Principais pressões vêm do governo de Mendoza, que intimou mineradora a apresentar detalhes do investimento de US$ 4,6 bi na exploração de cloreto de potássio
BUENOS AIRES - A Vale, que protagoniza na Argentina um investimento privado sem precedentes na história do país, de US$ 4,6 bilhões, está sendo alvo de uma saraivada de pressões por parte dos governos das províncias argentinas de Mendoza e Neuquén, além de empresários locais que serviriam de fornecedores e sindicatos de trabalhadores da área de construção civil e mineração.
As principais pressões provêm do governo de Mendoza, que intimou a Vale a apresentar todos os detalhes de seus planos de investimento - no total de US$ 4,6 bilhões, destinados à exploração de cloreto de potássio no município de Malargue - em um prazo máximo de 30 dias.
A determinação de intimar a Vale sobre o empreendimento, denominado Potássio Río Colorado, conta com o respaldo do governador Celso Jaque, um dos aliados do governo da presidente Cristina Kirchner.
Segundo Walter Vázquez, subsecretário de hidrocarbonetos da província, o governo deve auditar o cumprimento dos planos de investimento para que o Estado mendocino "saiba o que eles (a Vale) vão fazer e quando vão fazer. E, com essa informação, determinar quando (o governo de Mendoza) começa a receber os royalties".
Vázquez também ressaltou que a empresa terá que cumprir o "Compre mendocino", um programa provincial, assinado pelas empresas que investem em Mendoza, que implica na prioridade dos fornecedores locais. Além disso, o governo indica que a Vale não está cumprindo as normas que obrigam a empresa a contratar pelo menos 75% de trabalhadores mendocinos. Segundo Vázquez, a empresa teria contratado uma proporção menor de operários locais, ao redor de 60%.
Caso a Vale não cumpra o convênio do "Compre mendocino" e a cota de trabalhadores da província, o governo de Mendoza poderia cassar a concessão que a empresa recebeu para a exploração da mina de potássio. "O Código de Mineração é muito claro sobre isso", afirmou Vázquez. Segundo ele, a mineração "se não produz um efeito de distribuição da riqueza em todos os setores, mais além dos royalties, não serve".
As reclamações sobre o cumprimento do "compre mendocino" reuniu nesta semana na sede do governo na capital provincial fornecedores provinciais dos setores da metalomecânica e mineração, entre outros.
Além dos problemas em Mendoza, a Vale também tornou-se o alvo de reclamações da vizinha Neuquén (ao sul de Mendoza), onde o governador local, Jorge Sapag, cuja família controla há décadas a província, pretendia que a empresa contrate trabalhadores neuquinos. O argumento utilizado por Sapag é que várias empresas brasileiras que fazem trabalhos para a Vale nesta empreitada instalaram-se na cidade neuquina de Rincón de los Sauces. "O projeto de Rio Colorado não é mendocino, mas sim, regional", alega Sapag.
Coincidentemente, Sapag - que está em meio a um delicado clima político e social em Neuquén - tentará a reeleição para governador no dia 13 de junho.
Para complicar o imbróglio que transcorre no sopé da Cordilheira dos Andes, há uma semana integrantes da União de Operários da Construção Civil (Uocra) de Nequén fizeram piquetes nas estradas para impedir o movimento dos trabalhadores da neuquina Rincón de los Sauces a 70 quilômetros do outro lado da fronteira província, na mendocina Malargue, onde está a mina. Esses trabalhadores, segundo acusam os sindicalistas, foram levados pela Vale desde Mendoza e a cidade de Rosario, na província de Santa Fé.
Sindicatos
A Uocra é um dos sindicatos mais poderosos do país, rivalizando com o dos caminhoneiros. Seu líder é Gerardo Martinez, que há vários anos uma briga latente com o atual secretário-geral da Confederação Geral do Trabalho (CGT), Hugo Moyano, um aliado da presidente Cristina. Analistas consultados pelo Estado indicam que Martinez está na espera de voltar ao comando da CGT, cuja liderança ocupou na segunda metade dos anos 90. Uma forma de recuperar o poder que ostentou nos anos 90 é o de "marcar território" com ações como a de Mendoza e mostrar respaldo à presidente Cristina e seus aliados.
Ontem (quarta-feira), a Uocra protagonizou conflitos na província de Santa Cruz, feudo político da presidente Cristina. Os sindicalistas da construção civil espancaram docentes que protestavam contra o governador Daniel Peralta, aliado do governo Kirchner.
Investimento da Vale na Argentina
A mina de cloreto de potássio Rio Colorado, localizada no município de Malargüe, na área sul da província de Mendoza, no sopé da Cordilheira dos Andes, iniciaria sua produção em 2013, transformando a Argentina no quinto maior produtor mundial de potássio e o principal da América do Sul.
A previsão é que a mina produza inicialmente 2,4 milhões de toneladas por ano de potássio. A capacidade de Rio Colorado poderia aumentar para 4,35 milhões no futuro. A produção seria destinada primordialmente para a exportação, tendo o Brasil como um dos principais mercados, além da Índia, China e EUA.
A "Potásio Rio Colorado" foi adquirida pela Vale em 2009 da anglo-australiana Rio Tinto. Antes da entrada da empresa brasileira, a Rio Tinto já havia investido US$ 136 milhões em Malargüe. As obras básicas para a implantação da infraestrutura da mina começaram no ano passado. A previsão inicial é que estas obras durariam 30 meses.
As obras de instalação da mina de potássio em Malargüe incluem a construção de uma fábrica processadora na mesma área, um terminal portuário, além de uma usina termelétrica. Além disso, as obras englobam a construção de uma ferrovia de 360 quilômetros para unir Malargüe com Zapala. Esta cidade será ligada pela ferrovia Ferrosur com a cidade de General Cerri. Dali, a produção poderá ser levada até o porto de Bahía Blanca. O trecho entre Zapala e General Cerri, de 756 quilômetros, pertence à Loma Negra, empresa que foi comprada em meados da década pela brasileira Camargo Correa.
Segundo estimativas da Associação de Industriais Metalúrgicos de Mendoza (Asinmet), a construção da mina e as restantes obras envolvidas na operação demandariam um total de 17 mil toneladas de aço. Analistas calculam que o faturamento anual da mina poderia ser de US$ 720 milhões.
Investimentos brasileiros na Argentina
O ex-secretário de Indústria, Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb, sustenta que das 160 empresas brasileiras instaladas na Argentina, um total de 107 anunciaram investimentos entre 2002 e 2010 pelo valor de US$ 11,765 bilhões. Segundo o secretário da Indústria da Argentina, Eduardo Bianchi, "o Brasil transformou-se no primeiro investidor estrangeiro na Argentina".
As empresas brasileiras no país abrangem um amplo leque de investimentos que vão desde o cimento (Camargo Correa), têxtil (Santista, Santana, Coteminas), calçados (Paquetá), financeiro (Itaú e Banco do Brasil), petrolífero (Petrobrás), entre outros.
Os investimentos de empresas argentinas no Brasil - em setores variados como a indústria eólica, agropecuária e siderurgia - foram de US$ 4 bilhões ao longo dos últimos oito anos.
Fonte:Ariel Palacios, de O Estado de S. Paulo
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