A recente decisão do Ministério Público Federal (MPF) de pedir ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a condenação de multinacionais em suposto cartel no frete marítimo pode impactar a atividade dos agentes intermediários, conhecidos como NVOCCs (Non Vessel Operator Common Carrier). Analistas dizem que essa categoria já enfrenta incertezas no mercado marítimo mundial em razão da estratégia dos grandes armadores globais, que cada vez mais investem em novos modelos de negócios e em tecnologia, como parte da chamada 4ª Revolução Industrial, Revolução Digital ou, nesse caso, Logística 4.0.
O processo do MPF, instaurado em 2010, apura se houve formação de um cartel internacional com efeitos no Brasil no mercado de prestação de serviços de agenciamento de frete internacional marítimo e aéreo de cargas tendo como origem ou destino o Brasil. Essas condutas teriam sido praticadas por 28 empresas, entre 2001 e o início de 2007. As principais evidências, segundo MPF, consistem em atas e relatórios de reuniões e e-mails, além de históricos de conduta e documentos apresentados em acordos de colaboração. O caso deve ir a julgamento pela autoridade antitruste ainda neste ano.
O MPF considerou que o fato de algumas das empresas citadas já terem sido condenadas pela prática de cartel na União Europeia, Estados Unidos e no Japão, por exemplo, corrobora a ocorrência de um cartel internacional com efeitos no Brasil. "Temos a indubitável caracterização de um cartel clássico, com certo grau de institucionalização por parte dos seus membros, sem qualquer necessidade de aferição de poder de mercado ou efeitos deletérios causados pela conduta ilícita", diz o parecer do procurador Márcio Barra Lima, representante do MPF junto ao Cade. O Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Carga e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis), que representa os NVOCCs, alega que o caso se refere a um processo muito antigo, quando havia uma grande oscilação do frete marítimo internacional. O sindicato afirma que, como essa decisão é antiga, não impacta mais a atividade dos NVOCCs.
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Estimativas do mercado apontam que mais de 60% das importações brasileiras e mais de 40% das exportações nacionais passam pelas mãos desses agentes. A disputa por parte do mercado atendido pelos agentes intermediários é vista como tendência, na medida em que os armadores vêm fazendo investimentos em novas tecnologias para retomar contato com pequenos e médios exportadores, inclusive absorvendo clientes dos NVOCCs.
O diretor da divisão Supply Chain Advisory da Drewry, Philip Damas, entende que os tradicionais agentes NVOCCs de médio porte veem risco de a concorrência aumentar por causa de três vertentes: empresas de navegação cada vez mais digitalizadas; novos forwarders (agentes transitários) digitais; e novos mercados online. Segundo Damas, o principal mercado dos pequenos e médios forwarders/NVOCCS (remessas pontuais e cargas de menos de um contêiner) vai se transferir expressivamente para o ambiente online por meio de serviços completos de encaminhamento baseados na internet, desde cotações instantâneas e reservas até pagamentos.
As consultorias Drewry e Chainalytics firmaram parceria para criar uma espécie de “clube de compras”, através do qual pequenos e médios exportadores podem aumentar seu poder de negociação com os armadores. O Ocean Buying Group prepara o embarque de mais de 100 mil contêineres por ano. A maioria dos participantes integrados ao grupo é de pequenos embarcadores que querem garantir taxas fixas de grandes importadores e exportadores graças à compra alavancada. Alguns grandes embarcadores também estão usando o grupo como um “balcão de solicitações de taxas”.
Damas identifica uma forte competição entre NVOCCs e as empresas de navegação. Segundo o diretor, todos os NVOCCs estão lutando com a complexidade, volatilidade e a falta de padronização de tarifas dos armadores. “É um pesadelo, particularmente para pequenos e médios NVOCCs. Essa categoria também encara uma série de exigências de compliance, licenciamento e complementação de tarifa, sobretudo em negócios na China e nos Estados Unidos, onde os regulamentos estão entre os mais onerosos para os NVOCCs”, comenta.
O Sindicomis afirma que há muito tempo os armadores e seus agentes buscam competir com os NVOCC nos portos de embarque, com algum resultado apenas nas cargas de contêiner cheio (FCL) e limitado aos grandes exportadores. Para o sindicato, o NVOCC consegue obter vantagem entre embarcadores médios e pequenos a partir de fatores determinantes, como as estratégias comerciais, maior flexibilidade no planejamento das rotas alternativas para que as mercadorias cheguem ao seu destino, o componente custo e o componente preço. “Se considerarmos os grandes players nesta competição, a vantagem dos NVOCCs e Freight Forwarders internacionais é ainda maior”, avalia.
A entidade diz que novas tecnologias também estão disponíveis para os NVOCC, independentemente do seu porte econômico. Segundo o Sindicomis, novas tecnologias são absorvidas por todo o mercado, sejam prestadores ou tomadores de serviços. O sindicato ressalta que não se pode conferir às tecnologias, exclusivamente, o aumento do potencial para atingir e conquistar novos embarcadores. “Pode-se afirmar que o NVOCC não é um concorrente dos armadores, mas sim um grande — senão um dos maiores — embarcador e cliente dos armadores. É, acima de tudo, um facilitador para os dois lados, embarcadores e armadores”, diz o Sindicomis.
Segundo o sindicato, o grande diferencial está na capacidade de investimento, que se dilui com o tempo, permitindo que as empresas, independentemente de seu porte, se beneficiem igualmente. “Inovação não confere vantagem exclusivamente a quem pode se beneficiar, ato contínuo, à disponibilização de novos modelos de gestão e negócios”, avalia. O Centro Nacional de Navegação (Centronave), que representa 22 empresas que operam no longo curso no Brasil, preferiu não se pronunciar sobre o assunto.
“A decisão do MP foi mais um duro golpe contra os NVOCCs, que já estão sendo intensamente desafiados pelo propagação dos "Clubes de Compras" e pelos volumosos investimentos dos armadores em IoT (Internet das coisas), digitalização, blockchain entre outras tecnologias, visando uma reaproximação com os pequenos e médios exportadores”, analisou o consultor Leandro Barreto, da Solve Shipping. Ele acrescentou que, ao adotar novas tecnologias, os donos de navios buscam formas não apenas de retomar o contato com as pequenas e médias empresas, que foi indiretamente "terceirizado" aos NVOCC visando reduzir e simplificar suas estruturas comerciais, mas também frear o "ímpeto expansionista" de empresas de tecnologia como Amazon e Alibaba sobre o setor de Logísitca.
Por Danilo Oliveira
(Da Redação)