No curto ciclo de uma década, a indústria naval brasileira renasceu, mal viveu sua infância e já está agonizando. Pelo País, o cenário é desolador: capim crescendo nos estaleiros, guindastes parados, desemprego em escalada e muitos processos de recuperação judicial e falência na Justiça. Pelas contas do Sinaval (sindicato das empresas do setor), apenas 12 empreendimentos têm encomendas em carteira, de um total de 42 que faziam parte da propalada ressurreição da atividade. Pernambuco resiste, mantendo vivos os dois estaleiros mais modernos do parque nacional (Atlântico Sul e Vard Promar), mas sem escapar do cancelamento de contratos e da ameaça de importação de navios sem pagamento de impostos.
“Faltou consistência estratégica na proposta de retomada da indústria naval, que foi baseada numa visão de curto prazo, ancorada na Petrobras como indutora da atividade e sem se preocupar com metas de produtividade e com um programa real de qualificação de mão de obra. Outro problema foi a falta de racionalidade na decisão de onde construir os novos estaleiros, analisando se haveria demanda para tantas plantas e o que cada uma poderia produzir”, alerta Floriano Pires Júnior, professor do programa de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ e um dos maiores especialistas do setor no País.
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Em 2003, o então presidente Lula decidiu que queria ver a bandeira verde-amarela tremulando nos navios da frota brasileira. O argumento era reduzir o gasto anual de US$ 2,5 bilhões da Petrobras com o afretamento de embarcações e incentivar o ressurgimento de uma indústria que contrata muita mão de obra. Deu a Sérgio Machado (indicado pelo PMDB) a presidência da Transpetro e a missão de peregrinar pela Ásia e Europa para estudar a construção naval no mundo. Ele voltou com o escopo do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), que ia contratar 49 navios aos estaleiros nacionais.
O projeto fomentou um investimento de R$ 25 bilhões na modernização de plantas antigas e na construção de novos empreendimentos. A proposta também era descentralizar o mapa do setor, espalhando estaleiros para além da tradicional praça do Rio de Janeiro. Em 2007 foram assinados os primeiros contratos de construção dos navios. Em Pernambuco, a partida foi cheia de percalços. O Estaleiro Atlântico Sul (EAS) saiu do chão ao mesmo tempo em que as embarcações eram construídas. Pessoas com baixa escolaridade passaram por reforço em português e matemática para ocupar vagas na empresa. Cortadores de cana, donas de casa e ambulantes viraram operários da construção naval. O primeiro navio (João Cândido) foi entregue à Transpetro com dois anos de atraso e muitas horas de retrabalho. A ineficiência resultou em multa e suspensão temporária dos contratos. O parceiro tecnológico e sócio coreano Samsung deixou o negócio em 2012.
CORRUPÇÃO
Em 2014 vieram as investigações da Operação Lava Jato e a descoberta de um forte esquema de pagamento de propina na Petrobras e em empresas com participação na estatal, como a Sete Brasil. Criada para contratar 29 navios-sonda a estaleiros brasileiros, a Sete Brasil virou uma espécie de filial do Petrolão. Hoje está em processo de Recuperação Judicial e deixou dívidas com as indústrias que haviam começado a construir as sondas, a exemplo do EAS, e levaram calote. Também levaram prejuízo estaleiros que já nasceram sem encomendas, como o Enseada do Paraguaçu (BA) e o Jurong Aracruz (ES). Os dois mal conseguiram concluir suas obras e estão sem carteira porque estavam no pacote da Sete.
Acusado de receber propina no esquema de corrupção da Petrobras, Sérgio Machado deixou a presidência da Transpetro, virou delator e denunciou mais de 20 políticos. Várias empreiteiras controladoras de estaleiros, a exemplo da Queiroz Galvão e Camargo Corrêa no EAS, integraram o rol de investigadas na Lava Jato. A corrupção na Petrobras reverberou no Promef. No ano passado, a Transpetro confirmou o cancelamento de 17 contratos de navios com os estaleiros Atlântico Sul (7) e Vard Promar, em Pernambuco, e Eisa Petro-Um (8), no Rio de Janeiro, sob o argumento da necessidade de fazer desinvestimento. O programa que ia contratar 49 navios encolheu para 23 e acendeu o sinal vermelho no setor.
“A indústria naval é sustentada por três pilares: reserva de bandeira nacional, demanda da Petrobras e conteúdo local. Todos eles estão ameaçados. Temos lutado para mostrar que é um erro acabar com essa indústria, porque muito dinheiro foi investido. E agora vai fechar os estaleiros? Os países que têm uma indústria naval forte levaram 30 anos para chegar nesse estágio, enquanto no Brasil a gente vive de soluços, com 10 anos de obras e 10 anos sem. A gente está trabalhando para que não morra, mas é uma batalha difícil porque o governo não vai investir no setor”, diz o vice-presidente do Sinaval, Sérgio Bacci.
Na avaliação de Floriano Pires, o setor não pode mais esperar pela Petrobras. “Estamos falando de uma empresa de petróleo e não em uma agência de política industrial. No mundo, a indústria naval recebeu ajuda do governo, mas só até avançar na curva de aprendizagem, que durou entre 10 e 20 anos, nos casos da Coreia do Sul e da China. Depois andaram com as próprias pernas. Não tem milagre. Para sobreviver o governo precisa ter uma política industrial clara e os estaleiros serem competitivos”, afirma.
Fonte: JC Online