A compra de rodovias leiloadas em 2013 e 2014, algumas em negociação adiantada, esbarra em um obstáculo que pode ser difícil de transpor. Um artigo que consta dos contratos dessas concessões, conhecidas como da 3ª etapa de licitações rodoviárias, veda a troca de controle acionário antes da conclusão das duplicações das rodovias. Até agora, nenhuma das cinco desse pacote terminou essas obras.
Assim, a compra da MGO Rodovias (trecho da BR-050 entre os Estados de Goiás e Minas Gerais) pela Ecorodovias, recentemente anunciada por R$ 600 milhões, pode ser vetada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A única hipótese prevista nos contratos para a troca antes de finalizada a duplicação é se houver "insolvência iminente" dada concessionária e desde que devidamente fundamentada.
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Da mesma forma, a operadora de rodovias Arteris, interessada na concessão Rota do Oeste (BR-163, no Mato Grosso), da Odebrecht Transport (OTP), pode enfrentar dificuldade para adquirir o ativo.
Mas, para advogados ouvidos pelo Valor, há alternativas para vencer essa barreira e realizar a transferência societária. Parte se apoia na tese jurídica da "mutabilidade" de contratos administrativos. As cláusulas que não são "pétreas" do contrato poderiam ser alteradas por não suscitarem questionamentos quanto à lisura da licitação. Mas desde que fundamentado o interesse público.
Fernando Villela, sócio da área de infraestrutura do Siqueira Castro Advogados, afirma que esse tipo de "cláusula-trava" tem sido comum em concessões de serviço público no Brasil como uma forma de proteger o poder público da entrada de aventureiros nos leilões. Mas, segundo ele, por não se tratarem de uma exigência legal, essas regras podem ser flexibilizadas caso a caso mediante um termo aditivo ou decisão administrativa fundamentada.
"Já há precedentes em outras agências reguladoras que permitiram o afastamento pontual desse tipo de cláusula, a exemplo do que aconteceu com a transferência do controle de concessionária regulada pela Anac [Agência Nacional de Aviação Civil]", disse.
Foi o caso do aeroporto do Galeão, no Rio, cuja mudança da composição acionária do bloco privado ocorreu antes de se completarem os primeiros cinco anos da concessão previstos no contrato. Por meio de uma decisão administrativa, a Anac deu anuência para que a Odebrecht Transport transferisse sua participação acionária para a chinesa HNA em 2017, pouco mais de três anos após a concessão ter sido assinada.
Outra questão que deve ser levantada é que os contratos já sofreram alterações. A concessão da MGO, por exemplo, teve estendida para junho de 2020 a data para finalizar a duplicação de 218,1 quilômetros. Pelo edital, a duplicação da rodovia deveria ser concluída nos cinco primeiros anos da concessão, mas, devido ao atraso na emissão da licença ambiental para início das obras, foi necessário adiar o prazo, o que foi feito por meio de um termo aditivo.
A MGO é a concessionária com o cronograma mais adiantado. A perspectiva é que até janeiro de 2019 estejam concluídos 175 quilômetros, cerca de 80% do total previsto no contrato de concessão.
O atraso no cumprimento do cronograma dos investimentos levou o governo a discutir alternativas legais para as concessões, que em um caso extremo levou à declaração de caducidade da BR-153, concedida à Galvão. A lei 13.448, sancionada no ano passado, rege o processo de devolução das concessões, mas ainda aguarda regulamentação. Já a Medida Provisória 800, publicada também em 2017, estendia o prazo de investimentos para até 14 anos. A MP, no entanto, caducou na semana passada.
Para Fernando Marcondes, sócio do escritório L.O. Baptista, os problemas enfrentados até agora pelas rodovias mostram que essas concessões não ofereceram às empresas o esperado no momento dos leilões. Dessa maneira, a mudança de controle seria uma forma de salvar os projetos.
"A ANTT tem a possibilidade de vetar a venda da concessão, mas ela logicamente vai fazer a análise e ver se é vantajoso ao Estado. Essa cláusula é uma faculdade", afirmou Marcondes. "O desejo do Estado é que essas concessões deem certo, por isso é menos vantajoso vetar essa transferência."
Com relação à tese da mutabilidade, Marcondes é reticente. Ele argumenta que o risco assumido pelas concessionárias nesse caso estava presente no contrato, e por isso deveria ser incluído nos cálculos. "Não é uma tese segura. Parece mais razoável a análise prática do que é melhor para a concessão."
Questionada sobre a vedação de transferência de controle, a ANTT afirmou que existe "ressalva para a transferência de controladores antes do final das obras de duplicação previstas nos contratos". Especificamente sobre a venda da MGO, a agência disse que a proposta de troca de controle ainda não foi formalizada junto ao órgão e que portanto não poderia se manifestar sobre o tema.
Procuradas, a Ecorodovias e a MGO não se manifestaram
Fonte: Valor