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Cresce número de incidentes com petróleo em alto-mar

10/12/2010 - Segundo a indústria petrolífera, a trágica explosão da plataforma Deepwater Horizon, no Golfo do México, foi um evento isolado, fruto de uma série de deslizes sem precedentes que dificilmente se repetirão. Não é o que sugere a história recente da exploração de petróleo em alto-mar.

Nos meses que antecederam e se seguiram ao acidente, que matou 11 pessoas e lançou milhões de barris de petróleo nas águas do golfo, o setor foi palco de vários derramamentos graves e alarmantes quase-acidentes, alguns deles muitíssimo parecidos com o ocorrido na Deepwater Horizon.

Um acidente na costa australiana deixou petróleo vazando por semanas no Mar do Timor. Um poço fora de controle no Golfo do México deslocou um equipamento de duas toneladas no convés da plataforma Lorris Bouzigard, para grande susto dos operários. No Mar do Norte, no litoral da Noruega, o vazamento de gás a bordo de uma plataforma de produção por pouco não causou uma tragédia das proporções da Deepwater Horizon.

Dados de entidades reguladoras do mundo todo sugerem que, após anos avançando, a segurança de operações de exploração em alto-mar piorou nos últimos dois anos.

O Wall Street Journal analisou estatísticas de quatro países com grandes indústrias de perfuração em alto-mar e sistemas modernos de regulamentação: Estados Unidos, Grã-Bretanha, Noruega e Austrália (um quinto, o Brasil, não disponibilizou os dados). Embora cada país use um método distinto para medir a perda do controle de poços ou derramamentos, a tendência que revelam é semelhante.

Em atividades de perfuração no trecho americano do Golfo do México houve, em 2009, 28 registros importantes de derramamento de petróleo, vazamento de gás ou incidentes em que trabalhadores perderam o controle de um poço. É 4% a mais do que em 2008, 56% a mais do que em 2007 e cerca de 65% a mais do que em 2006. Se computado o número de horas trabalhadas em plataformas em alto-mar, o ritmo dos incidentes subiu todos os anos de 2006 a 2009.

A agência de saúde e segurança no trabalho do Reino Unido registrou 85 vazamentos sérios de petróleo e gás no ano encerrado em 31 de março, 39% a mais do que no anterior. Computado o total de horas trabalhadas em alto-mar, foi o maior índice desde 2004-05.

Na Noruega, houve 37 vazamentos de petróleo e gás e "incidentes em poços" em 2009, segundo o órgão regulador da atividade no país. É 48% a mais do que em 2008 - e o maior nível desde 2003. O índice de incidentes da Noruega por homem-hora subiu 42% em 2009, para o maior patamar desde 2005.

No primeiro semestre do ano na Austrália, houve 23 derramamentos de petróleo, vazamentos de gás e incidentes que ameaçaram a ruptura de um poço, segundo a Autoridade Nacional de Segurança do Petróleo Offshore. É quase o total de incidentes do gênero em 2009 (24). Computadas as horas trabalhadas, a taxa de incidentes mais do que dobrou desde 2005.

"Por que a segurança na indústria offshore parece estar se deteriorando?", pergunta Jane Cutler, ex-executiva do setor e, hoje, diretora da autoridade reguladora da Austrália. Sua resposta: "As pessoas esquecem de ter medo."

O Instituto Americano do Petróleo (API), que representa a indústria petrolífera dos EUA, pede cautela na leitura das estatísticas. "Tirar conclusões generalizadas a partir de uma análise limitada dos dados não serve de nada", declarou o instituto num comunicado. No passado, especialistas do API chamaram atenção para dados que indicariam que a ficha do setor está melhorando - como um declínio constante no volume de petróleo derramado a cada ano.

"Não acredito que haja um surto (...) de acidentes", diz Lee Hunt, presidente da Associação Internacional de Empresas de Perfuração. "E quando algo ocorre, é comum vermos um alto nível de competência na resolução do problema."

Seja como for, as empresas que operam poços ao redor do mundo estão reexaminando seus procedimentos, em grande parte devido ao medo de que um erro qualquer possa levar a um oneroso desastre. A BP PLC calcula que o vazamento no golfo custará à empresa e aos parceiros (donos do poço que explodiu) US$ 40 bilhões.

Há várias explicações possíveis para a recente onda de problemas. Investigações sobre a plataforma Deepwater Horizon e outros incidentes recentes ressaltam a dificuldade do setor para achar e reter trabalhadores qualificados, sua luta para equilibrar prioridades de segurança com a necessidade de lucro e lapsos ocasionais devido à regulamentação frouxa. Esses desafios só se intensificam à medida que as petrolíferas testam os limites da tecnologia e da experiência em águas mais profundas, ambientes mais hostis e jazidas de petróleo mais complexas, dizem os investigadores.

Não obstante, o investimento na exploração em águas profundas está acelerando. Perfurar nelas é crucial para saciar a crescente sede de combustível do mundo. O potencial retorno - lucro para acionistas de petrolíferas, arrecadação de impostos, emprego e independência energética para o país - é grande demais para conter o avanço dessa atividade.

Depois da explosão na Deepwater Horizon, representantes do setor e autoridades prometeram tomar medidas para prevenir outro desastre. Novas regras para o Golfo do México estão sendo elaboradas. EUA e Europa estão desenvolvendo novos sistemas de resposta rápida para conter vazamentos de petróleo em alto-mar.

A confiança do setor na própria capacidade de operar com segurança instalações de exploração de petróleo e gás no mar segue basicamente inabalada. A Deepwater Horizon "foi um incidente isolado", diz Erik Milito, um direotr do API. "Não acreditamos que haja um problema sistêmico no setor."

O setor aponta para o longo histórico de 50.000 poços perfurados no Golfo do México sem uma catástrofe similar à registrada no início deste ano.

Certos especialistas afirmam, no entanto, que dados como esses mascaram o desafio cada vez maior da exploração em alto-mar. A cada ano, a atividade fica mais complexa, pois locais de fácil perfuração já foram explorados. A maioria daqueles 50.000 poços eram fáceis se comparados ao da Deepwater Horizon.

O engenheiro David M. Pritchard, consultor na área de petróleo, estudou um banco de dados de 5.000 poços no Golfo do México de 1993 para cá - classificados pela dificuldade de perfuração. Pritchard buscou estruturas no mínimo tão complexas quanto a que a Deepwater Horizon tentava perfurar. Achou 43.

"Qual o verdadeiro risco de que ocorra um erro catastrófico? É de 1 em 50.000 ou agora é de 1 em 43?", pergunta Pritchard. Seu medo é que o setor esteja simplesmente fechando os olhos para os riscos que enfrenta.

O API diz estar analisando o estudo de Pritchard como parte de um vasto exame de questões ligadas a poços em águas profundas e deve soltar recomendações no próximo ano.

A Deepwater Horizon não foi a única plataforma de petróleo em alto-mar a ter problemas recentemente. Vários incidentes menos divulgados lançam luz sobre a crescente luta do setor para controlar riscos nessas operações.

Em 19 de abril de 2009, quase um ano antes do acidente na Deepwater Horizon, outra plataforma no Golfo do México - a Lorris Bouzigard, da Noble Corp. - foi sacudida por um violento estouro. Uma bolha de gás explosivo subiu pela tubulação e deslocou, na plataforma, um equipamento de duas toneladas, segundo revelou a investigação posterior das autoridades. Com muito esforço, a situação foi controlada. Ninguém saiu ferido. Assim como na Deepwater Horizon, a investigação do governo americano concluiu que houve demora na detecção do gás que subia pela tubulação, em parte porque as telas de computador da sala de controle não estavam configuradas para mostrar os problemas claramente. Além disso, trabalhadores da dona do poço, a LLOG Exploration Co., tinham mudado de última hora um procedimento, eliminando uma etapa que poderia ter retirado o gás do poço.

O vice-presidente de perfuração da LLOG, Bob McMann, diz que a empresa está de acordo com a maioria das conclusões da investigação. Segundo ele, o incidente "não chegou nem perto" de ser um grande desastre, e atribui ao treinamento e capacidade dos trabalhadores a rápida solução da situação. A Noble não quis comentar o incidente.

Meses depois, do outro lado do mundo, o pessoal de outra plataforma não conseguiu conter um grande problema. Em 21 de agosto de 2009, uma empresa tailandesa que perfurava no Mar do Timor 650 quilômetros a oeste de Darwin, na Austrália, perdeu o controle de um poço de petróleo em perfuração. Durante seis semanas, o poço lançou centenas de barris de petróleo por dia no mar. O fogo destruiu a plataforma, com prejuízos estimados em US$ 150 milhões.

Um relatório do governo australiano divulgado no mês passado acusou a estatal PTT PCL, envolvida na operação, de deficiências "generalizadas e sistêmicas".

Jane Cutler, da agência reguladora na Austrália, atribui o acidente da PTT à "incompetência de operários, funcionários e empreiteiras". A PTT reconheceu as "deficiências" e prometeu renovar o compromisso com a segurança das operações, segundo um comunicado.

A indústria e seus defensores observam que nenhum desses incidentes se equiparou ao da Deepwater Horizon em escopo ou prejuízo. Aliás, dizem, serviram para mostrar como, na maioria dos casos, procedimentos e tecnologias existentes evitaram o pior ou contiveram o estrago.

Certos especialistas dizem que a onda de acidentes mostra que o da Deepwater Horizon não foi um evento isolado e que, ao descrever o desastre como um "evento de baixa probabilidade e alta consequência", o setor fecha os olhos para a probabilidade de que esse tipo de acidente se repita.

Fonte: Valor Econômico/Russell Gold e Ben Casselman | The Wall Street Journal






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