Cenário promissor incentiva grupos estrangeiros a se firmarem como sócios ou parceiros de estaleiros nacionais
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Desde o ano passado, diversos grupos estrangeiros vieram para o Brasil para se firmar como sócios ou parceiros técnicos com estaleiros nacionais. Kawasaki Heavy Industries, Toyo Engineering Corporation, Fincantieri Oil & Gas e o Ishikawajima-Harima Heavy Industries (IHI) são algumas das empresas que chegaram. Para os agentes do setor, as empresas estrangeiras têm percebido o cenário promissor do mercado brasileiro de construção naval e offshore e, por isso, estão buscando oportunidades no país.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav), Augusto Mendonça, destaca que o país assiste a um movimento de vinda das japonesas ao país, mas não acredita que seja uma motivação individual das empresas. “Particularmente acho que deve ter algum movimento governamental por trás disso, porque é uma coincidência estarmos vendo três empresas japonesas se instalarem no Brasil ao mesmo tempo, mas é um movimento interessante. Não tenho dúvida de que o mercado de construção naval e offshore e de embarcações de apoio no Brasil tem demanda e vai ser por longo prazo”, diz o dirigente.
Em maio do ano passado, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Fernando Pimentel, visitou o Japão e se reuniu com os ministros da Economia, Comércio e Indústria e o da Terra, Infraestrutura, Transporte e Turismo do país. O objetivo do encontro foi estreitar as relações econômicas bilaterais, através de trocas de opiniões com as autoridades japonesas sobre a melhoria do ambiente de negócios, para aumentar o comércio e os investimentos bilaterais. A construção naval foi um dos temas tratados pelas autoridades.
Na ocasião, Pimentel e o ministro japonês da Terra, Infraestrutura, Transportes e Turismo, Takeshi Maeda, assinaram um documento que prevê transferência de tecnologia entre os dois países na área naval. Com validade prevista de cinco anos, o memorando é, segundo o ministério, “parte do esforço brasileiro para importar e desenvolver tecnologia em um setor que deverá passar por grandes transformações com o início da exploração da camada de petróleo do pré-sal”.
Mendonça cita também outros grupos que decidiram se instalar em terras brasileiras, bem como outros que preferiram não se firmar no país. “O Sembcorp tem dois estaleiros aqui, o Keppel e o Jurong. Eles tiveram a visão [da oportunidade], vieram e estão operando. Os coreanos tiveram toda a oportunidade de vir e não quiseram, não acreditaram. É o caso da Samsung, no EAS, e Hyundai na OSX. A Daewoo foi uma companhia que conversou com várias empresas no Brasil e também não veio e agora estamos assistindo a esse movimento japonês”, lista.
Um dos mais recentes a chegar como sócio foi a IHI Corporation, que fechou, através de sua subsidiária Japan EAS Investimentos e Participações Ltda. (JEI), a compra de 25% do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), instalado em Suape, no estado de Pernambuco. Segundo a IHI, um dos seus desafios é desenvolver a indústria da construção naval brasileira através da transferência de tecnologia e know how. O investimento inicial foi de R$ 201 milhões e a companhia buscará aumentar sua participação acionária para um terço até o final do ano.
Os 25% atuais dos japoneses estão divididos entre a IHI, com 60%, Japan Gasoline Company (JGC), com 25%, e a Japan Marine United (JMU), com 15%. Inicialmente com 50% de participação cada uma, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão contam agora com 37,45% de participação cada uma. A aquisição de uma fatia do EAS marca o retorno da IHI ao Brasil. A companhia permaneceu no país por 35 anos — de 1959 a 1994 — no Rio de Janeiro através do Ishikawajima do Brasil Estaleiro S.A. (Ishibras).
A parceria técnica entre o EAS e a IHI foi anunciada em junho do ano passado. A aproximação teve início após a saída da Samsung, sócia e consultora técnica do estaleiro, que aconteceu em março de 2012. Muito se especulou sobre as razões que fizeram a coreana romper com a sociedade. Um deles seria a insatisfação com a pequena fatia de 6% no empreendimento. O grupo não teria então aceitado transferir sua tecnologia. Encontrar um novo sócio com know how na construção naval era uma das condições impostas pela Transpetro para a retomada da encomenda de 12 navios ao estaleiro, que havia sido suspensa desde maio de 2012. O contrato foi reativado no último mês de maio. O EAS tem em carteira 20 petroleiros, obras de integração da plataforma P-62 e sete navios-sonda para a Sete Brasil.
E será que o estaleiro terá sucesso com o novo sócio? Para o sócio administrador da Verax Consultoria, Emerson Colin, a parceria com o IHI pode não dar certo. “Não há garantia nenhuma. A experiência do Ishikawagima não existe mais, as pessoas não estão mais lá, a documentação não está mais, a tecnologia é outra, é tudo diferente. Se olharmos os construtores navais japoneses, estão todos muito ruins financeiramente”, constata o executivo.
Na avaliação de Colin, mais do que uma necessidade mercadológica, a formação de parcerias tem visado atender uma demanda da Petrobras. “Por algum motivo, eles enxergam que só assim funciona. Não só a Petrobras, mas o governo federal tem um pouco desse tipo de postura. Para certas coisas eles têm uma descrença absurda nos brasileiros e acham que tem que se juntar com alguém para fazer. Às vezes pode ser bom, depende do parceiro. Não é porque é estrangeiro que é bom e, mesmo sendo bom, vide o caso da Samsung, não quer dizer que a parceria vai funcionar”, alerta ele.
O professor Floriano Pires também concorda que esse tipo de parceria é importante para acelerar o processo de aprendizagem do estaleiro. Mas é preciso que eles tenham suas estratégias de qualificação tecnológica e gerencial definidas. “Depois da crise no EAS, começamos a disseminar a ideia de que as parcerias internacionais iam resolver o problema e não vão. Se o estaleiro tiver sua equipe, investimentos, projetos e metas e fizer alguma parceria ou associação com algum grupo consolidado, esse processo vai ser acelerado e isso é ótimo. Mas se não fizer, não podemos achar que o parceiro vai fazer. Quem tem que fazer o dever de casa é a indústria brasileira”, ressalta.
Em maio do ano passado, a Kawasaki Heavy Industries (KHI) tornou-se sócia efetiva do Estaleiro Enseada do Paraguaçu (EEP), com 30% de participação, e nova parceira tecnológica na construção e integração de unidades offshore. O EEP é formado pela Odebrecht Engenharia Industrial, OAS e UTC Engenharia. De acordo com as empresas, a criação da joint venture garante transferência tecnológica para o desenvolvimento da indústria naval brasileira e a capacitação de mão de obra local com alto nível de excelência. O estaleiro, ainda em construção, tem contrato com a Sete Brasil para a construção de seis sondas de perfuração. Além do EEP, a Kawasaki conta com joint ventures com dois estaleiros na China: Nantong COSCO KHI Ship Engineering Co. Ltd. e Dalian COSCO Shipbuilding Industry Co., Ltd.
Para o diretor da Seamate Consultoria, Jorge Gonçalves, a instalação dos grupos estrangeiros é sinal de que há uma maturidade na indústria brasileira. “Há uma demanda, os estrangeiros estão vindo para serem parceiros, com participação minoritária. Além disso, eles têm muita experiência”, ressalta. O coordenador da área de Energia da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) também vê de forma positiva a chegada dessas empresas. “O parceiro tecnológico traz uma certa segurança em relação à performance do que vai se ter. Para a Petrobras e demais operadoras sócias desses empreendimentos, é muito importante ter esses parceiros”, diz o executivo.
Quem também se associou com parceiro estrangeiro no ano passado, mais precisamente no mês de abril, foi a SOG Óleo e Gás S.A. (Setal). A companhia firmou acordo de associação com a japonesa Toyo Engineering Corporation visando à unificação das operações das duas companhias no território nacional. Neste caso, foi constituída a TS Participações e Investimentos S.A., com participação societária de 50% para cada empresa. Para a operacionalização das atividades, foram utilizadas duas subsidiárias: a Toyo-Setal Engenharia Ltda., com foco em EPC onshore, e a Estaleiros do Brasil Ltda. – EBR, voltada ao segmento offshore.
Focada no mercado de óleo e gás, a SOG está implantando, por meio da subsidiária EBR, o estaleiro EBR. A Toyo é uma empresa japonesa epecista global, foi responsável por projetos em mais de 50 países e vem atuando no Brasil em diversos contratos junto à Petrobras. Na época do acordo, a Setal declarou que a motivação para fechar o negócio com a Toyo foi a possibilidade de acelerar o seu crescimento e ampliar a sua participação em mercados como o de energia, mineração, química, petroquímica e offshore, além de agregar competências e tecnologias. “Com este processo temos a certeza de que a nova associação contribuirá significativamente para o crescimento e desenvolvimento do Brasil”, disse a empresa.
Para o presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais e de Offshore (CSEN) da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Cesar Prata, o ingresso de novos capitais na economia brasileira é sempre positivo. No entanto, diz ele, a imagem que o Brasil tem passado ao mercado investidor deveria retrair o ingresso de novas empresas, que aplicariam recursos em países que passassem mais segurança política ao investimento estrangeiro. “A exceção se dará no caso dos investidores asiáticos, que possuem uma visão de longo prazo. Deveremos receber ainda outros três grupos asiáticos com pesados investimentos em construção naval”, adianta Prata, sem revelar os nomes.
Não são só os japoneses estão vindo para o Brasil. A italiana Fincantieri, através de sua subsidiária Fincantieri Oil & Gas S.p.A., adquiriu 50,75% da OSX OSV, que pertenciam à STX Europe. A transação totaliza 445 milhões de euros. O STX tem dois estaleiros no Brasil: o STX OSV Niterói e o STX OSV Promar. Os empreendimentos, inclusive, sofreram alterações no nome e passam a se chamar Vard Niterói e Vard Promar, respectivamente.
A aquisição marca a entrada da Fincantieri em um novo mercado. Com 21 estaleiros em três continentes diferentes, cerca de 20 mil empregados e receita de quatro bilhões de euros, o grupo Fincantieri dobrará de tamanho e se tornará o quinto maior construtor naval do mundo. Será o maior fora da Ásia e o único estaleiro ocidental em condições de competir com os asiáticos, devido a sua diversificação e presença nos segmentos de construções de maior valor agregado, como offshore, conteineiros e navios de cruzeiro. Por sua vez, o STX OSV, especializado no mercado de construção de embarcações de apoio offshore, tem cerca de 9,2 mil empregados e 10 estaleiros. São cinco na Noruega, dois no Brasil, dois na Romênia e um no Vietnã.