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Conhecimento restrito

‘Know how’ de parceiros internacionais de estaleiros brasileiros não chega diretamente a empresas de engenharia - Diversos estaleiros brasileiros estão com uma carteira significativa de encomendas de navios petroleiros, barcos de apoio e sondas. Alguns deles inclusive fizeram parcerias ou têm sócios estrangeiros com o objetivo de garantir transferência tecnológica para o desenvolvimento da indústria naval brasileira e a capacitação de mão de obra local. Será que as empresas brasileiras de consultoria e engenharia naval participam desses avanços proporcionados pelo repasse de know how? O conhecimento se dissemina ou é restrito aos estaleiros?
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena), Floriano Pires, a tecnologia absorvida pelo estaleiro não necessariamente vai ser transferida para as empresas de engenharia. “Essa é uma das razões pelas quais ter um cluster do setor naval com atividades múltiplas é benéfico e necessário. Neste caso, são várias empresas prestando serviços umas para as outras, as pessoas mudam de emprego, então o conhecimento técnico se dissemina e se consolida. Mas não há um mecanismo direto onde o acordo entre o estaleiro x e o parceiro y vá gerar conhecimento para as empresas de projeto brasileiras”, diz Pires, que também é professor e doutor em Engenharia Oceânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Pires lembra também que o parceiro estrangeiro pode não ter interesse estratégico no país e vir para o Brasil para vender produtos e serviços, posicionando-se para atender a uma demanda que a indústria brasileira não ocupe. Por outro lado, continua ele, mesmo que a estratégia do parceiro seja investir conhecimento e aplicar sua expertise para melhorar a produtividade brasileira, o controlador do empreendimento deve ter sua própria estratégia de qualificação tecnológica. “O estaleiro que está iniciando ou modernizando algum processo deve ter uma estratégia clara e objetiva, que envolve implantação de processos tecnológicos, um processo de treinamento e formação de aprendizagem para que a transferência se dê. É muito produtivo e eficiente que existam essas parcerias, mas elas não vão resolver o problema se o estaleiro não tiver uma estratégia própria de qualificação”, afirma.
O diretor da Amec Kromav, Ricardo Vahia, é favorável à parceria, desde que seja para desenvolver novas tecnologias. “Achamos positivo se for para trazer novos desenvolvimentos construtivos e tecnológicos. O problema é quando essa parceria atua em uma área que seria da engenharia tradicional, que seria negativo e prejudicial ao nosso mercado”, opina.
Para o diretor da Ghenova Brasil, Rui Miguel de Sousa, mesmo limitando as oportunidades para as empresas de projeto, a transferência de tecnologia que grupos internacionais fazem com estaleiros é importante. “Ela ajuda a aumentar o espírito crítico dos estaleiros quanto aos serviços prestados pelas empresas nacionais. No nosso caso, é positivo porque já começamos a fazer parte desses grandes grupos devido ao trabalho realizado com alguns deles em outros mercados internacionais”, diz. A Ghenova Brasil atua no país desde 2010.
O presidente da Interocean Engenharia, Paulo Lemgruber, destaca que a propriedade de know-how deve ser um diferencial competitivo que os estaleiros buscam a fim de atender aos armadores de forma diferenciada e com novas soluções que gerem maior eficiência à operação da embarcação. Entretanto, ao mesmo tempo em que são agregadoras de conhecimento aos estaleiros, as parcerias podem gerar dependência destes a fornecedores de máquinas e equipamentos.
Apesar de a engenharia brasileira ter potencial para desenvolver projetos em todos os segmentos, as empresas nacionais têm concentrado seus serviços principalmente na área de detalhamento. Na área conceitual, boa parte dos projetos têm sido importada. Existem segmentos em que o país tem competência e experiência consolidada, mas em razão da padronização dos projetos, que são mundiais, e associados à disponibilidade de equipamentos produzidos no exterior, a participação das empresas brasileiras tem sido limitada. É o caso, por exemplo, dos barcos de apoio.
Embora o valor do projeto no total da embarcação seja pequeno — em torno de 5% —, a sua nacionalização é um pré-requisito para viabilizar a utilização de equipamentos nacionais, na avaliação de Pires. “Temos uma equação complicada: se não temos equipamentos nacionais, não podemos usá-los no projeto, mas se não tivermos um projeto nacionalizado, não vamos utilizar nada nacional. Então temos um problema que, para ser superado, precisaremos de algum tipo de empurrão”, diz ele, acrescentando que, para aumentar a participação brasileira são necessárias medidas de incentivo, como a contratação obrigatória no Brasil ou estabelecimento de metas de conteúdo local ou ainda de condições diferenciadas de financiamento em função do percentual de itens nacionais.
Para Lemgruber, a construção naval brasileira apresentou, nos últimos dez anos, um crescimento fenomenal alavancado pela demanda da Petrobras. Entretanto, o conhecimento no desenvolvimento de projetos de embarcações não acompanhou este crescimento. Isto ocorreu principalmente pela falta de incentivos governamentais às empresas do setor como, por exemplo, a não extensão de benefícios fiscais da construção naval às empresas de engenharia. “Não há qualquer tipo de barreira à atuação de empresas estrangeiras. Os benefícios fiscais de PIS/Cofins concedidos pelo governo federal aos estaleiros não são estendidos às empresas nacionais de engenharia naval. A carga tributária incidente sobre a compra de projeto estrangeiro é inexistente para embarcações inscritas no REB, gerando assim um incentivo tributário à importação”, lembra ele, acrescentando que, se o país não tiver uma engenharia genuinamente brasileira, o setor continuará dependente de tecnologia estrangeira.
Vahia, da Amec Kromav, reconhece que muitos serviços estrangeiros têm sido utilizados no país. Essa competição com os concorrentes estrangeiros tem obrigado as empresas nacionais a se capacitarem cada vez mais. “Já era esperado que o projeto básico desses drilling vessels que estão sendo feitos aqui em estaleiros novos fosse do exterior, mas havia grandes possibilidades de as empresas brasileiras desenvolverem a parte de detalhamento e isso não está sendo feito no total, diminuindo um pouco a nossa área de atuação. O que estamos fazendo é tentar nos capacitar e provar para o mercado nacional que se pode confiar no serviço das empresas tipicamente brasileiras”, diz.
A Amec, empresa especializada em consultoria, engenharia e gerenciamento de projetos para clientes nos mercados de petróleo e gás, adquiriu no ano passado 50% de participação da Kromav Engenharia, que passou a se chamar Amec Kromav. O objetivo é aliar a especialidade em engenharia da Kromav com a capacidade da Amec em desenvolver projetos de porte em nível internacional. “Nessa associação, a Amec disponibilizou todo know-how dela lá de fora, principalmente em áreas offshore. É uma maneira de ficarmos mais fortes para atender ao mercado nacional”.
Lemgruber diz que a Interocean está em constante aprimoramento de seu quadro técnico e ferramentas. Nos últimos anos foram comprados novos softwares de arquitetura naval, análise estrutural, detalhamento e para realização de planos de rigging. Os treinamentos são realizados anualmente com o objetivo de manter o conhecimento disseminado entre todos os integrantes da equipe. Estágios na Europa aos profissionais brasileiros, além de treinamento em ferramentas de desenho 3D e cálculo, têm sido oferecidos pela Ghenova.

Qualificação de recursos humanos também é primordial para o sucesso da engenharia naval. Os postos de trabalho exigem nível de educação mais elevado e geram salários mais altos. Pires, da Sobena, destaca que existem centros de excelência de formação de engenheiros de padrão internacionalmente reconhecido, mas essa base de profissionais precisa ser ampliada. “O número de engenheiros brasileiros é baixo e a quantidade de profissionais experientes em áreas especializadas como essa é muito menor por causa da estagnação. Se não conseguirmos fazer com que a engenharia avance junto com a indústria, a consolidação no longo prazo será complicada. O país que não tem engenharia, que é o cérebro do processo, tem certamente condições menos favoráveis de competição”, afirma o professor.     
O presidente da Interocean acrescenta que a abertura de novos empreendimentos navais tem demandado gestores qualificados e experientes. A equipe da companhia inclusive foi assediada por estas novas empresas, ocasionando rotatividade acima do histórico. “O gargalo de mão de obra qualificada é um entrave crônico no Brasil, especialmente no setor naval. O crescimento menos vertiginoso da indústria e a abertura de novos cursos de engenharia naval no Pará e Pernambuco, além do aumento do número de alunos na UFRJ e USP, acendem a perspectiva de que a escassez será normalizada no médio prazo”, acredita.
Vahia avalia que nos últimos anos os cursos de engenharia voltaram a ser atrativos para os que postulam uma vaga nas universidades. Mas ainda há carência de alguns perfis profissionais. “A juventude está vendo com bons olhos essa área técnica, o que não estava acontecendo muito na década de 90. Temos aqui um pessoal bem formado, falta às vezes um pouco de prática, mas eles são constantemente treinados. Ainda sentimos falta daquele engenheiro pleno, com 10 anos de formado, devido a esse gap que tivemos”, lembra.
A escassez de mão de obra já foi um gargalo maior, na opinião de Vieira, da Ghenova. Segundo o executivo, já tem sido mais fácil encontrar engenheiros e projetistas. “Para evitar esse gargalo do ano retrasado, fomos diretamente às universidades e fizemos acordos com elas. Muitos jovens profissionais se interessaram pela Ghenova e vieram fazer estágios na Europa e no Brasil”. Os nichos de mercado da empresa são a engenharia de detalhamento e a consultoria técnica a estaleiros e armadores, mas a companhia também é capacitada para o desenvolvimento de projeto básico. Vieira revela que a empresa já tem, inclusive, várias propostas relevantes nesta área. Atualmente os serviços de cálculos técnicos e específicos têm sido os mais demandados pelos clientes da Ghenova Brasil.
Para o executivo, o mercado brasileiro já esteve bem mais aquecido e a demanda já foi maior, mas inúmeros contratos que estavam sendo esperados não aconteceram. Ainda assim, as expectativas são positivas. “Há uma clara desaceleração. Mesmo assim, há muitas empresas nacionais e internacionais chegando ao Brasil, fazendo a competitividade aumentar. Além disso, parece que as novas licitações da Petrobras para navios de apoio podem animar o mercado”.
Nos próximos anos, a perspectiva da empresa é consolidar sua presença no país e diversificar as atividades, buscando se inserir no mercado offshore. “Para reforçar a nossa posição constituímos nos últimos dois anos filiais na Holanda e Noruega, junto com sócios locais que contam com grande experiência no setor offshore. Este conhecimento, somado ao já adquirido pela matriz na Espanha, faz com que a companhia esteja pronta para oferecer os seus serviços ao mercado offshore brasileiro”, conclui.
Com 24 anos de atuação no mercado, a Interocean atua desde o projeto conceitual das embarcações até os documentos construtivos aos estaleiros. A empresa se especializou no desenvolvimento de embarcações de médio porte que operam na navegação interior, apoio portuário, apoio à exploração offshore de óleo e gás, além de terminais portuários flutuantes. A empresa tem atuado fortemente no mercado de transporte de granel sólido com emprego de terminais de transbordo.
Para Lemgruber, o mercado naval brasileiro apresenta um potencial espetacular a ser atendido não apenas na demanda do pré-sal, mas também naquela gerada pelo aumento do volume de carga transportado em hidrovias e por cabotagem. “A matriz de transporte brasileira deve se adequar à racionalidade de movimentação de cargas, sendo operações de produtos de baixo valor agregado e de longo curso através do modal hidroviário”, afirma.
Na Amec Kromav, as expectativas de mercado estão atreladas aos investimentos feitos pela Petrobras. A companhia espera que surjam novos operadores de petróleo para abrir oportunidades de negócios. “Esperamos que existam novos players que venham também criar essa demanda. Mas o mercado ainda vai crescer bastante, temos esse otimismo de que, a partir de 2014, a situação vai melhorar”. A companhia tem contratos com o Cenpes de apoio ao desenvolvimento de projeto básico de plataformas e FPSOs. Serviços de detalhamento para navios também têm sido feitos pela Amec Kromav. A intenção da companhia é atuar tanto na área naval como em offshore.
Enquanto algumas empresas conquistaram seu espaço na área de engenharia naval, outras mudaram um pouco os planos devido à dificuldade do mercado. É o caso, por exemplo, da Naval Consult, em operação desde 1986, no estado do Espírito Santo. “Quando comecei, queria fazer [projeto], mas vi que não tinha mercado. Na época, havia uma necessidade grande de um respaldo técnico maior nos portos. Percebi nessa falta de profissionais uma oportunidade”, diz o diretor da companhia, Celso Medeiros.
Atualmente a empresa tem focado seus serviços em duas vertentes: carga e navios. Consultoria no que diz respeito a carregamentos, perícia em navios sobre danos de colisão e avarias, pré-compra de embarcações, inspeções de afretamento de navios, nas quais são relatadas as condições em que a embarcação está sendo entregue, são alguns dos serviços oferecidos pela Naval Consult atualmente.  
“Eu gostava de projeto, mas não consegui desenvolver. Foi extremamente decepcionante. Em contrapartida, essa outra área estava florescendo. Não havia engenheiro naval quando nos instalamos aqui, então esse foi o nicho de mercado que encontrei”, explica Medeiros. O executivo destaca ainda que, há alguns anos, a lucratividade do trabalho era maior que hoje. “Continuamos com serviços, mas não são tão rentáveis quanto antes. Trabalhamos mais e sobra menos”, finaliza.

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