O cenário para a exploração no Brasil do gás natural de fontes não convencionais, como o "shale gas", conhecido no Brasil como gás de xisto, permanece indefinido, mesmo após a Agência Nacional do Petróleo (ANP) ter publicado, em 11 de abril, a resolução 21/2014, específica para a extração do insumo.
Além de o governo não ter decidido o responsável e como serão realizados os licenciamentos ambientais, as regras da ANP trazem uma questão polêmica. O sexto artigo obriga empresas a publicarem compostos químicos da fórmula que será injetada nos poços nessas áreas. Só que o composto é um segredo industrial, das próprias operadoras ou das prestadoras de serviços.
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Para o advogado Giovani Loss, especialista em fusões e aquisições no setor de petróleo do escritório Mattos Filho, "a fórmula [injetada no poço e necessária para a extração do insumo] é extremamente relevante e com alto valor comercial".
A indefinição permanece cinco meses após a 12ª rodada de licitação de blocos exploratórios, com potencial para extração de gás natural. Esse leilão foi divulgado pelo governo como uma rodada para ofertar áreas para a exploração do gás não convencional, que tornou-se uma das pautas do governo depois que os EUA mostraram-se bem-sucedidos no setor. Os americanos, no entanto, têm um ambiente regulatório mais ágil que o brasileiro e uma regulação ambiental menos restritiva.
A indefinição foi sentida no resultado da rodada. Foram arrecadados R$ 165,2 milhões em um leilão de pouco risco e pouca disputa. A maior parte das áreas arrematadas fica nas bacias do Recôncavo, a primeira a ser explorada no Brasil, e Paraná, onde as ocorrências de gás são conhecidas há décadas. Os blocos foram adquiridos pela Petrobras e empresas de menor porte, como Alvopetro, Cowan, Geopark, Nova Petróleo, Petra e a colombiana Trayectoria.
Embora possa trazer muitos ganhos comerciais, a extração do gás não convencional é muito polêmica, devido aos riscos ambientais. Necessita a realização de uma técnica conhecida no setor como faturamento hidráulico, que consiste em quebrar mecanicamente a rocha por meio de poços horizontais para liberar o energético por rachaduras. Durante a perfuração são injetados água e vários produtos químicos (a mistura depende da companhia) para "soltar" o energético.
A polêmica apontada por Loss está no artigo sexto da resolução 21/2014 da ANP. Exige que o operador publique na internet a "relação de produtos químicos, com potencial impacto à saúde humana e ao ambiente utilizados no processo, transportados e armazenados, contemplando suas quantidades e composições".
Para ele, a determinação poderá impedir para o desenvolvimento da atividade. Observa que várias transações e "joint ventures" ocorreram nos EUA visando unicamente o acesso à tecnologia para a extração desse tipo de gás, incluindo os compostos químicos utilizados.
Segundo Loss, em diversos Estados americanos há requerimento similar de divulgação e houve disputas judiciais, apesar da rigidez, existente nos EUA, em relação à reserva de segredos industriais.
As novas regras, segundo a ANP, têm ênfase na proteção da saúde humana e do ambiente. Determina, por exemplo, que a empresa exploradora apresente projetos detalhados para fraturamento e perfurações necessários, levantamento dos riscos, plano de atividade caso haja incidentes, levantamento e publicação periódica de dados.
Pedro Dittrich, advogado do TozziniFreire Advogados, afirmou que a autarquia fez a sua parte de forma "bastante cautelosa", mas que a indefinição do papel dos órgãos ambientais ainda causa insegurança. A ANP atua de forma suplementar a esses órgãos e não tem ingerência sobre o licenciamento, questão que fica a cargo do governo. Ao Valor, o Ministério de Meio Ambiente admitiu que a discussão "está ainda em fase de amadurecimento e sem definição".
No Brasil, o Ibama é responsável pelas atividades de exploração e produção de óleo em mar e em terra quando a atividade está nas fronteiras entre Estados. Fora isso, os responsáveis são os órgãos ambientais estaduais, a maioria sem experiência nesse tipo de exploração.
O advogado Guilherme Leal, especialista em direito ambiental do Lobo & Ibeas, afirmou que a exploração não convencional chegou a ser objeto de moratória na França. Mesmo nos Estados Unidos, o tema provoca debates e causa reações na Justiça para proibir ou suspender a extração. "No Brasil, a questão ainda é incipiente e a nova resolução da ANP é a primeira norma a regular o assunto de forma expressa", disse Leal.
Miriam Mazza, advogada de direito ambiental do Barbosa, Müssnich & Aragão, defende que o licenciamento seja centralizado no Ibama, mas com a participação de órgãos estaduais, que têm mais conhecimento sobre as regiões onde atuam que, segundo ela, podem realizar convênios com o Ibama.
A ANP explicou, em nota, que a lei abre a possibilidade de que determinadas tipologias de atividades passem à esfera de competência do Ibama, a partir de recomendações de uma comissão tripartite nacional.
Fonte: Valor Econômico/Cláudia Schüffner e Marta Nogueira | Do Rio