O ano de 2020 sinaliza um avanço no mercado de etanol brasileiro. A indústria nacional do setor se anima com a possibilidade de China, Índia e Filipinas passarem a adotar o E10, a gasolina com 10% de álcool. Outro potencial grande consumidor, a Tailândia, pode passar a utilizar um combustível com 20% de álcool.
O uso do etanol como alternativa energética mais limpa aos combustíveis fósseis é uma tendência mundial. Somente nestes quatro países asiáticos, a implantação do E10 e do E20 provocaria uma demanda adicional imediata de 19,4 bilhões de litros de etanol por ano.
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A última safra brasileira, encerrada em março, bateu recordes e atingiu 33,1 bilhões de litros. Ou seja, a Ásia, a partir do ano que vem, pode gerar uma demanda de mais de "meio Brasil" de etanol.
Produtores e agentes ligados ao mercado de etanol tratam a possível demanda asiático com cautela, porque ainda não é certo que os países ampliem o percentual de uso do biocombustível. "Mas somente essa sinalização já é extremamente positiva", afirma Plínio Nastari, CEO da consultoria Datagro e integrante do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética).
Segundo ele, mais do que um novo —e gigantesco— mercado para as exportações brasileiras, a abertura dos países asiáticos criaria um novo ambiente para a transferência de tecnologia e incontáveis benefícios indiretos.
"A Fiat/Chrysler, por exemplo, planejava abrir uma nova planta para o desenvolvimento de motores na China, mas mudou para Minas Gerais porque viu aqui o potencial de expansão da energia limpa", diz Nastari.
Porém, antes de pensar no mercado asiático, a indústria brasileira do etanol precisa arrumar a casa.
A produção, embora crescente, ainda não é suficiente para atender a demanda interna. Dos 33,1 bilhões de litros da última safra, apenas 1,7 bilhão (0,5%) foi exportado.
O país ainda precisa importar etanol —principalmente dos Estados Unidos, que tem produção excedente. No ano passado, foram 1,753 bilhão de litros comprados do exterior, o mesmo volume exportado na última safra.
Nastari diz que o mercado nacional ainda se recupera do período 2011/2014, quando houve controle de preços pela Petrobras, o que acabou pressionando os valores do etanol para baixo.
Uma ajuda para essa recuperação poderá vir do RenovaBio, nome dado à Política Nacional dos Biocombustíveis, que passará a vigorar em janeiro de 2020.
O principal objetivo é reduzir as emissões de gás carbônico, estimulando o aumento da produção e do consumo de energias renováveis.
A meta estabelecida pelo programa é que até 2029 a matriz de combustíveis do país terá de diminuir em 11% as emissões de gases poluentes em relação ao registrado em 2018, ano fixado como referência para o plano. Na média, a emissão chegou a 74,25 gramas de gás carbônico equivalente para cada megajoule de energia. O objetivo para daqui a dez anos é baixar a marca para 66,1.
"Essa é uma demanda do mercado. Os consumidores e os investidores querem combustíveis menos poluentes", diz o presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Evandro Gussi, ex-deputado federal, autor do projeto que criou o RenovaBio.
A usina que se inscrever no programa deverá ser certificada por uma firma inspetora, cadastrada na ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Na certificação, as usinas farão um inventário das emissões de carbono de suas operações, desde o manejo do plantio de cana até as emissões da frota de carros e caminhões da empresa.
A unidade inspecionada receberá um certificado com uma nota de eficiência energético-ambiental que poderá ser convertido em créditos de descarbonização —chamados de CBios—, que terão validade de três anos.
A quantidade de créditos leva em consideração o volume de etanol produzido. Cada CBio corresponde a uma tonelada de carbono que deixa de ir para a atmosfera com a utilização de biocombustível em lugar do combustível fóssil.
Na prática, o papel nada mais é que um lastro ambiental, que poderá ser negociado em bolsa e será uma nova fonte de receitas para as usinas.
Com o RenovaBio, a produção nacional de etanol deve aumentar para 48 bilhões de litros em 2029. Para isso, as usinas deverão investir de R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões na próxima década. "É animador, mas também um grande desafio", diz Gussi.
Como se o mercado do etanol já não tivesse os seus próprios obstáculos, há ainda um outro componente para tornar essa equação mais complexa: o açúcar. Nos últimos dois anos, a produção nacional de etanol só foi grande porque não estava sendo vantajoso produzir açúcar —subsídios do governo indiano para o açúcar local geraram uma superprodução que derrubou seu preço.
"As últimas safras estão mais alcooleiras porque não foi interessante produzir açúcar", resume Marcos Jank, professor sênior de agronegócio global do Insper.
Com os preços pouco remuneradores, o setor deixou de produzir quase 10 milhões de toneladas de açúcar e de exportar 8 milhões de toneladas na safra 2018/2019. Com isso, 64,3% da cana processada foi destinada ao etanol.
Fonte: Folha SP