Em novembro, a produção de petróleo na Venezuela cresceu pelo terceiro mês consecutivo, depois de um longo período em queda.
De acordo com a agência Reuters, o aumento foi de 20% em relação a outubro, quando a produção diária de barris da estatal venezuelana, a PDVSA, já havia aumentado de 644 mil em setembro para 687 mil, conforme os dados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
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Recentemente, diante da grave crise que o país atravessa e das sanções impostas pelos Estados Unidos, a produção e a exportação de óleo cru, tradicionais motores da economia do país e uma das principais fontes de financiamento do Estado, haviam caído a mínimas históricas.
Fontes do setor dizem que parte do desempenho positivo se deve à atuação da estatal de petróleo russa, que tem intermediado a venda de óleo cru venezuelano nos mercados asiáticos, e à retomada de pedidos por parte de empresas que haviam deixado de fazer negócios com a PDVSA depois que o governo de Donald Trump aumentou as sanções, em agosto.
Entre elas, estariam gigantes como a indiana Reliance e a espanhola Repsol, cujos pedidos ajudam a empresa a dar vazão aos estoques acumulados e a abrir espaço para um aumento na produção.
Quanto a Venezuela de fato produz?
Não existe um consenso sobre o número exato de barris que a estatal produz, diz Francisco Monaldi, especialista em política energética do Baker Institute.
O termômetro ao qual se recorre com mais frequência são os informes mensais da Opep, que recolhe tanto dados oficiais - em geral considerados superestimados - quanto informações de fontes secundárias que utilizam diferentes métodos de mensuração, incluindo a análise de imagens por satélite das rotas feitas pelos navios que transportam óleo cru.
Os dados obtidos pela agência Reuters com fontes do setor apontam para algo em torno de 920 mil barris por dia em novembro.
Para o economista Luis Oliveros, que acompanha a indústria petroleira venezuelana, "a produção total da PDVSA deve estar em torno de 1 milhão de barris diários, porque existe uma parte que não se computa no que é enviado à Opep".
O Ministério das Comunicações da Venezuela não respondeu aos pedidos de informações a respeito da produção feitos pela reportagem.
O impacto das sanções americanas
Independentemente da fonte, os números indicam uma tendência de alta após anos de queda na produção. Mas o patamar ainda está longe dos níveis registrados pela PDVSA em seus melhores anos, quando a Venezuela chegou a produzir 2,5 milhões de barris por dia.
Desde que a crise no país se intensificou, a empresa tem perdido capacidade produtiva por falta de investimentos e de manutenção, além da perda de pessoal qualificado.
A situação piorou a partir de janeiro, com as sanções americanas contra a PDVSA na tentativa de pressionar o governo de Nicolás Maduro. Foi naquele mês que o político opositor Juan Guaidó se autoproclamou presidente do país, dando início a uma crise política ainda sem solução na Venezuela.
As sanções foram ampliadas em agosto, com possibilidade de punição das empresas que eventualmente fizessem negócio com a estatal venezuelana. "Isso fez com que muitos mercados importantes para a Venezuela, como China e Índia, deixassem de comprar óleo cru do país", destaca Monaldi.
A Corporação Nacional de Petróleo da China (CNPC, na sigla em inglês) e a indiana Reliance foram alguns dos clientes antes assíduos que preferiram não se indispor com os americanos naquele momento e deixaram de negociar com a PDVSA.
"Houve casos em que os navios petroleiros já estavam em rota e acabaram não conseguindo descarregar o que transportavam no porto de destino", afirma o especialista da Baker Institute. "Na realidade, as sanções não dificultaram a produção, mas as exportações."
A retomada
Segundo Oliveros, o que teria acontecido agora é que a "PDVSA encontrou alguém para transportar e vender seu petróleo". No caso, a petroleira estatal russa, a Rosneft, que estariam ajudando a distribuir o produto na Ásia.
Os Estados Unidos não teriam interferido até então, na avaliação de Monaldi, porque a Rosneft é a segunda maior produtora global de petróleo e "os americanos não estariam dispostos a correr o risco de desestabilizar o mercado".
"Especialmente no momento atual, em que o país também impõe sanções ao Irã. Os russos estão apostando que podem seguir atuando dessa forma sem uma reação americana. É uma posição política que vai muito além da Venezuela", acrescenta.
Além disso, China, Índia e outros países teriam voltado a importar petróleo venezuelano apesar dos obstáculos colocados pelo governo americano. "Não há informação pública a respeito, mas tudo parece indicar que houve uma flexibilização na aplicação das sanções", diz o especialista do Baker Institute.
Parte das empresas que retomaram as negociações com a estatal, entretanto, poderia estar se beneficiando de isenções emitidas pela Agência de Controle de Ativos Estrangeiros dos Estados Unidos. Elas permitem algumas exceções às sanções - e que, em geral, não são divulgadas.
De qualquer forma, o aumento recente da produção de petróleo da Venezuela coincide com uma aparente mudança de enfoque de Trump em relação à questão.
Depois de reconhecer Guaidó como presidente interino do país em janeiro e de dizer em várias situações que "todas as opções estavam sobre a mesa" para tirar Maduro do poder, Washington mudou a frequência e a intensidade das declarações nos últimos meses.
E agora?
Monaldi descarta a retirada das sanções por parte dos Estados Unidos no curto prazo. Assim, o papel da Rosneft será determinante para que a tendência de retomada da produção se consolide nos próximos meses.
"Até agora, a Rosneft têm utilizado a receita com a venda de petróleo da PDVSA para diminuir a dívida que a companhia venezuelana tem com ela. A questão é o que a empresa fará quando esse passivo for completamente quitado", pondera.
Outra questão que tem sido levantada é a autonomia da PDVSA para operar seus próprios campos e distribuir o óleo cru. Apesar da aparente retomada, Monaldi qualifica como "desastrosa" a situação da companhia.
Fontes do setor, que falaram sob a condição de anonimato, apostam que o governo de Nicolás Maduro acabará propondo uma mudança na lei que permita que companhias estrangeiras que hoje atuam como empresas mistas em parceria com a PDVSA possam explorar os campos diretamente.
Isso possibilitaria que companhias como a americana Chevron, que se mantém na Venezuela graças a uma isenção especial das sanções que deve ser renovada a cada trimestre, pudessem intensificar sua atividade e contribuir para elevar a produção do país.
Fonte: G1