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A política de preços da Petrobras em xeque

Um governo impopular e fragilizado, com pouca capacidade de reação. Uma grande dependência do transporte rodoviário. A alta do dólar e do preço do barril do petróleo... É ampla a lista de elementos que contribuíram para criar e amplificar os efeitos da maior greve de caminhoneiros das últimas duas décadas.

E como elemento central nessa crise a política de preços da Petrobras.


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Colocada em prática em julho de 2017 pelo presidente da empresa, Pedro Parente, essa política determinou que os preços de derivados de petróleo comercializados pela empresa poderiam acompanhar diariamente as oscilações internacionais da cotação do óleo cru.

Segundo o governo, essa receita liberal adequou a empresa a práticas comuns do setor de petróleo e ajudou a recuperar seu valor da Petrobras.

Foi também um giro de 180° graus em relação à política de represamento de altas adotada pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff, que impôs à empresa um controle de preços para subsidiar os combustíveis e ajudar a conter a inflação. A política do governo petista tinha o mérito de segurar os preços, mas também resultou em contas bilionárias para a Petrobras, obrigada a arcar com a falta de paridade internacional.

O receituário liberal de Parente, num primeiro momento, serviu para recuperar prestígio da Petrobras no mercado. O valor das ações da empresa quadruplicou poucos meses após o anúncio. Há menos de duas semanas, o presidente Michel Temer chegou a afirmar que "salvou a vida" da Petrobras ao garantir que a empresa pudesse fixar preços sem interferência do governo.

O Planalto não levou em conta, no entanto, o impacto social dessa política, ainda mais num país tão dependente do transporte rodoviário, em que mais de 60% da carga transportada depende de caminhões.

Na teoria, os preços dos combustíveis poderiam variar para cima ou para baixo, a depender da conjuntura internacional. Mas, nos últimos meses, o viés foi de forte alta por causa da volatilidade do preço do petróleo, que atingiu o maior valor desde 2014.

E ainda restava o dólar. Poucos países que adotam a prática de paridade internacional do preço do petróleo têm moedas tão voláteis como o Brasil. Em abril, o real perdeu 5,2% do seu valor frente ao dólar. 

Com isso, estava formada a tempestade. Nos últimos 11 meses, o valor do diesel que abastece os caminhões saltou 56% na bomba. Caminhoneiros passaram a se queixar do valor e de reajustes frequentes, algumas vezes até cinco por semana. Empresários começaram a apontar que tanta flutuação impedia qualquer previsibilidade no planejamento.

Em 22 de maio, após dois dias sem agir enquanto a greve se espalhava, o governo pressionou Parente e interferiu na propagandeada política de independência da Petrobras. Parente anunciou um corte de 10% no preço do diesel, com validade de 15 dias.

Não foi suficiente para conter os caminhoneiros. E como efeito colateral, a medida assustou acionistas e investidores. O governo tentou argumentar que tal ação não era um congelamento, mas o mercado não entendeu assim.

Desde o início da crise, as ações preferenciais da Petrobras acumulam recuo de 29%, e a empresa perdeu algo como 100 bilhões de reais de valor de mercado, anulando parte dos esforços de recuperação do último ano.

Fragilizado, o governo acabou obrigado a se render aos caminhoneiros. No fim, prometeu ainda reduzir em 0,46 reais o preço do diesel nas bombas por 60 dias. Também sumiram os reajustes diários, e a revisão do preço do diesel passa a ser mensal.

O Planalto afirmou que a diferença do valor será arcada pela União. A subvenção deve consumir quase 5 bilhões de reais até dezembro. No domingo 27, o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, disse que tal "colchão" de compensação para a Petrobras pode virar uma política permanente. 

Uma crise previsível 

Para Jean-Paul Prates, presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia, o governo Temer insistiu demais numa receita radical, que acabou por se transformar em um dogma. "É como se quisessem fazer tudo de modo completamente oposto ao governo anterior. Mas o Brasil nunca teve essa cultura de reajustes em tempo real. A política anterior não era só da Dilma, ela vinha desde a década de 1950, passando pela ditadura e abertura democrática. Todos os governos praticaram algum tipo de administração na tarifa. Não se pode pular assim para outro extremo."

Segundo Prates, também é errada a visão de que economias mais desenvolvidas deixam os preços flutuarem livremente em caso de altas e que a Petrobras estava simplesmente seguindo uma tendência. Ele lembra que países como os EUA e a Alemanha contam com estoques estratégicos e que economias como a chilena têm impostos que funcionam como poupança para amortizar preços em episódios de alta. 

Os EUA contam normalmente com mais de 500 milhões de barris de reserva estratégica, que costuma ser liberada para segurar preços em casos de aumento súbito ou de desastres naturais, como furacões. A Alemanha, por lei, tem que armazenar petróleo suficiente para garantir o consumo por 90 dias. Não há nada comparável no Brasil.

Segundo Prates, a Petrobras não é uma "empresa normal" por causa da sua natureza estratégica e deve arcar com uma fatia das altas em momentos de volatilidade de curto prazo, embora de modo mais equilibrado e racional do que ocorreu no final do governo Dilma.

"Não é congelamento de preços, como a Venezuela ou Nigéria, mas atuar para amortecer e depois ser compensada. A cultura do frete do Brasil simplesmente não consegue funcionar com reajustes diários. Enquanto o petróleo não aumentou tanto, o governo não se deu conta da armadilha que estava criando".

Ele também aponta que o país deveria implementar a sério um imposto de amortização para tempos de alta. Em teoria, o país conta com tal mecanismo. É a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Só que na prática nunca funcionou assim. Em vez de usar os recursos para controlar o preço, o governo sempre direcionou os valores para outras áreas. E a perspectiva de que a contribuição seja usada da forma prevista ficou ainda mais distante. Para acalmar os caminhoneiros, Temer propôs zerar a alíquota até o fim do ano. 

Segundo Prates, baixar impostos é equivocado. "A Europa pratica uma taxação tão grande quando o Brasil. Taxar pesadamente combustíveis fósseis é necessário por causa de fatores ambientais e urbanos. Mas é preciso, sim, racionalizar, simplificar e usar melhor os impostos. Nesse ponto esquerda e direita podem concordar".

Fonte: Carta Capital






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