Apesar do momento favorável para o setor de eletroeletrônicos, fornecedores lamentam ausência de política de incentivos para cadeia produtiva
Mercado aquecido, promissor, aumento de demanda. As expectativas para o setor de eletroeletrônicos destinados à área marítima apontam para um cenário otimista nos próximos anos. A assinatura de contratos e o lançamento de novos produtos animam o segmento. Mas apesar do momento favorável, a ausência de uma política de incentivos para a cadeia produtiva é ainda, para os fornecedores, o fator que impede um maior volume de vendas.
“Chega-se a cerca de 70% de conteúdo global de um navio apenas com aço. Navipeças está toda fora e então deixamos de fornecer cerca de quatro mil a cinco mil itens para dentro do navio”, lamenta o gerente regional da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) no Rio de Janeiro, Paulo Sérgio Galvão, destacando que a política de conteúdo local gera empregos, movimenta a economia, além de proporcionar a arrecadação de mais tributos.
Na avaliação de Galvão, os fornecedores brasileiros continuam perdendo competitividade em função da preferência dos estaleiros em adquirir pacotes fechados de equipamentos, já que têm isenção nos impostos. “Eles [os estaleiros] têm essa possibilidade porque o governo entendeu que precisava estimular e recuperar a indústria naval brasileira, o que é justo. Mas não adianta recuperar só a fabricação de cascos, tem que recuperar toda a cadeia produtiva de navipeças”, afirma, batendo na tecla que se tornou um mantra para os fabricantes de navipeças.
A Abinee tem realizado discussões junto aos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e de Minas e Energia sobre a inclusão da cadeia produtiva na exigência de conteúdo local. A associação pleiteia que a medição do índice seja por sistemas ou por famílias de produtos na área naval, assim como acontecerá na área de Exploração e Produção a partir das compras para os blocos adquiridos na sétima rodada de licitações. “Meus cinco sistemas vão ter que ter comprovação de que têm 60% de conteúdo nacional. Daí terão que comprar o sistema fragmentado”, diz. Das 10 áreas setoriais trabalhadas pela Abinee, cinco delas fornecem às indústrias de petróleo e gás e naval: automação industrial, material elétrico, telecomunicações, instrumentação e controle e medição fiscal.
“O armador quer que o conteúdo seja nacional, mas quer o preço internacional. Ele quer comprar um navio feito no Brasil, com produtos brasileiros, mas quer pagar o preço que ele pagaria na China ou na Coreia, aí inviabiliza”, constata o diretor comercial da JRC, Carlos Eduardo Pereira. O sócio e diretor da SKM, Álvaro Kuabara, também menciona que a dificuldade de oferecer soluções completas às embarcações prejudica os negócios das pequenas e médias empresas. “É necessário o incentivo ao desenvolvimento de uma cadeia produtiva que possibilite o fornecimento de pacotes tecnológica e financeiramente viáveis para fazermos frente aos fornecedores estrangeiros”, avalia ele.
Apesar de ainda não ter conseguido transformar as negociações em ações produtivas, a Abinee acredita que o país está caminhando para ter uma política de conteúdo local bem estruturada. “É uma curva de aprendizagem, isso não é para se eternizar, é para viabilizar este acesso a esses segmentos industriais e ter a criação de incentivos para a compra nacional. São critérios como esses que permitem que tenhamos um diferencial em relação aos países europeus”, opina.
A isenção de impostos de importação exerce uma forte influência na decisão dos estaleiros e consequentemente a cadeia de fornecedores de subprodutos perde competitividade. “Em alguns casos podemos encontrar situações em que os preços dos subprodutos que compõem nossos equipamentos chegam a ser três vezes mais elevados do que os de nossa casa matriz”, revela o gerente da unidade de negócios Marine da Ingeteam, Henry Didjurgeit. A empresa fabrica, entre outros equipamentos, motores elétricos marítimos para propulsão, grupos geradores e conversores de frequência. Com origem na Espanha, a Ingeteam mantém uma fábrica em São Paulo, que está instalada desde 1999.
Para Kuabara, as políticas adotadas no país ainda não foram efetivas para uma cadeia produtiva eficiente. “Se houver um incentivo maior por parte do governo com linhas de créditos específicas, teremos a capacidade de desenvolver no Brasil produtos de excelente qualidade e com preço competitivo”, acredita ele. O executivo destaca também que o segmento eletroeletrônico já conta com componentes de primeira linha fabricados no Brasil e diversas “ilhas de excelência” que desenvolvem tecnologias para o setor aplicado à industrial naval.
O gerente de telecomunicações da Onixsat, Igor Falcão, também concorda que ações governamentais, como a redução de impostos, alavancariam ainda mais o crescimento do setor. Outra preocupação da Onixsat, que oferece produtos e serviços em comunicação via satélite, é a entrada no mercado de empresas cujos equipamentos não são certificados e homologados junto à Agência Nacional de Telecomunicações. “Estas empresas piratas se arriscam com produtos que não oferecem segurança ao armador e prejudicam a imagem do mercado, além de não recolherem os devidos impostos”, reclama o gerente de telecomunicações da Onixsat, Igor Falcão. Representante no Brasil de parceiros internacionais, como a Inmarsat e Iridium, a companhia tem mais de 80 itens de equipamentos fabricados no país.
Com o aquecimento do mercado marítimo no país, a demanda por equipamentos com tecnologia de ponta tem aumentado. Por isso, as empresas têm investido em pesquisa e desenvolvimento de novas soluções. De acordo com Falcão, a Onixsat prevê para este ano o lançamento de diversos produtos. Um deles é o OnixNáuticoIDP, um equipamento que permite o envio de mensagem de texto livre via satélite com baixo custo de comunicação. “A tecnologia oferece aos usuários mais liberdade de comunicação e potencializa o monitoramento. Será lançado neste mês de março”, afirma.
Tecnologia e inovação também fazem parte do posicionamento estratégico do Grupo Ingeteam, que contabiliza investimentos acima de € 29 milhões por ano para esta área. “A evolução da eletrônica nos últimos anos tem avançado muito com o objetivo de trazer maior performance, segurança, eficiência energética e ambiental”, diz Didjurgeit.
Novas linhas de quadros elétricos para embarcações são a aposta da Schneider Electric para 2012. “Vamos lançar uma plataforma de automação completa para navios, que abrange os sistemas de PMS e AMS, além de automação de propulsão e sistemas de segurança CFTV e controle de acesso”, avisa o gerente de Contas Estratégicas do segmento naval da companhia, Paulo Henrique de Souza. Segundo o executivo, o mercado tem aumentado suas exigências em relação à segurança, confiabilidade e economia de energia dos navios. Recentemente, a companhia lançou o quadro elétrico de baixa tensão MB301, um painel exclusivo para o mercado naval, produzido no Brasil para atender às demandas por QEP (Quadro Elétrico Principal) e QEE (Quadro Elétrico de Emergência). Souza ressalta que a demanda de equipamentos elétricos vem aumentando consideravelmente nos últimos cinco anos.
Muito tem se falado em embarcações cada vez mais ecológicas e os eletroeletrônicos podem ter sua parcela de contribuição nos novos navios. O grande poluente de um navio convencional são os gases resultantes da queima do óleo diesel dos motores de propulsão e dos grupos geradores diesel. Kuabara, da SKM, afirma que a tendência atual para propulsão dos navios offshore é a utilização de sistemas de propulsão diesel-elétrica, na qual a propulsão é implementada por motores elétricos e os motores a combustão interna são utilizados para a geração de energia.
Soluções como a propulsão diesel elétrico, complementa Didjurgeit, reduzem em até 30% o consumo de combustível, o que traz economia operacional e diminuição das emissões de gases. “Além de reduzir os impactos ambientais, este sistema é muito mais preciso e seguro em operações próximas às plataformas usando motores elétricos controlados por conversores de frequência e o custo de manutenção é reduzido.”
Outro sistema importante nas embarcações visando a torná-las mais ecológicas, lembra Kuabara, é o sistema de águas servidas responsável pelo tratamento de todo o esgoto gerado no navio. Falcão, da Onixsat, conta que a empresa comercializa sensores e atuadores que permitem verificar a forma que a embarcação está sendo comandada e a partir daí é possível montar planos que reduzam a emissão de carbono e otimizem as rotas e operações.
Em função das inovações tecnológicas, o treinamento do quadro técnico das empresas é uma etapa importante. Na JRC, que representa fabricantes internacionais de equipamentos de comunicação e navegação, viagens periódicas são realizadas para Estados Unidos, Japão e Europa sempre que há novidades — que, segundo Pereira, são constantes. “Anteriormente um radar ficava de cinco a dez anos em linha de produção. Hoje o modelo muda rapidamente, até porque os componentes mudam, a evolução é forte”, comenta.
Para construir os conversores no Brasil, projetados e desenvolvidos especificamente para uso marítimo, a equipe técnica brasileira da Ingeteam recebeu treinamento por um período superior a seis meses na Espanha. Além disso, a empresa também oferece anualmente a seus clientes formação para tripulação com conhecimentos de automação e eletrônica de potência, tornando os usuários capacitados e autossuficientes nas tarefas de manutenção e reparação em caso de avarias.
As filiais localizadas em Curitiba (PR) e Vitória (ES) prestam serviços comerciais, suporte técnico e treinamentos de capacitação de seus clientes, nos distintos produtos e segmentos que o grupo atua.
A SKM também oferece treinamento para as tecnologias desenvolvidas pela própria companhia e pelos parceiros. Para atender ao crescimento da demanda e as eventuais perdas de profissionais para o mercado, a SKM tem também um programa de desenvolvimento de mão de obra. De acordo com Kuabara, a atividade é direcionada a jovens recém-formados nos cursos técnicos de eletrônica e eletrotécnica que apresentaram um bom desempenho durante o curso. Pelo período de um ano, eles passam por diversas áreas da empresa e são alocados posteriormente nos setores que tiverem a maior demanda para então iniciar uma segunda etapa do programa com o desenvolvimento específico na área em que foram alocados.
Além do provimento de novas tecnologias, fornecedores e representantes de eletroeletrônicos têm um mercado cativo também na reposição de peças, na manutenção e na modernização dos equipamentos. Na JRC, segundo Pereira, a parte de serviços representa 50% no montante do negócio da companhia. Através de depósito nos Estados Unidos e na Europa, o material solicitado pode chegar ao Brasil, em média, em 24 horas.
Na SKM, esta área é responsável por 60% do faturamento. A empresa, inclusive, nasceu da necessidade de manutenção dos navios da Marinha do Brasil, que enfrentavam dificuldades de reposição de peças sobressalentes. “A SKM mantém estoque de peças para os produtos que ela desenvolve e fornece. Preferencialmente, utilizamos produtos nacionais nos projetos e os próprios fornecedores possuem seus estoques, o que contribui para aumentar a disponibilidade e o imediatismo de entrega”, conta Kuabara, ressaltando que a companhia garante a disponibilidade local de peças, além da equipe técnica em qualquer região do país em 24 horas. Este também é o prazo para o atendimento das demandas da OnixSat, que conta com mais de 30 canais de suporte nos principais portos brasileiros.
A Schneider Electric possui um programa de treinamento dedicado à manutenção, assistência técnica e upgrade de sistemas embarcados mundialmente. Uma divisão global da empresa é dedicada a oferecer assistência técnica 24 horas onde quer que o navio esteja. Souza diz ainda que a companhia também oferece contratos de manutenção para garantir a funcionalidade dos seus equipamentos instalados a bordo e soluções de diagnóstico e adequação que permitem antecipar futuros problemas.
— Percebemos uma grande evolução do mercado neste sentido e os clientes estão cada vez mais preocupados com todo o ciclo de vida das soluções que fornecemos. Diante deste cenário, vemos a venda de serviços cada vez mais representativa dentro de nosso negócio e o crescimento da sua participação dentro de nosso faturamento como uma tendência para os próximos anos —, estima Souza.
Pereira destaca que a JRC vem conseguindo crescer ao longo dos anos e espera para este ano um faturamento 30% maior que o do ano passado. “O investimento tem tido retorno, acredito que este vai ser um ano muito bom e imagino que permaneça assim por um período”, prevê. Atualmente, a JRC é a responsável pelo fornecimento dos sistemas de navegação e comunicação de 19 navios para a Transpetro.
Em função da demanda, a companhia pretende fortalecer a sua área offshore e por isso firmou parceria com a Alfatron, da Holanda, que fornece pacotes completos para navios desse tipo. Com filiais no Rio de Janeiro e em Santos, a companhia vislumbra a possibilidade de instalar uma base em Macaé, no estado do Rio de Janeiro, para atender a esta demanda.
Quem também pensa em ampliação das instalações em razão dos novos contratos é a SKM. Sistemas de automação e de controle de propulsão para PSVs em construção no Brasil estão entre as encomendas mais recentes. Para este ano, a SKM negocia com diversos estaleiros o fornecimento de quadros elétricos e outros sistemas para diversas aplicações a bordo de navios. “Estas encomendas geraram uma carteira de pedidos maior que a esperada e a SKM já está trabalhando em um novo plano de negócios para ampliar a sua capacidade fabril”, diz o diretor, lembrando também que os pedidos de quadros elétricos principais, auxiliares e de emergência feitos pela Marinha no final do ano passado contribuíram para aumentar o número de contratos. A companhia também vislumbra a possibilidade de parcerias internacionais. “Temos sido procurados por empresas estrangeiras interessadas em parceria para montar e nacionalizar equipamentos eletroeletrônicos no Brasil.”
As perspectivas para este setor, na avaliação de Didjurgeit, da Ingeteam, também são promissoras. “Com os investimentos realizados no nosso parque fabril, acreditamos que teremos possibilidades de aumentar o conteúdo local e sermos mais competitivos para os projetos existentes”. Para Souza, da Schneider, ainda há forte concorrência internacional para os produtos eletrônicos, visto que a maioria dos escritórios de projetos de embarcações está fora do Brasil, e já possuem suas soluções concebidas há algum tempo.
No entanto, acredita ele, a tendência é de que esta demanda migre naturalmente para os fornecedores nacionais. “As encomendas nos estaleiros brasileiros já superam a marca de 300 embarcações contratadas para serem construídas por aqui, e nós da Schneider Electric Brasil estamos preparados para absorver esta migração e atender à grande demanda prevista para os próximos anos”, conclui. Com 65 anos de atividades no país, a Schneider conta com nove fábricas e 13 filiais comerciais. n