Hoje as mulheres representam apenas cerca de 5% dos trabalhadores do setor de óleo e gás em regime offshore. Mas esses números estão mudando. Em comum, o amor ao mar.
Aos 41 anos, a engenheira Clarice Rodrigues é, desde 2013, gerente-geral da sonda que ajudou a construir na Coreia do Sul, a Norbe IX. Ela comanda 173 profissionais – sendo 12 mulheres–, divididos em duas equipes, com escalas de 14 dias embarcados.
Há 12 anos, quando morou por dois anos e meio na Coreia do Sul para coordenar o setor de perfuração na construção da plataforma, Clarice era a única mulher em cargo de liderança na equipe que ergueu a Norbe IX.
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Hoje, sua equipe conta com uma comandante do navio, Carla Malafaia, 42, segunda na hierarquia da embarcação, e uma supervisora de segurança. Há ainda uma engenheira operacional e uma engenheira de qualidade.
Formada em ciências náuticas, casada e mãe, Carla passa duas semanas embarcada, a cerca de 250 quilômetros da costa.
"Quando a gente chega aqui, a gente vira a chave, muda para o modo offshore", diz. Segundo ela, "quando você vai para o mar, não volta".
Atualmente, a sonda passa por uma reforma, com custo estimado em R$ 300 milhões, sob a supervisão de Clarice. Casada com uma empresária e mãe de João, a engenheira já trabalhou embarcada durante cinco anos em países como Colômbia, Argentina e México.
Hoje no topo da hierarquia, Clarice não nega ter enfrentado adversidades nesse percurso. "Quando se é mulher, você tem que fazer sempre mais, falar mais, tem que provar mais".
"Em todas as profissões, isso é que a mulher sofre. Também sofro com isso", admite.
Segundo ela, a evolução é gritante desde que começou a trabalhar em regime offshore, há 19 anos. "Por ser mulher, a gente é mais questionada, sim. A gente tem que falar mais de uma vez, sim".
Uma pesquisa realizada pelo instituto Ipsos aponta vantagens e desafios encarados pelas mulheres que trabalham em regime offshore. Quase a metade das entrevistadas (45%) responderam ser um ambiente muito machista, o que o torna pouco atrativo para as mulheres.
Ao lado de tratamento diferenciado (38%) e ambiente preconceituoso (25%), a distância da família (40%) é apontada pelas mulheres como a maior dificuldade de quem trabalha embarcada.
Supervisora de carga do FPSO Cidade de Ilhabela da empresa SBM Offshore, Suzan Figueiredo, 35, sai de casa enquanto o filho, de 1 ano e 6 meses, está dormindo só para não se despedir antes de seguir para uma jornada de 14 dias em alto-mar, além de quatro dias de isolamento imposto pela pandemia de covid-19.
Suzan admite que não foi fácil retomar a rotina no fim da licença maternidade, um ano atrás. "O início foi aquela dor física que dá na mãe, de arrancarem o cordão umbilical. Foi bem difícil. Não vou mentir."
Formada em ciência náutica, Suzan diz que chegou a imaginar que, com a maternidade, não conseguiria embarcar novamente. Mas, além do amor pelo mar, quer mostrar para o filho, Vitor, que é possível compatibilizar maternidade e emprego.
Hoje à frente de uma equipe de 12 homens, ela conta que por várias vezes foi a única mulher em viagens como piloto na Marinha Mercante. "Não vejo mais aquela barreira que tinha antigamente. No começo, eu via barreira muito grande pelo fato de eu ser a única mulher", relata.
Suzan conta que já chegou a mudar de postura, enrijecer, para que seus subordinados seguissem suas orientações. Mas que considera desnecessário. "Nenhuma mulher tem que mudar. Eles que têm que se adequar a nós".
Para as entrevistadas, a vida a bordo oferece satisfação profissional (50%) e boa remuneração (47%).
Ainda segundo esse levantamento realizado pelo instituto Ipsos e encomendado pela empresa Ocyan, o sistema de escala, que permite conciliar agenda profissional e pessoal, é vista como uma vantagem por 45% das mulheres que trabalham em regime offshore.
Engenheira subsea e de produção da TotalEnergies no FPSO Caraguatatuba, Renata Zimbres, 29, diz que hoje tem mais qualidade de vida do que quando trabalhava em escritório. "Tenho metade de um ano livre e outra metade do ano fazendo meu trabalho super focada, sem distração".
Formada em engenharia de petróleo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Renata diz ter reunido as paixões por mar e barco em uma profissão. "Vai ser difícil para mim sair do offshore. É a melhor profissão da vida. É um trabalho que eu amo e, quando eu desço, eu vivo intensamente".
Ela conta que, dentre 130 profissionais a bordo, até agora, foi 4 o número máximo de mulheres com as quais conviveu em uma embarcação.
Renata diz que a assertividade da mulher é confundida com agressividade. Ela afirma que também já tentou se enquadrar em um ambiente masculino. Mas falhou.
"Se eu tivesse que vestir um personagem, que iria para o trabalho e voltasse para casa, talvez em conseguisse sustentar, mas eu fico lá 21 dias. As pessoas convivem comigo do meu acordar, que é às 5h30, ao meu dormir, que muitas vezes é meia noite. O legal é a diversidade", afirma.
Esse estudo serviu de inspiração para um movimento com objetivo de ampliar a presença feminina no mercado offshore. Dezoito empresas do setor de óleo e gás lançaram a campanha "O mar também é delas" para estimular a entrada de trabalhadoras nesse mercado e tornar a rotina nas embarcações mais acolhedora para as mulheres.
Idealizador da pesquisa, o vice-presidente de Pessoas e Gestão da Ocyan, Nir Lander, afirma que o diagnóstico servirá para a busca de equidade de oportunidades no setor. Segundo ele, é fundamental avançar com mais contratações de mulheres, o que exige a constituição de ambiente mais seguro e confortável para elas.
"Precisamos unir os esforços de toda a indústria. A indústria precisa ajudar a acelerar esse movimento", defende.
Fonte: Valor