Eram largos os sorrisos em novembro de 2006 quando, numa cerimônia grandiosa realizada no Grande Salão do Povo, em Pequim, representantes do novo projeto da usina siderúrgica brasileira da ThyssenKrupp e o Citic Group chinês assinaram um contrato de € 270 milhões para a construção de uma unidade de carvão siderúrgico em uma localidade próxima ao Rio de Janeiro.
Para a ThyssenKrupp, a construção de uma nova usina de aço próxima das ricas jazidas brasileiras de minério de ferro era um investimento determinante, de tudo ou nada, pelo qual esperava manter a competitividade num momento de consolidação da siderurgia, que lançava poderosos novos concorrentes como a ArcelorMittal e a Tata Steel.
Para a Citic, o maior conglomerado industrial e financeiro chinês, a oportunidade de ter uma participação num projeto colossal como aquele era uma enorme cartada. Tratava-se, de longe, do maior contrato envolvendo uma unidade de carvão siderúrgico de todos os tempos conquistado por uma empresa chinesa. Para garantir o contrato, a Citic ofereceu um preço mais vantajoso que o da Uhde, construtora de usinas da própria Thyssen, e a diferença estava na casa de meados de dois dígitos de milhões de euros.
Cinco anos mais tarde, os sorrisos de Pequim representam uma distante reminiscência. A ThyssenKrupp está pleiteando indenização da Citic por atraso e supostamente, falhas na obra de construção da usina brasileira. Segundo o conglomerado alemão, esses problemas o teriam onerado com € 500 milhões em custos adicionais.
Passadas apenas algumas semanas depois do 200º aniversário da Krupp, a empresa alemã foi obrigada, em dezembro, a dar baixa contábil de € 2,1 bilhões em sua divisão de aço nas Americas, em grande medida devido aos problemas decorrentes da usina brasileira [Cia. Siderúrgica do Atlântico- CSA ]. O grupo preferiu não fazer novos comentários.
Os altos dirigentes da ThyssenKrupp ignoraram advertências, na época, de alguns membros do conselho supervisor sobre a delegação de uma obra crítica de construção a uma instituição comparativamente pouco conhecida, disse pessoa familiarizada com as discussões do conselho. "Se examinarem os prejuízos causados desde então pelo que [a Citic] construiu, se verá que ele é muitas vezes superior ao desconto oferecido pela Citic", afirmou.
Vários diretores da ThyssenKrupp deixaram a empresa depois de não ter conseguido assumir o controle dos problemas ocorridos no Brasil. Esse processo culminou, no início de dezembro, na decisão de Ekkehard Schulz, o ex-principal executivo de longo mandato que comandou a expansão brasileira, de se afastar do conselho supervisor da empresa no fim de 2011.
O conselho supervisor do grupo informou que, à luz da perda de € 2,1 bilhões, tinha solicitado aos advogados que analisassem se a empresa deveria mover pedidos de indenização contra os membros do conselho de direção, entre os quais Schulz.
A usina de aço da ThyssenKrupp no Brasil, o maior investimento industrial privado dos últimos dez anos no país, foi acossada desde o início por atrasos e estouros de orçamento que fizeram com que o investimento total subisse de € 3 bilhões para € 5,2 bilhões. Embora tenha sido oficialmente inaugurada pelo ex-presidente do país Luiz Inácio Lula da Silva, em junho de 2010, ainda não está operando de forma eficiente ou à plena capacidade devido, em grande medida, aos problemas verificados na coqueria (de carvão), que devia ter sido concluída em 2009 mas será inaugurada apenas em 2012.
O carvão siderúrgico é parte crucial do processo siderúrgico, e os problemas da ThyssenKrupp foram magnificados porque a coqueria é parte essencial do suprimento de energia da usina. Segundo pessoas próximas à ThyssenKrupp, os atrasos e os problemas de qualidade vieram à tona durante a construção e, em dezembro de 2009, a Uhde assumiu a responsabilidade por acabar o projeto e a Citic reduziu sua remuneração em cerca de € 100 milhões. No entanto, quando a ThyssenKrupp começou a operar a unidade, em setembro de 2010, identificou novos problemas graves.
A divisão sul-americana da ThyssenKrupp assumiu desde então mais de € 500 milhões em custos adicionais para a resolução dos problemas observados na coqueria, segundo estimativa interna. Mas considera-se que Heinrich Hiesinger, que tomou posse como principal executivo da empresa em janeiro de 2011, tenha dito aos diretores que o total dos custos decorrentes dos problemas com a unidade pode somar € 1,5 bilhão.
A ThyssenKrupp prevê que sua divisão Steel Americas informará mais um prejuízo para o ano como um todo no ano fiscal 2011-12.
O caso brasileiro é um fator de dispersão indesejado para Hiesinger, que, no início de 2011, lançou reformulação radical na ThyssenKrupp destinada a alienar divisões para baixar o endividamento e financiar o crescimento futuro.
A divisão sul-americana e a Citic realizaram conversações sobre indenização em que a Citic deu indícios de que está, em princípio, preparada para arcar com parte dos custos adicionais, segundo pessoa familiarizada com os assuntos da ThyssenKrupp. A Citic não respondeu às solicitações por seus comentários.
(Fonte: Valor Econômico/Por Chris Bryant | Financial Times/Colaborou Jamil Anderlini, de Pequim)
PUBLICIDADE