Foto: Izilda França
Com as ótimas perspectivas do setor de petróleo e gás, cresce debate sobre participação nacional na indústria naval
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A exploração das reservas petrolíferas da camada pré-sal no litoral brasileiro pode ser uma grande oportunidade para desenvolver toda a cadeia produtiva do setor de óleo e gás do país. Neste contexto, a indústria naval doméstica também espera se beneficiar com a exploração
dessa riqueza nacional, o que tem gerado acalorados debates em torno do conteúdo local a ser exigido nas embarcações ligadas ao setor. “Hoje, como não há uma determinação legal definindo quanto os navios devem ter de produtos e serviços nacionais, a participação da indústria brasileira é ínfima”, afirma Paulo Sérgio Galvão, diretor regional da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).
César Prata, presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais e Offshore da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), também afirma que a indústria nacional tem uma participação muito pequena no segmento de construção naval para o setor petrolífero. “Temos uma grande oportunidade nas mãos de criar empregos e existe o risco de que não a aproveitemos. Até agora, a indústria naval no Brasil gerou muito mais empregos lá fora do que aqui no país”, diz. Galvão e Prata participaram, com representantes do governo, de entidades empresariais e representantes da cadeia produtiva do seminário “Conteúdo local no setor de petróleo & gás”, organizado pela Abimaq em São Paulo, no dia 6 de julho.
As expectativas em torno do crescimento do setor petrolífero se justificam: estima-se que a camada do pré-sal guarde o equivalente a cerca de 1,6 trilhão de metros cúbicos de gás e óleo. O número supera em mais de cinco vezes as reservas atuais do país. Somente no campo de Tupi (porção fluminense da Bacia de Santos), pode haver cerca de 10 bilhões de barris de petróleo, isto é suficiente para elevar as reservas de petróleo e gás da Petrobras em até 60%. Caso a expectativa seja confirmada, o Brasil ficaria entre os seis países que possuem as maiores reservas de petróleo de todo o planeta, atrás somente de Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait e Emirados Árabes.
No seminário, ficou claro que os empresários e profissionais ligados ao setor petrolífero acreditam que esta será uma oportunidade para fortalecer a indústria doméstica, incrementar a tecnologia nacional e gerar empregos. Para que isso ocorra, as indústrias nacionais precisam estar em condições de competir com os fornecedores estrangeiros. “O Brasil precisa de uma agenda de competitividade. Com as novas reservas, precisaremos de tudo: plataformas, serviços, equipamentos e navios. A indústria nacional precisa estar preparada para aproveitar essa oportunidade. Senão estiver, os outros aproveitarão”, afirma Marcelo Mafra Borges de Macedo, chefe da Coordenadoria de Conteúdo Local da ANP (Agência Nacional do Petróleo).
Dificuldades. Segundo César Prata, da Abimaq, existe uma série de entraves para que a indústria local participe dos novos projetos. Apesar de a Petrobras exigir conteúdo local em suas licitações e o BNDES também o fazer quando libera empréstimos para o setor de construção naval, Prata acredita que a participação nacional, na prática, ainda é muito baixa. “Com a justificativa de que alguns tipos de equipamentos não podem ser fornecidos por fabricantes brasileiros, o cálculo do conteúdo local é feito com bases muito baixas. Em geral, as placas de aço e a mão de obra já cobrem a exigência de 70% de conteúdo local”, explica.
Paulo Sérgio Galvão, da Abinee, reforça que, mesmo com as exigências atuais da Petrobras, a indústria nacional tem fornecido principalmente produtos de menor valor agregado para a construção naval. “Temos visto os navios lançados no Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef) que têm índices de conteúdo local acima de 65%. Na realidade, o aço e os serviços já cobrem esses percentuais. Existem outros seis mil itens dentro de um navio que não são fornecidos pela indústria nacional. É preciso aperfeiçoar a política brasileira de conteúdo local”, diz.
A Transpetro lançou no início de julho, no Estaleiro Mauá, em Niterói (RJ), o quarto navio do Promef. Com 183 metros de comprimento e 48,3 mil toneladas de porte bruto, o navio — batizado Rômulo Almeida — será usado para o transporte de derivados claros de petróleo, como gasolina e diesel. A embarcação terá um índice de nacionalização de 72%, acima do patamar mínimo estabelecido para o Promef, que é de 65%. Até o fim de 2011, dois outros navios do Promef serão lançados ao mar e três serão entregues à Transpetro para o início de operação. Até 2015, estarão concluídos os 49 navios do programa. Com isso, a frota da empresa, hoje com 53 navios, superará o número de 110 embarcações. Um dos principais projetos estruturantes do PAC, o Promef já contratou 41 embarcações em suas duas primeiras fases, com investimento total de R$ 9,6 bilhões.
Certificação. Outro problema, na visão de Prata, é que não há exigência de certificação de conteúdo local no setor de construção naval, como já ocorre nas áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural. “Como não existe exigência de certificação, fica fácil distorcer os números. Com uma ‘maquiagem contábil’, muitas empresas atingem o percentual exigido nas licitações da Petrobras e nos financiamentos. Isso dificulta que os fornecedores brasileiros realmente sejam beneficiados pelas medidas dessas instituições”, afirma. Thereza Moreira, gerente comercial da SGS do Brasil, explica que “somente a certificação pode mostrar quanto existe de ‘Brasil’ em cada bem ou serviço e ela é muito importante para garantir que os níveis exigidos estejam sendo cumpridos”.
Para Jorge Luiz Freitas, coordenador de Conteúdo Local E&P, da Petrobras, as empresas do setor de petróleo e gás devem buscar a certificação de conteúdo local, mesmo nos casos em que não haja exigência legal. “Sempre devemos destacar a importância da certificação. É a melhor forma de mostrar quanto um bem tem de ‘Brasil’, não há outra maneira eficiente. Temos que seguir a cartilha da ANP e apresentar a certificação. A Petrobras ainda não tem o compromisso de exigir a certificação nas etapas de operação (somente na produção e exploração), apenas pedimos em alguns casos especiais”, explica.
De acordo com César Prata, existe realmente uma parte dos navios que devem continuar a ser importados porque a indústria nacional não produz e não tem intenção de produzir tais equipamentos localmente. “Há um pedaço do navio que sempre será importado, porque o empresário não tem interesse em fabricar aqui devido ao tamanho reduzido do mercado. Como exemplo, cito os motores de grande porte (movidos a óleo pesado) e equipamentos de navegação e comunicação de uso naval, como GPS, radares e antenas, entre outros”, diz.
Prata lembra que o Brasil já tem tradição de mais de 50 anos na fabricação de outros itens que são utilizados pela indústria naval, mas que esses setores estão praticamente fora do mercado por falta de competitividade da indústria nacional. “No país, fabricam-se tubos, válvulas, caldeiras, compressores, móveis, ventiladores, trocadores de calor, guinchos e outros equipamentos para navios. Mas, sem uma política de defesa comercial, além de mudanças no câmbio e nos juros, o empresário doméstico não consegue ser competitivo e não conseguirá participar do mercado que está em expansão”, acredita. Prata também aponta os regimes tributários especiais (Repetro e REB) como nocivos à indústria brasileira. “Estes regimes tributários induzem à importação e são um verdadeiro crime contra a criação de empregos”.
O Repetro é um regime aduaneiro especial que permite a importação de equipamentos específicos, para serem utilizados diretamente nas atividades de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural, sem a incidência dos tributos federais (II, IPI, PIS e Cofins), além do adicional de frete para renovação da marinha mercante. Já o REB (Registro Especial Brasileiro) foi criado como um segundo registro doméstico para propiciar aos armadores brasileiros determinados benefícios comerciais, fiscais e de trabalho aos quais fariam jus sob as bandeiras de conveniência. As embarcações registradas desfrutam de um número considerável de benefícios fiscais com relação a construção, conversão, modernização e reparos, bem como demais vantagens relacionadas a seguro e resseguro, tripulação, guarnição, preço de combustíveis e acordos trabalhistas.
Cautela. André Jacques de Paiva Leite, vice-presidente da petroleira norueguesa Statoil no Brasil, avalia que uma ampliação da política de conteúdo local na cadeia de petróleo e gás, que traga aumento dos níveis exigidos atualmente, pode atrasar o desenvolvimento do setor. “Existem lacunas na indústria brasileira que podem atrasar o setor, caso as exigências de conteúdo local se tornem mais rigorosas. Acho que o desafio é conseguirmos manter as regras atuais, mesmo com a ampliação de produção. É preciso que haja programas de desenvolvimento industrial para que as nossas indústrias possam competir em igualdade com as concorrentes. Hoje, vemos que a indústria doméstica ainda contribui mais nas áreas de menor valor agregado”, diz.
Para Jorge Luiz Freitas, coordenador de Conteúdo Local E&P, da Petrobras, a exploração das reservas da camada pré-sal deve ser encarada como uma oportunidade para resgatar milhões de brasileiros da pobreza, mas não se deve perder de vista a competitividade das operações. “Temos compromissos com a ANP para maximizar o conteúdo local, mas sem jogar dinheiro fora, sempre com bases competitivas e sustentáveis”, acredita.