Estado aposta na produção de conhecimento e atração de empresas capazes de aumentar o conteúdo local >> A entrada em produção de novos estaleiros no Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco levará a uma menor participação do Rio de Janeiro na construção naval do país. Mas o fato não reduzirá o destaque do estado, que se mantém como principal cluster do setor por reunir indústrias, serviços, mão de obra qualificada e centros de pesquisa.
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A tendência, na avaliação de especialistas, é que o Rio se torne o centro nacional de produção de conhecimento e concentre a produção de bens de alto valor agregado. Nesse sentido, uma indústria emergente de navipeças e equipamentos subsea recebe atenção das políticas públicas, como o projeto de estruturação do cluster subsea lançado em outubro pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico.
O professor de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ, Floriano Martins Pires, presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval, afirma que a indústria naval do Rio de Janeiro tem uma estrutura completa, com os elementos necessários a um polo ou cluster da construção naval, apesar de nos últimos anos as plantas industriais maiores e mais modernas terem sido instaladas fora do estado.
— O Rio de Janeiro não conseguiu acompanhar o ritmo de investimentos dos novos estaleiros até aqui, mas pode manter a liderança na engenharia do conhecimento, que tem atividades relacionadas à construção naval, offshore e a economia marítima em geral. Essa seria a vocação do Rio de Janeiro hoje. É possível, ainda, ampliar ou voltar a ter novos investimentos, recuperar a posição de estaleiros modernos de grande porte — defende o professor.
O diferencial do Rio é reunir formação de recursos humanos, as sedes das principais empresas de engenharia, serviços, associações empresariais e de trabalhadores, os agentes financeiros e os maiores clientes — Petrobras e Marinha. E ainda o Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com centros de pesquisas de grandes empresas.
O estado conta também com centros de formação tradicionais na área naval, como a Escola Técnica Estadual Henrique Lage e o Colégio Naval, da Marinha. Há ainda o Centro de Tecnologia Senai Solda, que inaugurou em outubro o Laboratório de Excelência em Tecnologia de Soldagem, em parceria com a Agência Nacional de Petróleo (ANP) e a Petrobras.
Segundo o Senai, a unidade tem o único sistema a laser de soldagem híbrida do mundo, com características de construção e tecnologias embarcadas. O equipamento permite combinar dois processos de soldagem em uma única aplicação, o que acelera a velocidade do trabalho. A estrutura atenderá à demanda por profissionais de soldagem qualificados, que aumenta com o uso de novos materiais na exploração da camada pré-sal.
Quanto à absorção da mão de obra, dados do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) mostram que os estaleiros do Rio empregam mais de 35 mil trabalhadores, cerca de 40% do total dos empregos do setor no Brasil. Neles, são realizadas atividades diversificadas de construção e reparo naval, incluindo sondas de perfuração, plataformas de produção de petróleo, navios petroleiros e de transporte de produtos derivados, navios de apoio marítimo a plataformas offshore e rebocadores portuários.
Entre os estaleiros de grande porte instalados no estado, estão o Ilha S.A. (Eisa) e o Inhaúma, no Rio de Janeiro; o Brasfels, em Angra dos Reis; e Brasa, Mauá e Renave, em Niterói. Os de médio porte são Rio Nave, no Rio de Janeiro; Aliança, Vard Niterói e Mac Laren Oil, em Niterói; e Cassinu e São Miguel, em São Gonçalo.
Ampliar esse mapa, no entanto, é um desafio para o estado do Rio. Frente às suas limitações, outros governos estaduais atraíram novos estaleiros com programas mais atrativos, incentivo fiscal, político, de investimentos e de infraestrutura.
— As plantas na Baía de Guanabara não têm área nem condições físicas para expandirem e operarem no nível dos grandes estaleiros. São estaleiros pequenos, com dificuldade de modernizar o layout. Isso dificulta o uso de métodos de construção modernos, que envolvam megablocos. Na Baía de Sepetiba há dificuldades de licenciamento ambiental para construção de novos estaleiros. O estado precisa de áreas de pré-edificação, de edificação, de diques. Explorar a modernização de equipamentos e de processos pode permitir um avanço — pondera o professor Pires, da Coppe.
Para ele, as áreas com espaço físico e acesso logístico capazes de receber a instalação de novos estaleiros no estado seriam Quissamã, Itaguaí (onde a Marinha fará seu estaleiro para a construção de submarinos) e Maricá.
Apesar das limitações, o Rio continua abarcando boa parte dos investimentos. Dos sete navios petroleiros de produtos e gaseiros entregues à Transpetro de 2011 até abril de 2014, dentro do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), quatro deles foram produzidos no Rio no estaleiro Mauá. Os demais foram feitos em Pernambuco, no Estaleiro Atlântico Sul. Da programação de entrega de navios, 39 estão em construção, 12 deles no Rio. Estão em construção no Brasil 16 plataformas de produção e metade dos projetos também ficaram no estado. E de 29 projetos de sondas de perfuração, seis semissubmersíveis serão produzidos entre 2016 e 2019 no estado pela Brasfels.
Para Alexandre Gurgel, assessor de projetos especiais da diretoria de Relações com o Mercado da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), o Rio concentra a indústria de construção naval e offshore mais importante do país e das Américas, ainda com oportunidades de crescimento.
Segundo ele, é possível falar em um cluster do setor. “O Rio tem estaleiros de grande, médio e pequeno portes, com produção bastante verticalizada. O melhor estaleiro das Américas de plataforma offshore está no Rio de Janeiro, que é o Brasfels, do Grupo Keppel, em Angra dos Reis. Inclusive, em alguns empreendimentos ele antecipou os cronogramas do cliente final, a Petrobras, entregando os equipamentos antes do prazo, com qualidade aceita.”
Na avaliação de Gurgel, o Rio caminha para se tornar de fato um polo naval. “Polo é o ponto extremo, tem a ver com magnetismo, atração. O polo apresenta toda a solução para certa indústria e, portanto, atrai empresas. Ele tem uma magnitude maior do que o arranjo produtivo, que é a tradução usada no Brasil para cluster. Hoje o estado do Rio de Janeiro é um cluster avançado de construção naval e offshore. Se fossemos classificar em etapas, Pernambuco seria um pré-cluster, pois tem um estaleiro que atrai as indústrias para lá. O Rio de Janeiro é um cluster avançado porque já tem muitas soluções para essa indústria, com atividades em Angra, Rio, Niterói e São João da Barra”.
Otimista, o assessor da Firjan acredita que o Brasil pode chegar ao nível de nações como Japão e Coreia do Sul, cujo país inteiro constitui um polo naval. “No Brasil, o que está mais perto de ser um polo naval é o estado do Rio de Janeiro. E se o Brasil continuar avançando nessa indústria, com os outros estados estabelecendo soluções e competitividade internacional, o Brasil inteiro será um grande polo naval.”
Um projeto importante no estado apontado pelo especialista é o submarino nuclear que será construído em Itaguaí, que se soma à produção de embarcações militares, plataformas, navios conteineiros e navios-tanques. “O Rio de Janeiro produz uma diversidade de embarcações para a indústria naval e de sistemas offshore para a exploração e produção de petróleo no mar como é pouco provável se encontrar em outros lugares do mundo”, avalia Gurgel.
Na intenção de dinamizar os investimentos pela indústria naval e offshore no estado, a AgeRio, agência do governo do estado do Rio, tem financiado o setor por meio de linhas para máquinas e equipamentos, para obras civis e para giro associado. Em geral, são essas as linhas mais procuradas por empresas com projetos em Campos, Macaé, Itaboraí, Barra Mansa e no próprio Rio, dos segmentos de produção de estacas de ancoragem para plataformas de petróleo, distribuição de tubos e conexões, serviços de tratamento térmico, tecnologia da informação, processamento de dados sísmicos e manutenção de embarcações.
Entre os investimentos, estão projetos de modernização de parque industrial, ampliação de centro de distribuição, aquisição de equipamentos para expansão de atividades, implantação de hotel para atender a executivos do setor e desenvolvimento de software de recursos humanos.
A AgeRio oferece o suporte ainda do fundo garantidor Garantinorte, com o qual firmou convênio em fevereiro deste ano. O fundo abrange 14 municípios produtores de petróleo, gás e bioenergia do Norte e Baixada Litorânea do estado, como Búzios, Arraial do Cabo, Campos, Macaé e Cabo Frio. O objetivo do convênio com a AgeRio é facilitar a empresários do segmento o acesso ao crédito.
O superintendente de Óleo e Gás da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Julio Pinguelli, destaca também o papel da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin) no incentivo ao setor. Segundo ele, a Codin tem hoje cerca de 10 distritos industriais em funcionamento. O órgão negocia condições e preços mais vantajosos para a aquisição de terrenos pelos empresários e promove a aproximação com as concessionárias de serviços públicos de água, esgoto, energia, telecomunicações, de forma a facilitar a instalação de indústrias.
— A vocação natural para o petróleo tornou o Rio de Janeiro principal destino de investimento. A gente hoje tem uma estrutura de portos bastante significativa, com Ponta Negra, que é um projeto em fase de elaboração, o porto de Açu, um dos maiores investimentos hoje nesse segmento, o porto do Rio, o porto de Itaguaí, o projeto do porto de Itaoca. Macaé é a precursora do petróleo no Brasil e tem a estrutura que a Petrobras usa como base de operação para o pré-sal — diz Pinguelli.
Mas o professor Floriano Pires, da Coppe, pontua que, no cenário atual, o Brasil como um todo ainda concentra etapas de menor valor agregado e intensivas em mão de obra. O emprego que fica no país é o de menor produtividade. “Essa deve ser a preocupação estratégica das políticas de construção naval”, defende o professor.
Se souber capitalizar as oportunidades que se apresentam, o Rio de Janeiro pode se tornar o centro de produção de conhecimento, tecnologia e serviços, nos moldes do que aconteceu em outras regiões, como Londres.
— A Inglaterra tinha uma frota mercante hegemônica e Londres era o centro da atividade marítima mundial até segunda metade do século passado. Essa atividade foi se esvaziando e acabou. Hoje, apesar de existir apenas uma frota pequena de navios de bandeira inglesa, Londres ainda é o centro do conhecimento, da atividade de engenharia, de financiamento, de educação, de pesquisa. Isso não se perde caso se saiba trabalhar — conta Pires.
O professor lembra ainda que poucos produtos são produzidos no Brasil com tecnologia nacional e a maior parte das patentes é estrangeira, apesar do grande esforço de pesquisa puxado principalmente pela Petrobras. A instalação de centros de pesquisa de empresas estrangeiras pode mudar o quadro.
Também para o coordenador da área de Energia da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Jorge Boeira, o Rio ocupará o lugar especializado na produção de bens de alto valor agregado. “O Rio de Janeiro tem a oportunidade de entrar em segmentos de maior valor agregado, seja na produção de bens para o setor, seja em serviços especializados e logística. O Rio tem vocação para ser o grande polo tecnológico da indústria do petróleo.”
No sentido de reforçar as políticas públicas para o setor, Boeira cita um projeto do Ministério do Desenvolvimento, com participação da ABDI e outros órgãos, para discutir Arranjos Produtivos Locais (APLs) de petróleo e gás em cinco estados do país: Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. O objetivo é identificar os benefícios econômicos do investimento nas regiões, assim como as pressões resultantes sobre o poder público para a oferta de serviços para a população, como formação de mão de obra, habitação, educação e infraestrutura urbana.
— Estamos discutindo com organizações privadas, instituições de apoio, governos dos estados e dos municípios como aproveitar melhor esse investimento da indústria de tecnologia, fortalecendo a cadeia de fornecedores a partir de projetos estruturantes para as regiões. Lá no Vale do Aço, por exemplo, debatemos a dificuldade de se desenvolver um centro de engenharia — explica Boeira.
Alexandre Gurgel, da Firjan, diz que, para o Rio avançar na indústria de construção naval e offshore, precisa evoluir nas indústrias de navipeças e de subsea, além de ter previsibilidade nas contratações, constituir uma política industrial que permita às empresas do setor se planejar para atender à demanda e intensificar seus investimentos.
Buscando ampliar o acesso das empresas contratantes a fabricantes e prestadores de serviços nacionais, o Catálogo Navipeças tem hoje 748 empresas cadastradas (357 fabricantes e 523 prestadores de serviços, sendo 132 empresas cadastradas como ambos). Delas, 228 empresas são do Rio de Janeiro.
Gerido pela ABDI e a Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), o Catálogo Navipeças revela que o Rio, desde 2009, vem ocupando o segundo lugar no ranking de fornecedores cadastrados (228 empresas em outubro de 2014), atrás apenas de São Paulo (251 empresas em outubro de 2014). A participação das empresas fluminenses vem crescendo ao longo dos anos na ordem de 15% a 20% ao ano.
Os principais segmentos inscritos no estado são metal-mecânico, manutenção industrial, montagem de andaimes, pintura industrial, isolamento térmico, construção e montagem, válvulas, tintas, tubulações industriais, engenharia, instrumentação e automação.
No segmento subsea (que inclui a produção de equipamentos como árvores de natal molhadas, cabeças de poço, manifolds, umbilicais e linhas flexíveis), o Rio também começa a apresentar atividades. Segundo a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, hoje o estado reúne 35 empresas. Entre esses fabricantes e prestadores de serviços, estão gigantes mundiais como a FMC Technologies, GE Wellstream, NOV, além dos centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Halliburton, da Schlumberger e da Baker Hugues, no Parque Tecnológico da UFRJ.
Em Macaé, também está instalado o maior parque de manutenção e reparo de operações offshore, com a presença de todos os fabricantes internacionais e de cerca de 80 empresas subfornecedoras da cadeia do segmento subsea, em grande parte prestadores de serviços.
O número de empresas instaladas no Rio deve aumentar, já que a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) prevê que, em 2020, aproximadamente 44% dos equipamentos subsea do mundo estarão no Brasil. Boa parte na Bacia de Campos e Santos, ressalta Julio Pinguelli, superintendente de Óleo e Gás da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico.
Pelas projeções de investimentos no pré-sal no Brasil, pelo menos US$ 50 bilhões devem ser aplicados em equipamentos e serviços subsea nos próximos cinco anos. A expectativa é que a maior parte do valor vá para o Rio. Segundo o estudo Decisão Rio, da Firjan, o estado receberá R$ 235,6 bilhões em investimentos privados de 2014 a 2016, sendo 60,7% relacionados ao setor de petróleo e gás. A Federação estima ainda que o estado dobre, em cinco anos, o número de empresas fornecedoras de equipamentos submarinos para produção de óleo e gás.
Para atrair novos investimentos no segmento, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico lançou no dia 7 de outubro o projeto de estruturação do cluster de subsea. A ação envolve a Onip e o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
A estruturação do cluster está definida em quatro etapas: definição da metodologia, plano de monitoramento e controle do projeto; identificação das melhores práticas nacionais e internacionais para constituição de Arranjos Produtivos Locais (APLs); identificação de oportunidades de negócios, com aplicação em sete a 10 casos com acesso a mercados globais; e promoção e desenvolvimento de negócios do APL.
— O programa do cluster subsea vem no sentido de ampliar e melhorar as qualidades já existentes no Rio de Janeiro, já que estamos no ponto de saturação — aponta Julio Pinguelli, da Secretaria de Desenvolvimento Econômico.
O projeto inclui estudo da Onip para levantar recomendações sobre incentivos ao mercado. Além disso, o governo do estado do Rio realiza missões ao Reino Unido, França, Inglaterra e Estados Unidos na busca das melhores práticas de funcionamento de clusters. Instituições do Reino Unido e França firmaram memorandos de entendimento para transferência do know how na área de clusters submarinos.
— Nossa intenção é entender a experiência internacional, aprender com os erros e os acertos, e introduzir os conhecimentos na realidade brasileira, aqui no Rio de Janeiro — afirma Pinguelli.
Para o diretor de Desenvolvimento Industrial da Codin, Marcelo Dreicon, o cluster vai conferir escala à produção, fator de estímulo para as empresas investirem mais em tecnologia e capacitação de recursos humanos.