As mudanças propostas pelo governo nas regras da política de conteúdo local viraram alvo de um debate acirrado no setor de óleo e gás. Petroleiras e membros da cadeia fornecedora de bens e serviços divergem sobre pontos importantes e travam uma disputa nas discussões em torno das novas diretrizes do conteúdo local.
Uma das principais divergências está na intenção do governo de retirar os percentuais mínimos de nacionalização dos critérios de pontuação das empresas nos leilões de blocos exploratórios - um pleito antigo das petroleiras, que já foram multadas em cerca R$ 570 milhões pelo descumprimento dos índices de conteúdo local.
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Na avaliação da indústria, a retirada dos índices de conteúdo local como fator de pontuação reduz os incentivos para que as petroleiras ofertem sempre os índices mais atrativos.
Recentemente, a cadeia fornecedora se uniu e formou uma grande associação, composta por sete entidades representativas do setor e federações da indústria de sete Estados, para traçar uma estratégia unificada em defesa do conteúdo local. O grupo, que inclui associações como Abimaq (máquinas e equipamentos) e Sinaval (estaleiros), se reuniu esta semana com representantes do governo para discutir o assunto.
Os fornecedores questionam a volta do conceito de "conteúdo local global", presente nas primeiras licitações da Agência Nacional de Petróleo (ANP). A medida reduz as complexidades da atual política de conteúdo local, um item recorrente da agenda do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP).
Desde a 7ª Rodada, a ANP exigia compromissos específicos para uma série de itens e subitens. Na 13ª Rodada, as petroleiras tiveram de apresentar índices de conteúdo local para 47 subitens. Para um determinando bloco, o governo podia exigir percentuais mínimos de 10% para afretamento de sondas e de 100% para dutos, por exemplo. Agora, as petroleiras ganham mais liberdade e passam a ter de cumprir percentuais mínimos para o projeto como um todo.
Para Karine Fragoso, gerente de Petróleo e Gás na Firjan, o conteúdo local global não dá, à indústria, a previsibilidade quanto às encomendas futuras. Os fornecedores sugeriram ao governo que as petroleiras tenham de assumir percentuais mínimos para cinco macro-segmentos (infraestrutura, serviços, máquinas e equipamentos, sistemas e engenharia de projetos). Isso já representaria certa simplificação em relação à tabela atual com dezenas de subitens.
"O conteúdo global transfere para a operadora uma responsabilidade que é do Estado, que é definir que segmentos que precisam ser desenvolvidos. É preciso definir que segmentos devem ser alavancados. Isso estimula a escala necessária para a indústria", disse.
Já o presidente da Abimaq, José Velloso, teme que a flexibilização das regras contribua para desmobilizar a capacidade instalada da indústria nacional, que recebeu investimentos de US$ 60 bilhões nos últimos anos, para atender às regras de conteúdo local.
"Existe hoje uma carteira de US$ 250 bilhões a serem contratados em equipamentos para plataformas de projetos que estão entrando em fase de desenvolvimento. São projetos que foram leiloados no passado. Se os compromissos de conteúdo local já assumidos não forem cumpridos, a imagem que fica para os investidores é terrível", afirma Velloso.
O governo só pretende divulgar os percentuais de conteúdo local da 14ª Rodada em janeiro. As petroleiras alegam, contudo, que a redução do conteúdo local não se traduz, necessariamente, em perdas para a economia. De acordo com um estudo do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEE/UFRJ), em parceria com o IBP, a aceleração dos leilões do pré-sal compensaria os efeitos de um conteúdo local menor.
O estudo mostra que, se o conteúdo local fosse reduzido de 63% para 43%, mas o governo aumentasse de 30 bilhões para 50 bilhões de barris a oferta de reservas de petróleo do pré-sal, a indústria de óleo e gás geraria 61 mil empregos diretos e indiretos a mais; e impostos US$ 2,9 bilhões superiores em meados da década de 2030.
Fonte: Valor