecho e também pelo descumprimento da execução das pendências de obras assumidas pela Valec e União nos respectivos Termos de Entrega e Recebimento.”
Em relação à frustração dos investimentos, a VLI declarou que mantém aportes regulares na concessão e que isso é objeto de fiscalizações regulares pela ANTT e Valec. “Apenas entre 2013 e 2017, foram mais de R$ 650 milhões investidos pela VLI na ferrovia, além disso, nos últimos anos o número de locomotivas que trafegam no trecho quase dobrou e a frota de vagões foi mais do que triplicada, o que comprova o cumprimento da VLI com suas obrigações contratuais e regulatórias.”
Sobre as conclusões do TCU, a empresa afirmou que o processo ainda se encontra em trâmite naquele órgão. “Não há acórdão nem decisão final.”
Fonte: Estadão