Uma das mais importantes empresas do Brasil, que está intimamente ligada à história do País, passa hoje por um momento de definição. Em meio a impactos da Operação Lava Jato e crises econômicas e políticas, a Petrobras redefiniu estratégias para reduzir gastos e investimentos e diminuir a sua dívida.
Conforme o relatório da administração de 2016 da estatal, uma importante medida adotada foi a ampliação do programa de parcerias e desinvestimentos, que totalizou o valor de US$ 13,6 bilhões no biênio 2015-2016. Também estão previstos US$ 21 bilhões para o biênio 2017-2018. Algumas alienações foram feitas ainda durante o governo de Dilma Rousseff, como a venda de 49% da Petrobras Gás (Gaspetro). Mas muitas foram consolidadas quando a ex-presidente já tinha sido afastada, como as transferências da integralidade da participação de 67,19% na Petrobras Argentina; da participação de 66% no bloco exploratório BM-S-8, na Bacia de Santos; de 100% das ações da Nansei Seikyu (NSS), localizada na ilha de Okinawa, no Japão; e de 100% da Petrobras Chile Distribuición; entre outras.
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De acordo com o diretor da consultoria ES-Petro, Edson Silva, a Petrobras precisa enfrentar o seu elevado endividamento. Segundo o consultor, estima-se que a companhia esteja entre as cinco petroleiras mais endividadas do mundo (a dívida líquida da estatal, no fim de 2016, era de R$ 314 bilhões). "Isso impacta toda a dinâmica de negócios da empresa", alerta. Dentro dessa ótica, a direção da estatal resolveu reduzir a dívida vendendo ativos. O diretor da ES-Petro adianta que o próximo passo dessa estratégia são as vendas das distribuidoras de gás, a Liquigás, e de combustíveis, a BR.
Silva adverte que, dentro desse planejamento, a Petrobras não tem condições de investir no segmento de refino, que exige grandes volumes de capitais, com retorno de médio e longo prazo. Porém o analista avalia que a estatal esteja fazendo um importante ajuste. A companhia, segundo ele, tomou uma dimensão enorme, chegando a ponto de comprometer sua estrutura financeira. "Creio que essas mudanças que estão sendo feitas pela atual gestão projetam a Petrobras como uma empresa mais focada na atividade de produção e exploração de petróleo", considera.
Sobre a decisão da Petrobras de oscilar os preços dos combustíveis de forma mais ágil, acompanhando o mercado internacional, Silva comenta que se trata de uma prática que países produtores de petróleo e mais desenvolvidos costumam utilizar, como os Estados Unidos, Canadá e Noruega. A ideia é fazer com que os preços internos convirjam com os internacionais, como acontece com as commodities. O diretor ES-Petro classifica como uma opção correta por parte da empresa, porém é possível aperfeiçoar esse processo, tornando-o mais transparente.
O diretor da MaxiQuim Assessoria de Mercado João Luiz Zuñeda ressalta que o atual governo mudou o perfil da Petrobras ao adotar a estratégia de desinvestir, tornando-a menor e mais voltada à exploração e produção. O consultor alerta que, se a Petrobras continuar estatal, a companhia corre o risco de repetir os erros do passado. No entanto, se for privatizada, dentro de um modelo equivocado, o País pode ver suas riquezas naturais serem exploradas por uma empresa estrangeira.
Zuñeda enfatiza que a companhia precisa ser competitiva. "Não se pode criar ilusões com a Petrobras", sustenta. O diretor da MaxiQuim cita o exemplo do polo naval gaúcho, que foi impulsionado pela estatal, mas agora vive um período de retração. O consultor admite que as políticas implementadas hoje na Petrobras poderão mudar futuramente. "Eu tenho dúvidas se muitas das coisas que estão sendo feitas são porque querem que esse modelo vigore, ou porque a empresa está em uma dificuldade tão grande que tem que desinvestir para pagar as contas", pondera.
Corte de custos pode levar polo naval gaúcho a interromper atividades em breve
Obras da P-71 no Estaleiro Rio Grande foram paralisadas ainda em dezembro do ano passado
/JOAO PAULO CEGLINSKI/AGÊNCIA PETROBRAS/DIVULGAÇÃO/JC
Dentro da nova política de corte de custos por parte da Petrobras, a estatal diminuiu a velocidade de novas encomendas ligadas à produção e extração de petróleo - como, por exemplo, a construção de plataformas. Além disso, transferiu parte das demandas para o exterior. Os polos navais do País já vêm acusando o golpe e, no caso particular do complexo gaúcho, a perspectiva é de parar as operações até o começo de 2018.
Em dezembro do ano passado, as obras na plataforma P-71, que estavam sendo feitas no Estaleiro Rio Grande (ERG), da empresa Ecovix, foram paralisadas. No momento, no polo naval estadual estão sendo trabalhadas a P-75 e a P-77, desenvolvidas no estaleiro da QGI, também situado em Rio Grande; e a P-74, na estrutura do grupo EBR, em São José do Norte. Essas iniciativas deverão ser finalizadas até o primeiro trimestre de 2018. O coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Polo Naval de Rio Grande, deputado estadual Nelsinho Metalúrgico (PT), espera que a Petrobras retorne a fazer seus pedidos dentro do Brasil, mas admite que isso está relacionado à mudança de orientação do governo.
O deputado classifica como um erro levar os serviços das plataformas para nações como China e Coreia do Sul. Ao realizar esses empreendimentos no País, geram-se no cenário interno renda e emprego. O parlamentar recorda que o polo naval gaúcho chegou a ter 24 mil trabalhadores atuando, mas hoje são aproximadamente 4 mil apenas. Metalúrgico lembra ainda que a Petrobras informou que não tem mais interesse na P-71. Porém o deputado recorda que 50% da obra da plataforma já foi realizada e que o material necessário para terminá-la está estocado no estaleiro. Além disso, não há condições de movê-la, pois a estrutura não flutua. "Só tem dois caminhos: picotar e vendê-la como sucata ou finalizá-la", argumenta. Segundo o parlamentar, neste momento, a posição da Petrobras é inflexível, mas há espaço para pressionar o grupo para concluir o projeto.
O coordenador da Frente Parlamentar prevê que a gestão da Petrobras mudará assim que cair o governo de Michel Temer (PMDB). O deputado considera a atual administração da estatal como antinacionalista, que não percebe o potencial da companhia para apoiar o desenvolvimento da indústria brasileira e seu papel estratégico. "Quem está dirigindo a Petrobras agora está apenas atrasando a vida da companhia no que diz respeito ao seu fortalecimento, mas não creio que isso seja eterno", diz.
Enquanto Metalúrgico é um dos líderes da defesa do polo naval na Assembleia Legislativa gaúcha, em Brasília, o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) é o coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Indústria Naval. Fontana reforça que um dos piores reflexos dos novos rumos dados à Petrobras foi a redução da exigência do conteúdo local. O deputado acusa que as vendas de ativos, justificadas com o argumento de que são necessárias para reequilibrar as finanças da Petrobras, tratam-se de um processo de privatização disfarçado.
Cbie adverte para cenários conforme a 'política'
Se a Petrobras gera muita discussão entre quem defende uma visão mais estatal e outros que preferem a dinâmica da iniciativa privada, uma coisa parece consenso: a companhia é "volúvel, como pluma ao vento". O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires, afirma ser difícil prever os próximos anos da empresa, pois o futuro do grupo está vinculado a quem será o presidente da República.
O dirigente recorda que se trata de uma empresa cujo acionista majoritário é a União. "E temos visto, nos últimos anos, que cada governo que entra tem uma posição diferente sobre a Petrobras", frisa. Conforme Pires, se o governo eleito em 2018 tiver a mesma "cabeça" que o atual, a tendência é ter uma companhia mais enxuta, mais centrada no segmento de exploração e produção de petróleo e gás. "No entanto, se for eleito um presidente mais populista, como era o Lula (Luiz Inácio Lula da Silva, PT), como era a Dilma, aí pode ter uma tendência de a Petrobras voltar a atuar em vários setores, ser utilizada pelo governo como projeto político, para controlar a inflação", argumenta.
Pires considera que a total independência da estatal do governo federal é uma utopia. A única maneira para a empresa atingir essa autonomia seria a privatização. "Enquanto a Petrobras não for privatizada, estará sempre dependente do governo que está de plantão", reitera. Para o diretor do Cbie, o PT "quebrou a Petrobras". O dirigente justifica a sua crítica apontando que o partido usou a estatal para controlar a inflação, subsidiando os preços do diesel e da gasolina. Pires afirma que, somente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, a companhia, por ter vendido gasolina e diesel mais baratos, teria perdido US$ 40 bilhões.
O dirigente acusa que a empresa foi inserida dentro de um projeto político, fazendo com que firmasse acordos ruins, hoje demonstrados pela Operação Lava Jato, e que pagasse equipamentos, bens e serviços mais caros do que os preços médios de mercado. Segundo ele, a Petrobras é uma companhia que tem acionistas minoritários, que foram desrespeitados.
Já a gestão de Pedro Parente é considerada como boa por Pires. O diretor do Cbie afirma que se trata de uma pessoa conhecida e respeitada pelo mercado. "Ele está fazendo o que é possível", frisa. Além de a política de preços dos combustíveis estar mais alinhada com o mercado internacional, Pires cita os cortes de investimentos e de pessoal. "O problema todo é que não há garantia que essa gestão estilo Pedro Parente tenha prosseguimento a partir de 2018, vai depender de quem ganhar as eleições", comenta. O dirigente considera que a privatização da Petrobras seria uma medida salutar, como foi no caso da Vale e do sistema Telebrás. Ele defende que esse tema seja debatido durante a próxima campanha presidencial.
Mais de 17 mil funcionários foram desligados desde 2013
Além de se desfazer de alguns ativos, o enxugamento da Petrobras abrange o quadro de pessoal. Conforme a assessoria de imprensa da estatal, o total de desligamentos de funcionários próprios da empresa, no período de janeiro de 2013 a maio de 2017, foi de 17.507; e o de ingressos, de 3.847. Em maio deste ano, a companhia registrava 48.163 funcionários próprios (efetivo da Petrobras controladora).
Quanto a terceirizados, no mesmo mês, foram contabilizados 99.472 empregados de empresas prestadoras de serviço contratadas pela Petrobras, atuando internamente nas instalações da companhia, de forma regular. Além do corte na "própria carne", a desaceleração da estatal ocasiona reflexos externos em outros segmentos, como os de fornecedores de equipamentos.
O presidente do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande Sul (Sindipetro-RS), Fernando Maia da Costa, diz que, a cada R$ 1 bilhão que a Petrobras desiste de investir, deixam de ser gerados aproximadamente 2 mil postos de trabalho.
O dirigente defende que toda sociedade brasileira deveria temer a possibilidade de privatização da Petrobras. O sindicalista assume que tem uma visão nacionalista da empresa, ligada ao atendimento da população. "Por isso trabalhávamos com afinco para que a companhia fosse um grupo de energia, como vinha se tornando", destaca.
Costa julga que, se a política adotada pelo atual presidente da estatal, Pedro Parente, tiver continuidade, o futuro reserva à Petrobras o papel apenas de uma empresa prospectora de petróleo. A perspectiva é que o grupo afaste-se das áreas de refino, distribuição de combustíveis, gás e energia elétrica. Para o presidente do Sindipetro-RS, essa postura é equivocada dentro do contexto mundial da indústria de petróleo, que está buscando a integração de suas atividades.
Fonte: Jornal do Commercio RS