Menos de uma semana após a sanção pelo presidente Michel Temer da lei de reoneração da folha de pagamento, os setores ferroviário e de cabotagem já se articulam para manter o benefício fiscal que perderam. Três das 12 emendas feitas à MP 833 — que, assim como a lei de reoneração, integrou o pacote de concessões aos caminhoneiros — tratam do retorno da desoneração aos dois modais. O que os representantes das concessionárias de ferrovias e das empresas de cabotagem querem é igualdade de tratamento com o setor rodoviário, que manteve o benefício fiscal até dezembro de 2020, ao lado de outros 16 segmentos econômicos.
O programa de desoneração foi aprovado em 2011, na gestão de Dilma Rousseff, e previa que a contribuição das empresas de alguns setores para a Previdência deixaria de ser de 20% sobre a folha de pagamento e passaria a ser de até 2,5% sobre faturamento bruto das companhias. Desde então, o programa já sofreu idas e vindas, com a inclusão de um total de 56 setores na lista dos beneficiados e elevação da alíquota para até 4% da receita. A última mudança aprovada no Congresso, em maio, previa que metade desses setores (28) manteria o benefício até 2020 e a outra metade voltaria a recolher 20% da folha este ano.
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Quando sancionou a lei, em 30 de maio, porém, Temer vetou 11 dos 28 setores que manteriam a desoneração por mais um ano e meio, entre eles o setor ferroviário de cargas, o de cabotagem e o setor aéreo. A medida vale a partir de setembro. Na sua justificativa para o veto, o presidente alegou que a extensão do benefício fiscal por mais tempo iria de encontro ao esforço fiscal do governo e aumentaria o impacto sobre a Previdência. No entanto, manteve a desoneração ao setor rodoviário, após forte pressão dos caminhoneiros.
— Entendemos que o pleito dos caminhoneiros é legítimo. Mas, num momento em que se discute a busca do equilíbrio da matriz de transportes, desonerar o setor que mais concentra a carga e reonerar os concorrentes não faz sentido — afirma Gustavo Bambini, presidente do Conselho da Associação Nacional de Transporte Ferroviário (ANTF), que reúne gigantes como Vale, MRS e ALL.
A ANTF estima que o impacto da reoneração do setor a partir de setembro será de R$ 13,2 milhões este ano e R$ 30 milhões em 2019. Há 11 concessões ferroviárias no Brasil, administradas por seis empresas, que empregam 40 mil pessoas. Mas a parcela do setor no transporte de carga ainda é pequena: 20% do total, segundo o Ilos, enquanto as rodovias respondem por 65% do total. O transporte fluvial e marítimo fica com uma parcela de 12% e o feito por dutos, 4%.
A MP 833, a que foram anexadas as emendas com proposta de retorno do benefício fiscal aos setores ferroviário e de cabotagem, também foi publicada em 30 de maio. Das 12 emendas, duas — uma assinada pelo deputado federal Hugo Leal (PSD/RJ) e Jerônimo Goergen (PP/RS) — têm textos praticamente idênticos, incluindo o transporte ferroviário de carga na lista dos setores que manterão o benefício fiscal. Até os gráficos são iguais.
Uma terceira é do senador Wellington Fagundes (PR/MT), presidente da frente parlamentar mista de logística de transporte e armazenagem. Esta é mais abrangente, estendendo a desoneração ao setor de ferrovias e a toda cadeia de transporte marítimo: empresas de transporte de passageiros e de carga, tanto de cabotagem como de longo curso; empresas de gestão de portos e terminais arrendados e autorizados; empresas de armazenagem em instalações portuárias, bem como empresas de navegação de apoio marítimo e portuário (embarcações de apoio a plataformas e rebocadores que ajudam na atracagem de navios).
— Existe todo um trabalho no setor de mudar a logística de transporte. É um contrasenso político a decisão de desonerar o setor que tem quase dois terços do transporte de carga e reonerar todo resto — diz Bruno Lima Rocha, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma).
REPASSE PARA PASSAGENS AÉREAS
O sindicato ainda está calculando qual o impacto que a reoneração terá sobre o setor. As emendas serão avaliadas por uma comissão mista, que ainda será instalada e que vai produzir um parecer sobre as contribuições. Este será votado no plenário da Câmara e do Senado, mas ainda não há prazo para a apreciação dos textos nas duas casas.
O setor aéreo preferiu não recorrer aos parlamantares neste momento e avalia a melhor estratégia para contornar a situação. O presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) avalia que a reoneração terá um impacto de cerca de R$ 400 milhões por ano sobre as empresas do ramo. Isso se soma às despesas de R$ 500 milhões decorrentes da greve dos caminhoneiros.
— Entendemos que o espaço de debate sobre a questão da reoneração é o Congresso. E isso foi feito por meses, com audiências públicas para ouvir a sociedade. Estamos avaliando a melhor estratégia para lidar com essa situaçao — diz Eduardo Sanovicz, presidente da Abear.
Sanovicz evita falar em possíveis repasses para os preços das tarifas, mas executivos do setor dão como certo que o ônus recairá sobre o consumidor. Ainda mais num momento em que os custos das empresas aéreas vêm aumentando, com a alta do petróleo e do dólar.
Fonte: O Globo