A MP (medida provisória) da cabotagem, que deve ser enviada ao presidente Jair Bolsonaro no começo de setembro, procura dar uma sobrevida à indústria naval brasileira, segundo documento que discute as propostas do texto.
O projeto traz a possibilidade de as empresas importarem embarcações e abaterem o valor dos impostos dessa compra na construção, manutenção e docagem (reparo do navio).
PUBLICIDADE
"Com esse movimento de importação, o governo brasileiro quer compensar [os estaleiros] com um estímulo maior para a manutenção", disse Pedro Neiva, advogado especializado em portos e infraestrutura, do escritório Kincaid Mendes Vianna.
A proposta é que os impostos cobrados na importação fiquem suspensos durante sete anos, ao longo dos quais a empresa pode abater o valor do seu débito com tais reparos e manutenções.
"Você vai fugir da finalidade principal do estaleiro, que é a construção. É algo novo, é uma adaptação. É uma solução interessante", diz o advogado.
A indústria naval enfrentou crises nos anos 1950, 1970 e, mais recentemente, na década de 2010. Essa última crise eclodiu quando, em 2014, casos de corrupção envolvendo a Petrobras e sócios de estaleiros foram expostos pela Operação Lava Jato.
O governo Lula determinou que a exploração do petróleo da camada do pré-sal, descoberto em 2006, usasse o máximo de conteúdo nacional.
Isso acabou desembocando no pagamento de propinas e contratos ineficientes voltados para a produção de sondas de perfuração e navios para a Petrobras. A medida que as investigações avançaram, a maior parte dos pedidos foi suspensa e os estaleiros praticamente paralisaram a produção, acumulando prejuízos e demitindo milhares de trabalhadores.
No ano passado, reportagem da Folha mostrou o impacto que a paralisação do estaleiro Enseada Paraguaçu causou em cidades na região do recôncavo baiano.
O frenesi com o estaleiro levou à abertura de cerca de 7.000 empresas na região. Do começo da recessão, porém, entre 2014 e o início de 2016, R$ 96 milhões só em salários deixaram de circular por lá.
Atualmente, segundo o Sinaval (sindicato das empresas do setor), o país possui 24 estaleiros, dos quais 11 estão operando na construção de navios e empregam 17 mil pessoas. Antes da revelação dos casos de corrupção eram 42 estaleiros e 82 mil trabalhadores.
Para Sérgio Bacci, vice-presidente do Sinaval, a proposta de utilizar estaleiros para atuar apenas no reparo de embarcações não pode ser levada a sério por causa do tamanho da frota. São apenas 20 embarcações atuando na costa.
"Se cada navio [dos 20] levar uma semana na docagem, em um ano, um estaleiro atende a todos. E os outros 41 estaleiros:o que eu faço com eles?"
"Falar que reparo vai ser a salvação para a indústria naval é conversa para quem não conhece o setor. A indústria, para funcionar, tem que ter encomenda [de construção]", afirma.
Na avaliação do presidente da Abac (Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem), Cleber Cordeiro Lucas, seria muito melhor para as empresas locais construir no Brasil porque há o FMM (Fundo de Marinha Mercante) dando condições para construção melhores do que as dadas em financiamentos para importação.
"Temos todos os motivos para querer construir no Brasil. Mas a indústria não é capaz de fornecer em tempo, em prazo e em custo", diz Lucas.
Nesse sentido, a proposta da MP em integralizar até R$ 1 bilhão do FMM para garantir financiamentos para a construções de navios em estaleiros brasileiros também deve dar respiro à indústria nacional.
"Isso vai formar um fundo garantidor para financiar à produção com o estaleiro. Hoje, o que as empresas não querem é correr risco de construir no Brasil, porque o histórico é péssimo", afirma Lucas.
Além da sobrevida à indústria naval, a medida também propõe não cobrar ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre o combustível dos navios, o bunker.
Para isso, a MP propõe que o bunker seja tratado como um produto de exportação e, assim, cada estado possa avaliar se cobra ou não o imposto da cabotagem.
Hoje, o preço do combustível ofertado pela Petrobras é o mesmo para navegações de exportação e para cabotagem. Os navios de exportação, contudo, não precisam pagar o imposto estadual, enquanto a navegação entre os portos nacionais, sim.
Se buscasse uma isenção do imposto, o governo teria de receber o aval do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). No formato de produto de exportação, cada estado pode decidir se incide ou não o tributo.
"Continuarei dependendo dos estados, mas já estou conversando com alguns, e eles sabem dessa importância", disse Dino Batista, diretor do departamento de Navegação e Hidrovias do Ministério da Infraestrutura.
Fonte: Folha SP