Agentes do setor aquaviário debateram os desafios para aproveitar melhor o potencial de crescimento e atrair investimentos para a navegação interior no Brasil. O presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena), Luís de Mattos, destacou que nos últimos anos o transporte de carga em hidrovias cresceu quase 35% no Brasil, sendo 70% desse transporte para produtos do agronegócio. Além disso, mais de 10 milhões de passageiros são transportados por ano somente na bacia hidrográfica da Amazônia. Mattos ponderou que, apesar dos avanços, o Brasil ainda aproveita pouco do seu potencial hidroviário. Segundo Mattos, além de poder substituir o transporte de dezenas de carretas, um comboio fluvial polui 14% menos que um ferroviário e 80% menos que no setor rodoviário.
O diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), general Antônio Leite dos Santos Filho, disse que o órgão agregou novas competências, reestruturou a diretoria aquaviária e outros segmentos para poder trabalhar também em portos marítimos e dragagens. "Isso vai facilitar a multimodalidade e incremento das atividades aquaviárias", salientou. A diretora de infraestrutura aquaviária do DNIT, Karoline Brasileiro Quirino Lemos, acrescentou que, apesar de ter 65% do transporte de cargas realizado no modal rodoviário, o Brasil tem mais de 60 mil quilômetros de vias potencialmente navegáveis e precisa aplicar os recursos e promover a melhoria dessa infraestrutura.
"Temos a missão de desenvolver o transporte hidroviário e construir hidrovias que tragam segurança, sejam confiáveis, bem sinalizadas, cartas náuticas, dragagem e derrocamentos — onde é necessário executar", disse Karoline. Ela entende que promover a multimodalidade e buscar equilíbrio e otimização da matriz de transportes não consiste em dividir por igual, e sim otimizar o potencial de cada modal e reduzir custos de transportes no país.
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O secretário nacional de portos e transportes aquaviários, Diogo Piloni, citou estudo recente da Confederação Nacional de Transportes (CNT), o qual aponta que o Brasil desperdiça dois terços do seu potencial de utilização de vias navegáveis. "Não dá mais para empurrar esse problema com a barriga. Temos que enfrentar essa questão e buscar formas de fazer com que essa alternativa possa ser utilizada no país de forma mais pujante", disse Piloni.
Segundo o secretário, o Ministério da Infraestrutura tem dado atenção a obras do setor aquaviário, com apoio do DNIT. Para Piloni, o maior desafio está na otimização da utilização de recursos públicos, priorizando orçamentos que são restritos e precisam ser utilizados de forma inteligente. "O caminho de realização de obras com orçamento público, considerando a situação fiscal do país, não parece o mais adequado. Temos que buscar soluções inteligentes e aproveitar PPPs (parcerias público-privadas) também no aproveitamento hidroviário", defendeu.
O subchefe de assuntos marítimos e organização do Estado-Maior da Armada, contra-almirante Rocha Martins, considera que o momento é adequado para discussões dessa natureza. Ele avaliou que os níveis de investimento em navegação aquaviário têm sido relativamente baixos, a despeito de todo potencial do transporte aquaviário no país. "Embarcações, instalações portuárias e vias de navegação devem ser trabalhadas em conjunto, em proveito do desenvolvimento da navegação e do país", apontou Martins. Para ele, a participação do setor privado é fundamental para alavancar esse tipo de navegação, sem retirar responsabilidades do setor público.
O presidente da Federação Nacional das Empresas de Navegação Aquaviária (Fenavega), Raimundo Holanda Cavalcante Filho, comparou que um comboio com quatro barcaças pode transportar o equivalente a cerca de 160 carretas. Ele contou que 20 barcaças transportando 40 mil toneladas já trafegaram no Rio Madeira e que já foi feito teste com 50 mil toneladas — que substituiria duas mil carretas por viagem, com apenas 12 tripulantes. A Fenavega estima que existam mais de 60 mil Km de vias potencialmente navegáveis, porém, no máximo 20 mil Km, são aproveitados. A federação atribui o baixo aproveitamento à falta de investimentos e de uma política de Estado realmente voltada para navegação brasileira.
Holanda também citou o último estudo da CNT, que apontou a necessidade de investimentos na casa de R$ 170 bilhões para ter a navegação interior eficiente, ante R$ 170 milhões destinados a esse tipo de navegação para todo o Brasil. "O governo tem que ter um pouco mais de carinho em relação à navegação brasileira, principalmente no Arco Norte que é a saída do agronegócio brasileiro. Ou melhoramos a logística ou nossos produtos do agronegócio ficarão acabando aqui dentro", avaliou.
Para a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o governo vai voltar as atenções para a navegação interior assim que concluir a implantação do programa de estímulo à cabotagem (BR do Mar), passando a trabalhar para cuidar da política pública para hidrovias e envolvendo os agentes setoriais e principalmente o setor privado. "Não conseguiremos avançar — com esse cenário de restrição fiscal severo hoje e nos próximos anos — se não colocarmos nessa equação o empresário privado nas variadas vertentes: construção naval, operação e provisão de infraestrutura aquaviária", projetou o diretor-geral da Antaq, Mário Povia.