A comunidade de Aracruz, norte do Estado, onde o estaleiro da Jurong será construído, não vem sendo ouvida pela empresa e pela prefeitura do município. A denúncia é da Associação Capixaba de Proteção ao Meio Ambiente (Acapema). Segundo a ONG, uma audiência pública será realizada nesta quarta (9), em Santa Cruz, para discutir o empreendimento. Entretanto, a exemplo das demais audiências já realizadas, nenhum questionamento da sociedade é respondido nos debates.
“Nas últimas audiências nem o prefeito nem a empresa acenaram para qualquer projeto de infraestrutura para receber o empreendimento. Aqui a coisa vai mal, falta tudo, o povo questiona, mas eles insistem que estão prontos para receber o empreendimento”, declarou o ambientalista Mário Camillo, da ONG Acapema.
A informação na região é de que as audiências públicas vêm sendo realizadas às pressas para cumprir o cronograma de exigências para a implantação do estaleiro. Porém, ao serem realizadas, estas reuniões ganham força legal, o que, neste caso, vem sendo utilizado para legitimar supostas participação popular e legalidade do empreendimento na região.
Em Barra do Riacho, os pescadores afirmam que nem o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) se manifesta sobre os questionamentos da comunidade. Segundo eles, os técnicos do órgão que estiveram na região demonstraram que o empreendimento traria impactos ao meio ambiente e ao modo de vida da comunidade, mas mesmo assim o projeto foi aprovado pelo órgão.
Na prática, o estaleiro da Jurong possui Licença Prévia do Iema para se instalar na região. Mas, conforme denunciado pelas ONGs, tanto o laudo técnico do órgão quanto os alertas da sociedade e ambientalistas foram ignorados para a emissão da licença.
“Eles continuam insistindo na ilegalidade. As audiências, conforme são realizadas, burlam o que prevê a legislação, uma vez que a participação popular não ocorre de fato”, disse Mário Camilo.
Segundo o Mario Camillo, nos últimos dias a Barra do Riacho passou por uma forte crise no setor da saúde ao sofrer uma epidemia de dengue. “Os postos de saúde estavam todos fechados, não há estrutura”, ressaltou ele.
Mas a prefeitura de Aracruz garante que o município está apto a receber cerca de 5 mil trabalhadores que chegarão á região para participar da fase de construção do empreendimento. Isso apesar de não ter sido apresentado nenhum projeto para a região.
Omissão
Além de desconsiderar o laudo técnico do órgão e chamá-lo de imaturo, a direção do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) encurtou o processo de avaliação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), com prazo médio de um ano, para menos de dois meses, a fim de beneficiar o estaleiro da Jurong.
A medida visava a garantir a participação do estaleiro no processo de licitação da Petrobras, que se encerraria poucos dias antes do parecer do órgão, em março deste ano. Para isso, o órgão chegou a produzir uma carta, enviada ao Conselho Regional de Meio Ambiente (Conrema III), declarando total apoio á aprovação da Licença Prévia para o empreendimento. A pressão resultou em uma aprovação do conselho por 15 votos a 1.
Como benefício para a sua instalação, a empresa recebeu ainda uma área pública da prefeitura do município, conforme denúncia da ONG Acapema e da Associação de Empresas de Turismo de Aracruz (Aeta).
A denúncia, que está nas mãos do promotor Ronaldo Gonçalves de Assis, do Ministério Público Estadual (MPES) de Aracruz, diz respeito a um terreno que sediará o empreendimento na Barra do Sahy, em Aracruz, com 825mil metros quadrados.
A informação é que o prejuízo estimado do município com a doação foi de R$ 25 milhões.
Estaleiro
O estaleiro da Jurong tem sua implantação prevista para ocorrer em litoral rochoso constituído por concreções limoníticas (formações de arenitos), manguezais marítimos (manguinhos) e estuários com grandes extensões de manguezais preservados. É ainda local de reprodução de espécies raras e endêmicas (que só existem naquela região), área de distribuição e reprodução de espécies ameaçadas (cetáceos e quelônios), e situs geográfico de transição zoológica, botânica e geográfica de tropical para subtropical.
Na região, são registradas ocorrências de correntes ciclônicas de ressurgência, que, associadas à elevada biomassa de organismos plantônicos, cria condições especiais para reprodução da fauna, o que recebe o nome de Giro de Vitória.
Abriga bancos de algas calcárias e laminaria especiais, com flora considerada um ponto de alta diversidade, quando comparada com outros locais do litoral brasileiro, como Abrolhos. As entidades destacaram que, de todos estes situs no País, o mais importante é o do Espírito Santo, localizado entre Guarapari e São Mateus, sendo o de Aracruz o mais representativo.
Tamanha relevância ambiental fez com que há anos se iniciasse um debate sobre a necessidade de ser criada na região a Área de Proteção Ambiental (APA) das Algas e ainda o Refúgio de Vida Silvestre (Rebio) de Santa Cruz.
Entretanto, a criação das unidades vem sendo utilizada como moeda de troca entre governo e empresa para a efetivação do empreendimento sem o conhecimento das dezenas de ONGs propositoras do projeto de criação destas áreas.
Fonte: Século/Flavia Bernardes
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